MÃO amiga trouxe ao nosso
conhecimento o n.º 536 de «O Campeão do Vouga» de 16 de Julho de 1857(1),
em cuja primeira página se lê a seguinte representação de aveirenses, dirigida a D. Pedro
V:
«Publicamos hoje a representação que os habitantes d'esta
cidade dirigiram a S. M. pedindo-lhe haja por bem remover os
obstaculos que se oppoem á continuação dos trabalhos historicos do sr.
Alexandre Herculano.
Juntamos a nossa voz ás que de quasi todas as principaes
povoações do paiz se teem erguido no mesmo sentido, significando o
respeito e profunda consideração que inspiram os trabalhos do sabio, que tem consumido a melhor parte da sua vida
em lucubrações, em que a patria e as letras tem lucrado muito.
Mas fazemol-o porque confiamos; em que o sr. Alexandre Herculano ha de esquecer offensas d' amor proprio, que por
mais
graves e fundas sempre hão de valer menos que os interesses
das tetras e da patria, e acceder, por amor d'elles, aos votos de
tantos seus concidadãos, e dos primeiros do paiz.
Quem tão alto se tem elevado pela intelligencia,
não deve
descer, pelo coração, ao nivel de vulgaridades. E é para a generosidade do coração do nosso primeiro escriptor contemporaneo
que nós appellamos com confiança. Ao contrario seria fazer
pagar a uma nação os erros e desacertos dos seus ministros.
D. P. E SILVA
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128 /
SENHOR!
Trazer com a historia á geração presente, e levar ás futuras, os homens e os sucessos desde o berço de uma nação, é um nobre
feito para merecer muito da patria. Além do augmento que dá, e é grande,
á somma da riqueza litteraria, põe de pé, e á vista de todos, atravez
dos seculos, os erros e os acertos do
passado, onde o presente e o futuro podem aprender muito.
Mas se aquelle empenho é sempre para grandes forças e trabalho,
crescem as difficuldades n'esta nação onde, senão ha mingoa demasiada
d'historiadores, ha com tudo sobejidão de fabulas emmaranhando as
historias, assim que bem poucas, sem grande vergonha nossa, poderemos
apresentar aos estranhos: fructos de bôa tenção mal avizada, senão de
credulidade nimia.
Ainda bem que ahi se ergueo ha annos um homem arcando com a empreza! Foi
ALEXANDRE HERCULANO. Preparou cabedaes para a obra com muitos annos
d'aturado estudo, e pela parte que já vio a luz, VOSSA MAGESTADE,
competente apreciador, a avalia. Porém ALEXANDRE HERCULANO teve motivos
que o induziram a descontinuar, e este acontecimento, que
importa uma grande perda nacional, não pode deixar de ser profundamente
sentido por VOSSA MAGESTADE.
E ainda que o paiz tenha por si contra a perseverança do erudito
escriptor em seu proposito, o sabio que a sciencia põe a cima de
vulgaridades, e a consciencia que elle tem do dever de a fazer fructificar a bem da humanidade;
− com tudo os supplicantes:
P.ª VOSSA MAGESTADE que Se Digne Providenciar de tal modo, que
ALEXANDRE HERCULANO continue a escriptura e publicação da Historia e
Monumentos Historicos de Portugal.
E.R.M.
Aveiro 20 de Junho de 1857
Joaquim José Coelho de
Sequeira, bacharel formado em
canones pela universidade de Coimbra, e vigario geral do bispado d'Aveiro
− Eduardo de Serpa Pimentel, bacharel em
direito, e socio do Instituto de Coimbra − Alberto Ferreira Pinto Basto
− João Carlos do Amaral Osorio, par do reino − Casimiro Barreto Ferraz
Saccheti − João Saraiva Pereira de Mello Brandão − António de Sá Barreto
d'Eça Figueira e Noronha − Francisco Joaquim d'Almeida, major addido
ao governo militar d'Aveiro − Antonio d'Abranches Lobo de Figueiredo,
bacharel, em direito − Manuel José Marques e
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129 / [Voi. X -
N.º 38 - 1944] Silva Tavares,
bacharel em direito − Luiz Candido Teixeira
de Moura, bacharel em direito − José Estevam Coelho de Magalhães − José
Ferreira da Cunha Junior − Sebastião de Sá Pinto Barreto d'Eça − Alfredo
de Figueiredo Perry, bacharel em direito − Manoel José Barboza −
Francisco José d'Oliveira Queiroz, reitor do lyceu d'Aveiro − José
Joaquim
da Silva S. Tiago, bacharel em direito − Bento de Magalhães, bacharel em
direito − Antonio do Canto e Castro, tenente graduado do exercito − Germano Antonio Ernesto de Pinho, professor e secretario do lyceu de Aveiro
− Joaquim Carlos da Silva
Heitor, tenente graduado de caçadores n.º 2 − Francisco
Thomé Marques Gomes, bacharel em direito − Agostinho Fernandes Melicio, bacharel em direito
− Joaquim Pereira Peixoto Sarmento de
Queiroz, mestre eschola da Sé do Porto − Manoel Rodrigues Branco Junior
− Sebastião José Leal Pinto, tenente de infanteria n.º 2 − o vigario Manoe!
Rodrigues Tavares
d'Araujo Taborda, bacharel formado em direito canonico − José Pereira de
Carvalho e Silva, bacharel em direito − José Chrispiniano
da Fonseca e Brito, medico-cirurgião − Joaquim
Thimotheo de Sousa da Silveira, bacharel em direito − Juiz Antonio da
Fonseca e Silva − José Joaquim de Carvalho e
Goes − Francisco Manuel Couceiro da Costa − Manoel Rodrigues Simões, bacharel em direito
− Joaquim Pedro Dias Santiago,
bacharel em direito − Joaquim Pedro Alvares de Mello, bacharel em
direito − Joaquim Correa da Rocha Martins, bacharel em direito − João de
Miranda Ascenso, prior de Vagos − Cypriano dos Santos José da Graça, bacharel em medicina
− o
Padre Vicente Maria da Rocha − o padre João Mendes Esteves − Casimiro d'Almeida Barreto, bacharel em
direito − João da Costa Fonseca de Lemos Cardoso, bacharel em direito −
Francisco Faustino Pereira da R. e Brito, estudante do 3.º anno juridico
− José Ferreira Lucena − José Bernardo de Castro − Luiz Maria dos
Santos, capitão de caçadores n.º 3 − José Maria dos Santos Pacheco, medico-cirurgião
− Jeronimo
Fernandes da Silva − Agostinho J. D. Pinheiro e Silva − José Eduardo d'Almeida Vilhena, socio honorario
correspondente do instituto literario de Pernambuco − Manoel Firmino
d'Almeida Maia, proprietario e redactor do Campeão do Vouga.»
O Dicionário Bibliográfico de INOCÊNCIO, voI. XXI (14.º do Suplemento),
págs. 189-190, transcreve o seguinte,
que O Liberal, de Viseu, publicara em 17 de Julho de 1857: − Retiramos hoje o nosso artigo de fundo para dar publicidade ao
requerimento que os habitantes desta cidade dirigem a El-rei, pedindo a
Sua Magestade haja por bem remover os obstáculos que actualmente impedem
a continuação
dos Monumentos Históricos e da História de Portugal.
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130 /
Os redactores do Liberal, uns amigos, outros conhecidos, e todos,
portugueses que são, respeitadores do Sr. Alexandre Herculano, deploram
os motivos que fizeram afastar o ilustre literato dos trabalhos que
tanto têm nobilitado este país, e juntam por isso os seus votos aos do
requerimento dos seus concidadãos.»
Assinavam o requerimento «as pessoas mais gradas, respeitáveis e
ilustradas de Visem)(2).
*
Os motivos que levaram o grande historiador e português a abandonar os
seus trabalhos históricos e determinaram as representações que
habitantes de Aveiro e de Viseu dirigiram ao Rei (D. Pedro V) − foram as desinteligências levantadas entre a Academia das Ciências, a que Herculano pertencia, e o seu
secretário perpétuo, Joaquim José da Costa Macedo. Da lamentável incompatibilidade que passava
a existir entre aquela instituição e o
secretário resultou a supressão deste. Qual a atitude do Governo? O
Governo nomeou Costa Macedo para guarda-mór da Torre do Tombo!
O texto de duas actas das sessões da Academia
esclarece perfeitamente
o assunto. Eis o texto da acta da sessão de 31 de Março de 1856,
presidida por A. HERCULANO: − «O Sr. Alexandre Herculano disse que já era
sabido de todos que o Governo acabava de nomear Guarda-Mor da Torre do
Tombo ao Sr. Macedo, Secretario Perpetuo da Academia, e que em vista d'esta nomeação ele (Sr. Vice-Presidente) ficava inhabilitado de poder
frequentar, como até agora, o Archivo Nacional, onde pelo decurso de
tantos anos havia entrado, para seguir as suas investigações historicas,
sem que para isso tivesse jamais tido autorização official. Que pelos
motivos que expendeu, não podia d'aqui em diante frequentar a Torre do
Tombo. Que acceitara ser membro da Academia, na intenção de lhe ser util,
trabalhando em assuntos que reclamavam uma frequencia livre
e assidua
no Archivo Nacional. Disse que o trabalho dos Monumentos Historicos(3)
estava já adiantado, e relatou o progresso, e o actual estado d'esta
importantissima publicação. Que não podendo entrar mais na Torre do
Tombo, não podia continuar no trabalho dos Monumentos, e que desde
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então, não podendo servir, como desejava, por se lhe tolherem os meios
indispensaveis de investigação e estudo, não
podia continuar a figurar na lista dos seus socios. Disse que para a
conclusão do trabalho que se achava pendente, se offerecia a continuar,
até que acabasse o que estava na imprensa. Pediu depois á Academia que
o substituisse na Presidencia pelo socio mais antigo dos que estivessem
presentes»(4)
Na sessão de 10 de Abri! do mesmo ano, «leu-se
um ofício em que o Sr.
Costa de Macedo participava à Academia que rezignava o seu logar de
socio effectivo e de Secretario Geral perpetuo».
Foi nomeada uma comissão «que fosse convidar o Sr. Herculano a vir
tomar de novo a presidencia da Academia»(pág. 10-11); mas tais esforços
nenhum resultado deram.
Finalmente, na sessão de 2 de Maio de 1856 foi presente, de ALEXANDRE HERCULANO, a
Carta à Academia das Ciências, que todos
podem ler no voI. II dos Opúsculos (pág. 151-166
da 4.ª edição). Nela historia o autor o deplorável conflito que o
levara à inabalável resolução de abandonar a Academia e os estudos
históricos.
Ninguém conseguiu demovê-lo da sua resolução, e de nada valeram as
diligências de admiradores. Dentro de pouco, Vale de Lobos recebia o
austero e desiludido historiador, que aí viria a falecer no dia 14 de
Setembro de 1877.
JOSÉ PEREIRA TAVARES
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