O Alentejo tem
cromeleques, o Alentejo tem antas, o Alentejo tem menires, o Alentejo
tem o vaso campaniforme. A cada dia que passa são encontrados mais
vestígios de povoados remotos. Tem, até, grutas habitadas há mais de 50
mil anos... O Alentejo é muito antigo.
O Dilúvio é muito mais
moderno; no entanto as suas águas nunca o alagaram. Mas, as lendas mais
antigas a que podemos aceder falam-nos da chegada de sobreviventes desse
cataclismo. A Bíblia data o Dilúvio de cerca de 5000 a. C., mas a
ciência coloca a hipótese de ele corresponder ao final da última
glaciação, cerca de 16 000 a. C.
Na divisão territorial
pós-diluviana, calhou a Túbal — filho de Jápeto e neto de Noé — vir
navegando pelo Mediterrâneo até ao Atlântico, com as suas gentes, os
Tubales, como lhes chamaram, com a finalidade de repovoar esta parte da
Terra. Hoje é sabido que a faixa costeira da Península Ibérica nunca
deixou de ser habitada desde as mais primitivas espécies humanas, mas
lenda é lenda. Assim, Túbal desembarcou num local aprazível, na foz de
um grade rio, dando origem à primeira povoação peninsular depois do
Dilúvio: Cet Túbal, «acampamento de Túbal», isto é, Setúbal.
Esses Tubales,
internaram-se no Alentejo, e passaram a ser conhecidos como Galos, que,
ao que parece, na linguagem da época significava «os alagados» ou
«salvos das águas». Em breve, segundo alguns, toda a região tomou o nome
de Gália, embora outros a designem por Tubália. Mais tarde, houve quem
lhes chamasse Túrdulos Antigos e os venerasse como sábios. Deles se
dizia que possuíam riquíssima literatura, história e direito, em verso.
A sua forma escrita terá resistido até ao advento dos Romanos, que tudo
destruíram.
Mas a lenda pós-diluviana
não fica por aqui: um primo, um irmão ou um familiar de Túbal, chamado
Elbur, nessa ida pelo Alentejo adiante, terá fundado a cidade de Évora.
Ora, Elbur era
hermafrodita. Assim, como homem casou e teve uma filha, à qual chamou
Évora. Morrendo-lhe a mulher, tomou ele a forma feminina e, chamando-se
então Elbura, voltou a casar. Ao dar à luz um filho, que nomeou
Evorinho, morreu.
Évora e Evorinho
cresceram na torre que Elbur/Elbura construíra, e que ainda lá está.
Começaram a governar a cidade em conjunto, mas cada uma das facções que
apoiava um e o outro desejava o poder exclusivo. Assim, os dois irmãos
acabaram por se zangar e separar. Ora, um dia, Evorinho propôs a paz à
irmã, aconselhado pelos seus sectários que o
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induziram a uma traição. Montou-se um grande banquete para celebrar as
pazes, na torre de Elbur/Elbura, banquete esse em que estavam presentes
todos os habitantes da cidade. A certa altura, Evorinho atraiu a irmã ao
alto da torre, a pretexto de recordar os pais, mas com a finalidade de a
matar, empurrando-a cá para baixo. Évora, apercebendo-se da intenção do
irmão, no momento em que ele ia empurrá-la, resistiu, lutou e...
acabaram por cair, morrendo agarrados um ao outro. São as suas cabeças
que as armas da cidade perpetuam.
Esta lenda da fundação de
Évora é singular no conjunto lendário português, por ser a única
história até agora encontrada com um ser hermafrodita. É provável que
este fundo lendário demonstre a junção de dois povos diferentes na
região de Évora.
Mas, as antiquíssimas
lendas de fundação, referentes ao Alentejo, não se ficam por aqui.
Muitas são as histórias que referem a saída de gente desta região, para
fundar cidades e nações. Uma delas, a da mulher, Roma, que fundou a
cidade do mesmo nome; outra, a de Tera, filha do rei da Grande Planície,
que foi fundar Tara, na Irlanda.
Mais moderna, e vinda
directamente de Inglaterra, chega-nos a história da fundação de York.
Conta a lenda que, quando os Romanos aqui chegaram, uma parte da
população de Évora recusou-se a aceitar o jugo do intruso. Assim, meteu
pés ao caminho e, depois de muito andar, instalou-se numa zona do Sul de
Inglaterra, fundando uma localidade à qual deu o nome da sua pátria
longínqua: Eboracum. Com o tempo, a palavra foi evoluindo e
transformou-se na actual York, passando a designar também toda a região
envolvente. Chamava-se Ebraucus o primeiro rei de York. Acrescenta a
lenda que construiu um templo a Diana, onde foi sepultado.
Este nome de Diana é,
como se sabe, o que foi dado pelos Romanos à velha deusa-mãe peninsular,
Ana, que acaba por passar à história, ironicamente, com a designação que
lhe foi dada pelos Invasores.
Estas são as lendas!
Mas, a verdade é que as
novas teorias, baseadas nas investigações linguísticas, arqueológicas e
genéticas, vieram dar-lhes razão, afirmando inclusivamente, que este é,
afinal, o primitivo povo celta, que nunca para cá veio pela simples
razão de que já cá estava há milhares de anos, atravessando o período do
megalitismo e o tempo do vaso campaniforme. Dizem os especialistas que
os Celtas se deslocaram de Ocidente para Oriente e não o contrário. E,
ainda, que levaram daqui a língua, os seus objectos do quotidiano e o
seu ADN.
Um dia destes contamos o
resto.
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