Não é o outro.
É este e não aquele que, por
não ser este, não deixa de ser aquele de capinha que usa P.C. na
etiqueta de identidade e, por inteiro,
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se identifica com aqueles que a usam na abrangência de uma ideologia que
sempre conheci como sua.
Já lá vão muitos anos que
ele veio, de moliceiro ou de rabelo, não recordo bem, para o Tribunal de
Aveiro onde eu então ainda Ia cavar na vinha dos clientes para colher
com que fazer o mosto duma vida que procurava, tanto quanto então era
possível, ser útil ao conjunto social em que estava integrado.
Desde sempre o vi metido em
tudo quanto fosse de interesse intelectual como o cinema, o teatro, o
jornalismo e poderia até dizer-se que, sem faltar à obrigação do ofício,
era na devoção desses aspectos culturais que ele mais se sentia no
cumprimento da sua tarefa vital como homem.
Mas não só.
Desde sempre o vi
identificado com correntes de opinião que pouco tinham de cómodas, dada
a sujeição da função pública à "ordem social estabelecida" que não era a
sua, e, muito menos, ao "activo repúdio do comunismo ou outras ideias
subversivas", coisa que nele não era possível embora por ventura o
tivesse declarado, forçadamente, por certo com" reserva mental", em
legítima defesa do seu posto de trabalho, tal como os católicos
italianos foram aconselhados a fazer pelo Papa, quando Benito Mussolini,
tão identificado com o Salazar, cá do sítio, os quis obrigar e obrigou a
idêntica declaração, tudo isto antes daquele acordo, salvo erro de
Latrão, que pôs um pouco de água benta entre a força dos Guardas Suíços
da tradição Vaticana e os "carabiniere" da força do Quirinal.
Consumiu-se, principalmente,
por tarefas ligadas ao Direito Criminal mas sempre se mostrou atento ao
envolvimento humano de outros sectores profissionais como a advocacia,
conquistando naturais simpatias, não porque abrisse muito a boca em
sorrisos de mostrar dentes que então tinha, mas por natural tendência de
comunicabilidade.
Mas era um pouco diferente
dos colegas de função a quem, por
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velha praxe sempre mais ou menos respeitada nesse tempo, os Advogados da
Comarca, na altura longe de, em número, atingirem o colectivo de enxame,
costumavam ofertar a cada um e pelo Natal, uma qualquer garrafita de
Porto ou de Bairrada.
Pois, ao Pinto da Costa,
apesar dele não ser abstémio de tais sangues de Cristo, eu costumava
oferecer um livro que talvez nem sempre tenha produzido a agradável
sensação de acolhimento desejado.
Mas não quero, acerca deste
plurifacetado P.C., deixar de contar o meu perigoso atrevimento de então
quando o Tribunal era porto de minhas frequentes visitas de trabalho ou
simples busca de encontros de camaradagem ou amizade.
Quando eu entrava na
Secretaria, esse desconfortável corredor largo com "paredes divisórias
de vidro com buracos" para as escorrências verbais ou passagens de
autos, ao tempo de papéis brancos e azuis, e não via o Pinto da Costa,
logo berrava com o meu vozeirão de Adamastor jurídico:
− O P.C. não está?
E logo os mais medrosos se
borravam pelas calças abaixo, com medo de algum colaborador da P.I.D.E.
que por lá andasse infiltrado e fosse avisar o "recebedor" das
Informações, daquele desplante de, alto e bom som, alguém perguntar
pelas duas letras demoníacas do emblema do Álvaro Cunhal.
− Quem? Quem? Quem?
− Pois quem havia de ser?
O Pinto da Costa que tem P. e C. como letras capitulares, já que não usa
o nobiliárquico A de Alvarenga, que também orna o seu brasão do Arquivo
de Identificação!
A partir de certa altura
habituaram-se mas a cena, quando repetida, continuava a causar arrepios
a quem, do público, acorria ao Tribunal.
Por mera coincidência
negativa nunca por lá apareceu a pedir
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certificado de registo criminal ou coisa parecida, um Zé Sachetti, um
Porto Duarte, um Abílio Pires, um Barbieri Cardoso, um Rosa Casaco!
Estou a ver o que sucederia
com esses "fundamentalistas" a ouvirem, num templo da Justiça, o eco
dessas letras de perdição que só queriam dizer o que diziam e tão só era
Pura Camaradagem.
Os tempos rolaram céleres e
chegada, usando as palavras de Eça, a "hora geba do reumatismo", eis o
Pinto da Costa, disfarçado de "Pintos das Costas", de vária origem, a
dedicar-se à adubação semanal daqueles canteiros que o LITORAL lhe abre,
com evidente benefício e alegria dos leitores que, não sendo de mais,
têm, ultimamente, uma frescura de idades que não pode deixar de
beneficamente contagiar quem por lá derrama os efeitos das suas
inspirações ou... intenções.
Seja o Pinto da Costa,
propriamente dito, seja o Zé Respigos, o Prisioneiro, o Joalpico, o
Jotapêcê, todos pessoas distintas numa só verdadeira, sempre levam
marcadas as dedadas daquele transmontano de Mesão Frio, tornado
apaixonado das terras e águas salgadas de Aveiro, onde lançou raízes e
escolheu até, para viver, uma torre donde pode ver os altos distantes do
Marão pátrio, os mais próximos da Estrela da conjunção, sem ter de
partir os espelhos milagrosos de luz que são as Marinhas.
Cada manhã lá aparece,
abraçado a toneladas de papel de jornal que consegue ler ou, pelo menos,
farejar, na constante busca que a sua sensibilidade incita, em esperança
de encontrar uma poesia, uma crónica, uma fotografia ou um desenho que
vá alimentando a apetência, sempre crescente, do catador de pretextos
que ele é, para os belos folhetins da sua lavra no jornal que foi do
David Cristo.
E lá, no Café, num dos
cantos da nossa pluralística escolha, trocamos impressões sobre temas
próprios ou colhidos de leituras recentes, agora e logo repartidas com
outros amigos, igualmente interessados nesta convivência social sem
arrebiques de moda ou elegâncias
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de dandismo, tão só como corrupio "à vara larga" por esta lezíria de
ilusões e desilusões que a vida nacional é, agora sem valas de censura a
impedir o galope da liberdade do pensamento e das acções.
O Pinto da Costa, homem de
capinha inteira, para além de produto acabado de uma vertebração
ideológica com a qual me não identifico mas que muito tem de comum com
os objectivos daquela que abraço, também sempre se mostra influenciado
por duas presenças aveirenses, ícones do nosso nicho ou arca de
saudades, e que são as do Mário Sacramento e do João Sarabando, aquela
sublimada em altura e esta emparceirada numa camaradagem que não
desvalorizava, em nada, o muito amor que ambos tinham pelo povo e pelas
suas tradições e ensinamentos.
Eu gostaria de deixar aqui
uma ou várias pinceladas da personalidade artística do Pinto da Costa,
esse homem de capinha que sempre a conseguiu honrar e fazer esvoaçar a
ponto de largos serem os voos, por vários céus, que sem deixarem de ser,
sempre, os do homem, nunca foram impeditivos da Liberdade do voo de
outros homens, para o tal "mundo melhor" do Mário Sacramento.
Mas seria difícil, por
deslocado.
E é como "liberdade poética"
que vou à poesia, arte em que o P.C. do Pinto da Costa, se mostra
valioso, embora já com o bolor de um tempo em que era preciso disfarçar
para mostrar e por vezes tapar, para se descobrir.
É de 1959 esta poesia de
Pinto da Costa publicada na "COMPANHA"
com o título de "Peixe Cego", dedicada ao Cláudio Torres:
«Esta é a viagem sem fim e
sem começo,
Neste mar imenso em que principio,
Esta é a viagem sem meta e sem regresso,
Sem bússola, sem rota e sem navio...
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− Esta é a viagem em que um
peixe cego
Alcança finalmente a foz do rio...
Mas há uma outra, de trinta e um ano depois, em que também há peixes a
buscar a foz dum rio de seu destino, mas já com liberdade para a
alcançar. Esta é minha, muito minha e dela sou cioso mas não tanto que
consiga resistir à vaidade de a mostrar e dizer acompanhada da
dedicatória que em 1 de Setembro de 1990 a acompanhava: "A M. da Costa e
Melo, inédito e sem cópia, no seu 77º aniversário com toda a estima e
camaradagem do Pinto da Costa − 1/ 9/1990".
Já lá vão 10 anos e é com
medo de a perder, no tombo das minhas saudades, que a deixo aqui,
sobretudo orgulhoso pela amizade que já existia mas que desde então se
cimentou nos cantinhos do nosso café da manhã, à sombra da para nós
inutilidade do Palácio da Justiça:
"Sol pela Vidraça
E vinham os salmões desovar no rio
Com o peso da viagem entre os olhos,
e traziam molhadas de esperança,
outras rotas ainda por fazer...
Na superfície como primaveras,
fendiam os caminhos da poesia
e quebravam seus versos contra o fundo,
assim numa pilastra de cristal...
Quando os olhos de negro se pintavam
é que o rio se tornava navegável
e subiam os braços como eles,
até se perderem na nascente!..."
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E é olhando para trás, para a primeira série destes fogachos da lareira
forense, onde figuram o
João Vale,
o António Pinho
pela mão do Júlio
Calixto, o
Abranches Ferrão,
o António Ribeiro da
Silva, o
João Brito Câmara
e o Zé Godinho,
gente de beca, toga e poesia, que eu trago o Pinto da Costa para a todos
eles acrescentar a possibilidade das rimas poderem vir escondidas nas
pregas modestas de qualquer capinha. |