O
MEXILHÃO é um molusco de duas conchas que vive
sobre rochas ou sobre estacas de madeira, às quais se fixa tenazmente
por um feixe de filamentos que constituem o byssus, resistindo assim ao
choque
das ondas ou à força das correntes marítimas.
Instala-se onde há um forte fluxo e refluxo de água do mar, na região da
praia que fica temporariamente a descoberto, podendo também, raramente,
por virtude de certas circunstâncias, ficar sempre debaixo da água.
Demora quatro a cinco anos a tornar-se adulto.
O mexilhão dá-se melhor nos mares setentrionais da Europa,
mas
adapta-se também a mares interiores com fraco grau de salinidade, como o
Báltico. As costas do mar Mediterrâneo também são propícias ao seu
desenvolvimento.
Os mexilhões constituem um alimento muito apreciado. Em Itália fazem-se
grandes culturas de mexilhão, especialmente em Tarento, onde se
cultivam as duas principais espécies: a azul comum chamada cozze nere, e
a barbuda (modiola barbata) chamada cozze pelose. Em todos os mercados
da Itália se encontram os mexilhões de Tarento.
Os mexilhões também vivem nas costas de Portugal, e são uma das
especialidades da cidade de Aveiro. Ora esta especialidade já não é
recente, é, pelo contrário, bem antiga, como se prova pelo soneto que
publicamos aqui e data do meado do século XVII.
É autor deste soneto JOÃO SUCCARELLO CLARAMONTE, que
Filipe III de Portugal autorizou a fazer cirurgia por carta de 17 de
Junho de 1638. Nesta se indica que JOÃO SUCCARELLO era natural de Mesão
Frio, do bispado do Porto, e filho de António Sucarello Claramonte,
médico de grande fama.
/
46 /
JOÃO SUCCARELLO foi nomeado cirurgião-mor do exército do Alentejo por carta de 18 de Dezembro de 1650, na qual
lhe era atribuído o grau de licenciado. Neste mesmo ano
estava regendo uma cadeira na Universidade de Coimbra.
Sucedia que JOÃO SUCCARELLO aliava ao exercício da
medicina e cirurgia o cultivo da poesia, e com tal êxito que BARBOSA
MACHADO, na Biblioteca Lusitana, chamou-lhe «excelente poeta, principalmente no estilo joco-sério, em
que levou a palma a todos os mais célebres professores da
divina arte».
SOUSA VITERBO concorda em que SUCCARELLO tenha
bastante merecimento poético, mas não lhe reconhece o valor que lhe atribui
BARBOSA MACHADO.
As suas composições, com excepção de duas, ficaram todas inéditas por
serem, em regra, satíricas ou obscenas.
Na Biblioteca Municipal do Porto existe uma colecção de
poesias de JOÃO SUCCARELLO, entre as quais um soneto com uma referência
aos mexilhões de Aveiro, que transcrevemos
do Arq. Hist. Port., voI. VI, pág. 195. Na Biblioteca Geral
da Universidade de Coimbra existem igualmente muitas produções poéticas suas, manuscritas.
SONETO
Que mandou às Freyras de Monchique vindo
de Coimbra a hua sua festa
Guardadoras do gado deste outeiro,
Ó nunca foreis, não, tão guardadoras,
As q'ajuntando estais todas as horas,
Mals do q'enthesourou Pero
Pinheiro.
Parte-se à vossa festa hum cavalleiro,
Tingindo em sangue as rodas das esporas,
Cuida q'ha de comer: não faz demoras,
Nem sequer prova dos mexilhões de Aveiro.
Fazeis Sarapatel, juntais panellas,
Ha festifolgas, todo o frade come,
Elle fica em gejum vendo as estrellas.
Já vos conhecem, já vos sabem o nome
Sois igualmente míseras e belas
Pois, q'matais de Amor e mais de fome.
/
47 /
Por aqui se vê que JOÃO SUCCARELLO perdeu o tempo
quando se deslocou de Coimbra para o Porto, pois não se
banqueteou com o sarrabulho da festa do convento de Monchique(1), e para cúmulo de infelicidade, nem sequer passou
por Aveiro para provar os mexilhões, tal era a pressa com
que vinha para chegar à festa das freiras.
Aveiro, Março de 1952
FRANCISCO FERREIRA NEVES |