Acesso à hierarquia superior.

Pocinho – um outro futuro é possível

Clicar para ampliar.

Quando cheguei ao extremo norte do distrito da Guarda deparei-me com o espectáculo de degradação da linha do Douro e quase fiquei a acreditar que aqui começava o fim da Pátria Portuguesa. Tirei fotografias para documentar esta catástrofe, pois muitas eram as casas que testemunhavam o abandono a que foram votadas. Ironicamente, havia um aviso que mandava ter atenção aos comboios; e não os havia. Mas, pouco depois, fiquei a saber que havia cinco comboios diários, entre regionais e inter-regionais, do e para o Porto. Havia casas em adiantado estado de degradação, mas outras mostravam sinais de estarem habitadas. Infelizmente, eram poucas. Os habitantes eram também poucos e as placas escassas para me guiarem no passeio que fiz. Por isso, foi só por mero acaso que encontrei o porto fluvial com alguns automóveis estacionados a denunciarem o seu uso diário.

Na estação, o relógio não marcava as horas certas. Quando perguntei porquê, fiquei a saber que alguém que sabia o seu valor levou o seu maquinismo interno num dia de Natal. Infelizmente, desde esse dia, nunca mais teve conserto, embora um relojoeiro venha aqui frequentemente. Mais adiante, algumas máquinas e carruagens apodrecem sem que ninguém pense em as resguardar da intempérie através da sua musealização. Noutra linha aqui perto, a do Tua, também um amigo do alheio se dedicou ao arranque dos carris e dos pregos que o seguravam às travessas de madeira. Quem o fez saiu feliz há pouco tempo da prisão, mostrando como o sistema judicial não funciona mesmo. Foi o que um sociólogo não conseguiu explicar aos homens da Troika do FMI. Talvez fosse por isso que nos emprestaram mais uns milhões. Ironizo. Receia-se agora que o mesmo aconteça entre o Pocinho e Barca de Alva, empobrecendo ainda mais esta beira trasmontana.

Uma jovem explora o bar da estação que abre quando prevê que haja passageiros que o justifiquem. Tenta nele vender também os produtos que ela e o marido extraem da terra. Conta-me que antes havia duas mercearias. Uma fechou há muito, talvez quinze anos. Outra, propriedade de um casal, fechou há pouco mais de quatro anos, após a morte do proprietário e a viúva ter decidido dedicar-se ao amanho das suas propriedades agrícolas. Ficou assim o Pocinho sem este comércio, tendo quem precisa dele de ir a Vila Nova de Foz Côa ou a Moncorvo. Para almoçar, há dois restaurantes; e aí vive-se um tempo desanimado. Perto deles há muito fechou o Café Novo. Existem táxis que servem os passageiros do comboio e também semáforos que impedem acidentes na estrada que liga a estação a Foz Côa e Moncorvo.

Daqui partia também a linha do Sabor. É visível o estado de degradação a que chegou a ponte que ligava o Pocinho ao outro lado do Douro e depois a Duas Igrejas.

Pocinho - Clicar para ampliar.

Tudo parece agora terminar no Pocinho e separá-lo de Trás-os-Montes e da Espanha. Excepção parece ser a construção que se faz da A23, que nos faz chegar devagar até aqui. É evidente que o Pocinho e toda esta região não podem viver isolados do resto do mundo e da Espanha que, estando aqui tão perto, está longínqua.

Por tudo isto, não posso ser indiferente à luta que beirões e transmontanos travam desde há muito contra o seu isolamento. Não sou indiferente também aos movimentos recentes como os de 23 de Abril de 2011, cujos apoiantes, reunidos na Estação do Côa, aprovaram uma moção de apoio à reabertura da linha férrea entre as estações do Pocinho e Barca de Alva. Irmano-me também com a Associação de Fronteira Tod@via, que une espanhóis e portugueses na luta pela recuperação do troço ferroviário entre La Fuente de San Esteban – Barca d' Alva.

De facto, se fossem recuperados os dois troços, refazia-se a acessibilidade que os governantes do Século XIX concretizaram, mas que, infelizmente, os do século XX destruíram por má compreensão do que estava em jogo. Foi o que junto à emigração em massa, que atingiu o interior na segunda metade do século XX, impede agora o desenvolvimento do norte do distrito da Guarda. É o que não pode continuar.

 
Página anterior Página inicial Página seguinte