ARTIGO I
Do local para a nova barra
1. Para se conseguir a
restauração do porto, país, e cidade de Aveiro, se deverá abrir uma nova
barra em O (fig. 1.ª, defronte do forte K, umas 1.000 braças ao sul da
capela de
S. Jacinto, ou Senhora das Areias, 3.600 braças distante e quase ao
poente da cidade de Aveiro, 7.850 braças ao norte da barra actual X; e
se deverá desprezar, e totalmente abandonar esta actual barra pelos motivos que adiante se dirão. Para esta
nova barra se poderá aproveitar alguma pedra existente na Vagueira,
únicos vestígios da infeliz tentativa de 1780 até 1783, junto ao sítio M
do forte que ali existia e então foi demolido, e que são os únicos que
aparecem de quantas tentativas e trabalhos de barra se têm feito até
hoje, transportando a dita pedra de lá para o local escolhido para a
nova barra O, duas léguas ao norte de M.
ARTIGO II
Do modo de abrir a barra
2. Para abrir esta nova barra V g C O defronte do forte K se deverá
atravessar com um dique, construído de terras e fachinas da grossura de
60 palmos na base, o pântano, que na maior parte do ano é ocupado pelo
álveo do Vouga, desde
a Gafanha, do ponto A, em que se acha uma casa fora do
disco das cheias, até B perto do forte K; este dique A B terá 388 braças
de comprimento e 4 palmos superior às maiores cheias que ali sobem nove
palmos acima de águas de verão; o qual se revestirá todo de bons
torrões, que o país fornece de óptima qualidade; eles devem trazer
pegados os juncos, e outras plantas e ervas que muito ajudarão a sua
resistência contra o choque e ondulação das águas; para o mesmo fim se
guarnecerá de ambos os lados de tramagueiras
/
71 /
por meio de competentes plantações que se farão. O efeito
deste dique será obrigar as águas, que agora passam entre a Gafanha e
o forte por toda a extensão A B, a correrem
todas pela cale grande, que se vê entre o forte e o areal, ou dunas que
lhe ficam defronte para o poente; a qual é ali o mesmo Vouga já reunido
com as águas que entram em toda a ria, excepto o regato de Mira.
Feito isto se principiará outro dique B C (fig.
1) que começará na
extremidade B do primeiro, e se dirigirá para oeste(1) atravessando
sempre o rio, que tem ali na sua maior altura ou na cale 30 palmos
termo médio; este dique será construído de fachinas, estacas, terras,
pedras, etc.; sua grossura será de 72 palmos na base, logo que entre na
cale B S, e será maior perto do mar; a sua altura será superior às
cheias grandes; com ele se atravessará o Vouga, como disse, e igualmente
o areal que medeia, e separa aquele rio do oceano; areal que o mesmo
Vouga irá demolindo, e ocupando sucessivamente à medida que o dique
avançar para a cale, e a tiver passado continuando para o mar; este
areal tem 19 palmos superior em altura às maiores preia-mares na costa do
mar, e forma com o rio uma extensão B C de 660 a 700 braças, conforme o
mesmo areal se alarga mais ou menos na costa C,
e tanto se dará a este dique de extensão.
Eis aqui o efeito deste dique:
À medida que avançar
de B para o rio, estreitará de igual porção o seu álveo; em
consequência deste estreitamento as águas subirão um pouco do lado da
corrente demorada nesta parte pela porção feita do dique que o
estreitou; em consequência desta elevação das águas se aumentará a
velocidade da corrente no restante álveo, e esta maior velocidade e
força da corrente assim
aumentada, não podendo atacar a testa do dique, pela forte construção
que se lhe dará, atacará o fundo do álveo, e o alargará demolindo também
na margem oposta, que são dunas e areias soltas, a porção necessária
para restituir ao
álveo suas preexistentes dimensões as águas e a mesma
/ 72 /
velocidade, para cessar a demolição pelo equilíbrio também restabelecido
entre a corrente das águas, e a resistência da margem arenosa, e do
fundo existentes antes de começar o dique; e continuando desta sorte a
avançar com o mesmo para a grande cale, e além dela, v. gr. até aos
pontos F, G, H, as demolições sucessivas, e respectivas P q r, t u n,
z
y h, do areal S C, se prosseguirá em proporção da maior prontidão com
que se avançar o dique B S C, até que enfim, demolido em frente da
testa do mesmo o dito areal em toda a sua largura C S, e já convertido
em álveo do Vouga, este rio se lançará por ali no mar, e com o peso da
corrente romperá a nova barra S C V g, defronte do forte K, 1.000 braças
ao sul da Senhora das Areias; 3.600 braças ao poente de Aveiro; e 7.850
ao norte da barra actual, que se abandona para sempre.
ARTIGO III
Até onde se deve continuar o dique que abrir a barra
3. Aberta a barra se continuará o dique sempre na
mesma direcção até entrar no mar, e chegar mesmo à linha de baixa-mar;
esta operação de levar o dique B C até à baixa-mar na costa tem por
objecto fixar a barra, e fazê-la ali permanente, sem o que ela fugiria
para o sul, como adiante se verá, e os seus resultados
além de menores, seriam de muito pouca duração
(2)
ARTIGO IV
Do orçamento da obra até a abertura da barra
4. A despesa dos diques A B, B C poderá importar de 240.000 a 250.000
cruzados, até ao rompimento da barra, podendo este orçamento sofrer as
mesmas alterações que podem resultar dos diversos incidentes e
combinações até dos elementos, que se hão-de combater durante o processo
dos trabalhos na execução.
/ 73 /
ARTIGO V
Outro modo de abrir a barra em um só ano
5. O método de abrir a barra pela demolição progressiva do areal, à medida que se avançar o dique, empregando por único
agente as águas (2), supõe que se trabalha com poucos meios; porque se
estes forem tais, que se possa tapar o rio em um só verão, e fazer os diques A B, B
S com todas
as suas dimensões, neste caso então se deveria logo fazer uma porção S 2 para evitar a demolição do areal, e não se alargar
mais o rio B S, que se pretenderia tapar, e depois se
faria B 2 ao modo ordinário (2). Feito isto, as águas do inverno
seguinte, achando o rio tapado inteiramente, fariam uma extraordinária cheia ao norte dos diques, cujas águas necessariamente
romperiam e fariam caminho pelo areal para se lançar no oceano, onde
aquele fosse mais baixo do que a cheia; e como esta o não deveria nunca
ser, para não abismar o país tom uma tal cheia, se faria de antemão um
largo fosso S C 3 m que atravessasse o dito areal no prolongamento S C da
direcção do dique B S, desde a sua testa S até perto do mar; mas sem o
comunicar com este senão a final, porque, sem esta cautela, as ondas e
marés o entupiriam logo; a profundidade do fosso deveria ser pelo
nível das cheias ordinárias para não ser tão fundo, e tão custosa a sua
escavação. Dispostas assim as coisas, as águas da grande cheia
artificial, pela inteira tapagem do rio A B S, entrariam pelo dito
fosso, e ficariam com toda a ria muito superiores às do mar; então é que se acabaria de cortar a areia restante na extremidade do fosso para o comunicar
com o oceano no mesmo momento escolhido para a operação do rompimento da barra.
O Vouga, então, superior ao mar pela hipótese, se lançaria nele com
grande impetuosidade até evacuar por ali a grande massa de águas deste
imenso receptáculo de muitas léguas quadradas de superfície, que oferece a ria,
com as marinhas e campos em que as águas estivessem tão elevadas; e
deste modo ficaria aberta uma larga e profunda barra no sítio desejado O, pelos trabalhos
de um só ano; empregando sempre como agente o esforço das águas combinado apenas com
o pequeno trabalho dos homens na escavação de um fosso pouco fundo, ou muito superficial, sobre as areias S C
3 m.
ARTIGO VI
Modo de abrir a barra em mais de um ano pelo método composto dos que se expuseram nos artigos Il e V
6. O que se acaba de expor ultimamente para abrir a
barra em um só ano, se aplica a qualquer época da sua
/ 74 /
continuação ou progresso; pois tapando-se do mesmo modo o rio no estado em
que então estiver o seu álveo, depois da demolição de alguma porção do
areal pelo avançamento do dique B S,
se taparia todo como acima se disse (5) até topar no areal, e depois se
abriria o fosso no restante do mesmo areal que a esse tempo existisse,
do mesmo modo que se faria para todo ele no caso precedente; e o
processo seria o mesmo, e o resultado ainda mais rápido, e seguro pela
maior proximidade do rio ao mar, e menor massa de areias a demolir. Logo, a empresa
de abertura da barra de Aveiro não só é possível; mas até se pode
conseguir com grandes ou pequenos meios sem outra diferença mais que no
método que deve seguir-se, e no tempo que deverá empregar-se, segundo
o estado das finanças que se destinarem para esta obra.
Continua na pág. 94 −
►►►
FRANCISCO FERREIRA NEVES
(Cópia de FRANCISCO FERREIRA NEVES) |