VAI
o Arquivo do Distrito de Aveiro inserir nas suas páginas a Acta da segunda eleição da Junta
Eleitoral da cidade de Aveiro, datada de 22 de Setembro de 1822.
Este documento manuscrito, de indiscutível autenticidade e cujo aspecto
denuncia a sua idade secular, acha-se
lavrado em três laudas, sem pautado, com as dimensões 31x21 cm.
Antes, porém, de se fazer a integral transcrição do vetusto papel,
permitido nos seja aqui deixar exaradas as seguintes palavras, que se
baseiam em afirmações de vários historiadores:
Como de todos sabido é, a Revolução que na cidade do Porto explodiu em
24 de Agosto de 1820 − repercussão do que em 1812 se passara em Espanha,
onde tinha sido adoptada uma Constituição muito liberal, depois abolida
por Fernando VII e restaurada em 1 de Janeiro de 1820 − foi entre nós
acolhida com entusiasmo.
Proclamada no reino vizinho a falada Constituição, o
propósito dos
conspiradores portugueses, já então numerosos, era estabelecer em
Portugal um regime igual ao de Espanha.
Em local algum do País se esboçara a menor resistência contra o
movimento de 24 de Agosto.
Os fins da Revolução tinham sido:
− Nomear-se uma Junta Provisória, que
governasse a Nação até o regresso de D. João VI e convocarem-se,
entretanto, as Cortes, cuja tarefa seria estudar e votar a Constituição
da Monarquia.
Com grande aplauso do Povo, e no edifício do Senado Portuense, elegeu-se
a Junta Governativa, que ficou composta dos coroneis António da Silveira
Pinto da Fonseca, presidente; Sebastião Valente Cabreira,
vice-presidente; e dos vogais Luís Pedro de Andrade Brederode, Pedro
Leite Pereira de Melo, Francisco Cirne de Sousa Madureira, Manuel
Fernandes Tomás, João da Cunha Soutomaior, José Maria Xavier de Araújo,
José Manuel de Castro Abreu, Roque Ribeiro de Abranches Castelo
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Branco, José Joaquim Ferreira de Moura, José Manuel Ferreira de Sousa
Castro e Francisco José de Barros Lima.
Foram nomeados secretários, com voto, José da Silva Carvalho, José
Ferreira Borges e Francisco Gomes da Silva.
A Regência, logo que, em Lisboa, teve conhecimento da
Revolução, ficou assombrada e furiosa, proclamando ao Povo,
proclamação essa onde declarava ilegal a convocação das Cortes,
ameaçando os revolucionários com tremendos castigos.
Os membros da Junta Governativa também ficaram surpreendidos e
aterrados com a proclamação.
Mas Silva Carvalho, espírito organizador e que dispunha dum alto
critério que lhe permitia remediar de pronto qualquer incidente
inesperado; Manuel Fernandes Tomás − o inspirador e a alma da Revolução
− e o coronel Sepúlveda, um dos seus directores, não se amedrontaram.
E por tal forma se houveram, que conseguiram arrastar os
tímidos, resolvendo todos, depois, que se seguisse para Lisboa.
Assim se fez, acompanhando a Junta à excepção de três de seus membros,
que ficaram no Porto, as tropas, repartidas em duas divisões, sob o
comando dos generais Gaspar Teixeira e Cabreira.
A Junta de Lisboa, saída do movimento ali realizado em 15 de Setembro,
secundando o de 24 de Agosto, era menos numerosa e democrática do que a
do Porto.
Era formada pelos membros do Governo Provisório, tendo
como suplementares: o barão de Molelos, Felipe Ferreira de Araújo e
Castro, Manuel Vicente Teixeira de Carvalho, Joaquim
Pedro Gomes de Oliveira, Bento Pereira de Carvalho, José Nunes da
Silveira, Luís Monteiro e Francisco de Lemos Bettencourt.
Triunfante a Revolução e resolvidos alguns atritos, que surgiram entre
as duas Juntas Governativas, fez a do norte a sua entrada em Lisboa, no
dia 4 de Outubro, entre as mais calorosas manifestações populares.
A Regência, por todos abandonada, eclipsou-se, sendo substituída por um
Governo Provisório de que ficaram fazendo parte os condes de Resende e
Penafiel; tenente-general Matias de Azevedo e Hermano Braamcamp Sobral.
As duas Juntas resolveram não fundir-se, mas igualar-se
em número, formando duas secções governativas deliberativas.
Nos Açores, Madeira, Índia, Moçambique e Angola rebentavam revoluções,
organizando-se Juntas Governativas, à maneira que ali iam sendo
conhecidos os movimentos de Lisboa e Porto.
O Governo Provisório começara os trabalhos da eleição da Assembleia
Nacional, que devia aprovar a nova Constituição Política.
Opinavam uns que as Cortes se convocassem segundo os usos e costumes;
outros, que se adoptassem os métodos e processos modernos.
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Prevaleceu esta última opinião, estabelecendo-se o sistema
de eleição indirecta em dois graus.
De passagem, diremos o que é eleição directa ou num grau
e
eleição indirecta ou em dois graus.
Na primeira, os eleitores escolhem imediatamente os seus
candidatos ou representantes; na segunda, escolhem, primeiramente,
como seus mandatários, outros eleitores e estes vão, depois, votar
ou escolher os representantes.
Entre nós, e em seguida às lutas liberais, o decreto de 12 de Junho
de 1834 estabeleceu a eleição indirecta, sistema que foi mantido pelos
decretos de 4 de Junho de 1836 e de 5 de Março de 1842, por Costa
Cabral.
Passos Manuel havia, em 8 de Outubro de 1836, estabelecido o sistema
directo, que foi adoptado pelo primeiro ministério regenerador presidido
pelo Duque de Saldanha, no decreto de 30 de Setembro de 1852.
Pelo sistema adoptado para a Constituinte de 1820:
− os eleitores da
paróquia escolhiam os eleitores da comarca e estes os deputados, devendo
Portugal dar cem; os Açores e Madeira, seis e o Brasil 70.
Dadas pelo Governo as respectivas instruções eleitorais, procedeu-se em
8 de Dezembro à eleição das primeiras Cortes Constituintes em Portugal e
Algarve.
Nesta Assembleia, tomou a presidência D. Frei Francisco
de S. Luís, arcebispo da Baía e, logo em seguida, foi nomeada a Regência, composta do Conde de Castelo-Melhor, D. Frei Francisco de
S. Luís, Silva Carvalho, Conde de Sampaio e Soutomaior.
Foram escolhidos para ministros:
− do Reino, Francisco de Sousa
Barradas, substituído por Joaquim Pedro Gomes de Oliveira; da Fazenda,
Francisco Duarte Coelho; dos Estrangeiros, Anselmo Braamcamp; da Guerra,
António Teixeira Rebelo e da Marinha, Francisco Maximiano de Sousa.
Apresentado o projecto de Constituição, requeria-se, dum lado do
Congresso, que efectuava as suas sessões no Paço das Necessidades, a
existência de duas câmaras electivas.
Pugnavam por esta ideia José Xavier de Araújo, Trigoso e Pereira da
Silva.
Do outro lado, onde estavam Fernandes
Tomás, Ferreira Borges, Ferreira
de Moura e Borges Carneiro, defendia-se a adopção duma câmara única,
indissolúvel e inadiável, o que foi votado por 59 votos contra 26.
Esta câmara deixou de existir desde 1828-1833, período do sistema
absoluto implantado em Portugal por D. Miguel. Voltou, porém, a
funcionar, com o advento do Constitucionalismo, no reinado de D. Maria
II.
Em 28 de Setembro de 1821, promulgou-se a nova Constituição, que se
compunha de 6 títulos e 240 artigos.
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Caiu no ano de 1823, em consequência da reacção absolutista.
Em Novembro de 1822, faleceu Manuel Fernandes
Tomás,
que tinha nascido na Figueira da Foz, em 1771, e aí por 1805
exercera o cargo de superintendente das alfândegas de Aveiro.
Fernandes Tomás, bacharel em Cânones, em todos os tempos se afirmara um
espírito liberal e como patriota ardente
o seu nome ilustrou nas mais decididas pugnas em prol da Liberdade.
A Revolução, nas suas mãos, diz um escritor, poderia seguir muitas vezes
um caminho perigoso, mas tinha sempre uma
direcção certa e lógica.
Depois da sua morte, deixou-se assoberbar pelos mais
encontrados impulsos e perdeu-se.
Manuel António Coelho da Rocha, que aparece votado na acta de 22 de
Setembro de 1822, era lente da Universidade,
jurisconsulto consagrado e homem de grande saber.
Nascera em S. Miguel de Mato, comarca de Vila da Feira,
em 1753.
Joaquim José de Queirós votado com 337 listas, era natural das Quintãs. Tomou parte activa nas lutas liberais e foi
quem, na manhã de 16 de Maio de 1828, levantou o grito de revolta em
prol da Carta Constitucional, na Praça do Comércio,
em Aveiro, fazendo assim com que esta cidade fosse a primeira
onde rebentou o grito de guerra contra o absolutismo.
Manuel Nunes Chocha do Couto, juiz do crime no Porto,
votado com 83 votos, era de Ílhavo.
Manuel da Rocha Couto, opositor em cânones, eleito afinal
com pluralidade absoluta de votos na Junta de divisão eleitoral
da cidade, para votar os sete deputados na Junta de Cabeça de
toda a Divisão Eleitoral, também era de Ílhavo.
O que foram estas cortes pode ver-se muito desenvolvidamente na
História de Portugal, de PINHEIRO CHAGAS; na História
de Portugal, por um grupo de homens de letras, e na História
da Revolução de 1820, por JOSÉ DE ARRIAGA.
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CÓPIA DA ACTA DA SEGUNDA ELEIÇÃO DA
JUNTA ELEITORAL DA CIDADE DE AVEIRO
Aos vinte e dois dias do mez de
Setembro do anno de mil oito centos
e vinte e dons, na Igreja de São Miguel desta Cidade d'Aveiro, aonde se
achava reunida a Assemblea Eleitoral, composta das quatro Freguezias da
mesma Cidade, e do Logar da Taipa, freguezia de Requeixo, e Termo
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da dita Cidade, á hora determinada: faltando os dous Substitutos Antonio
José Gravito da Veiga e Lima, e José Barreto Ferraz de Vasconcellos, propôs o Prezidente, de accôrdo com o Reverendo Parocho, para fazerem as
suas vezes, ao Capitão de Fragata Joaquim Antonio Rodrigues Galhardo, e
ao Capitão do decimo Batalhão de Caçadores estacionado na dita Cidade,
Antonio de Souza Cirne; os quaes forão unanimemente approvados pela
Assemblea; e passárão a tomar os seus Lugares.
Immediatamente o Presidente e mais Mezarios lançarão na Urna as
suas Listas, e na mesma forão lançadas as de todos os Cidadãos, que se
achavão prezentes, depois de descarregadas no respectivo Livro da
matricula. E não havendo mais quem votasse, o Presidente mandou contar
as Listas, que se achárão sette centos e vinte e cinco; e sendo extrahidas
pelos Escrutinadores, huma a huma, rezultarão as duas relaçoens dos
votados, com o número dos votos, que abaixo se seguem; as quaes forão
vereficadas pelos Escrutinadores e Secretarios, e se achárão conformes,
e dellas consta a seguinte eleição = Antonio Camello Fortes de Pina,
Deputado em Côrtes, com oito centos e oito votos = Antonio Joaquim de
São Tiago Pires Monteiro, Bacharel, com trezentos e trinta e dous votos
= Antonio José Ferreira, Juiz de Fora de Moncorvo, com trezentos e cincoenta e quatro votos = Domingos José de Sá Pinto, Juiz dos orfãos da
Bemposta, com cento e vinte seis votos = Francisco Manuel Trigoso
d'Aragão Morato, Deputado em Côrtes, com cento e cincoenta e trez votos
= Heleodoro Jacinto d'Araujo Carneiro, Doutor em Medicina, com cento e
onze votos = João Licio Barboza da Fonseca Freire, com trezentos e nove
votos = João da Silva Carvalho, Oppositor, com quatro centos e desaseis
votos = Joaquim Gabriel Soares da Graça, Bacharel, com vinte e nove
votos = Joaquim José de Queiroz, Dezembargador da Bahia, com trezentos e
trinta e sette votos = Joaquim de Seixas Diniz, Lente da Universidade,
com sessenta e sette votos = José Joaquim Ferreira de Moura, Deputado em
Côrtes, com duzentos e oitenta e sette votos = José Liberato Freire de
Carvalho, Redactor do Campeão Portuguez, com quinhentos e quatorze votos
= José
Vaz Corrêa de Seabra, Deputado em Côrtes, com noventa e seis votos =
Manuel António Coelho da Rocha, Oppositor, com oitenta e nove votos =
Manuel Dias de Souza, Prior de Villa Nova de Monsarros, com quatro
centos e sessenta e cinco votos = Manuel Fernandes Thomaz, Deputado em
Côrtes, com trezentos e onze votos = Manuel Gomes Quaresma de Sequeira,
Corregedor da Madeira, com quatro centos e tres votos = Manuel Nunes
Chocha do Couto, Juiz do Crime do Porto, com oitenta e tres votos =
Patricio Luiz Ferreira Tavares Pereira da Silva, Bacharel, com seis
votos.
A qual eleição se fez assim sobre os vinte e hum votados, por ter sahido
eleito na Junta de Divisão Eleitoral desta Cidade, com pluralidade
absoluta, Manuel da Rocha Couto, Oppositor em Canones.
E todos os Cidadãos que formam esta Assemblea Eleitoral, outorgárão aos
sette deputados, que em rezultado dos votos de toda a divisão eleitoral,
sahirem eleitos na Junta da Cabeça della, a todos, e a cada hum em
solido, amplos poderes para que, reunidos em Côrtes com os das outras
Divisoens de toda a Monarquia Portugueza, possão, como reprezentantes da
Nação, fazer tudo o que fôr conducente ao bem geral della, e cumprir
suas funcçoens na conformidade, e dentro dos limites, que a Constituição
prescreve, sem que possão de rogar, nem alterar nenhum dos seus artigos:
e que elles Outorgantes se obrigão a cumprir, e ter por valido tudo o
que os ditos Deputados assim fizerem, em conformidade da mesma
Constituição.
E por esta forma se houve por feita e acabada esta segunda eleição, de
que se lavrou a prezente Acta, para ser guardada no Archivo da Camara
com as duas relaçoens; e della se mandou tirar cópia, para ser
apprezentada na Junta, que se ha de reunir na Caza da Camara, pelos dous
Mezarios nomeados Luiz Gomes de Carvalho, e Carlos Can!ozo Moniz de
Castello Branco Bacellar.
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E eu Joaquim Antonio Rodrigues Galhardo, Mezário Supplente, que
esta
copiei da Acta original, e que todos os mais Mezarios commigo
assinârão.
O veriador Presidente
Bernardo Barreto Feyo
O Prior Antonio Dias Ladeira de Castro
O Escrutinador Manuel Xavier de Souza
O Escrutinador Luiz Gomes de
Carvalho
O Secretario Francisco Ign.io Dom.e Ferr.ª de Mend.ça
O Secretario
supplente Joaquim Antonio Roiz Galhardo.
ANDRÉ DOS REIS |