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Artes - Letras - Ciências
Suplemento do n.º 254 do "Litoral"
Setembro de 1959, Ano I, n.º 1
págs. 12 e 13


pinto da costa


a cor impossível

O verde-longe dos teus gestos claros,
Caindo em roxo-névoa na distância.
E a sensação de ter perto o azul sereno
Que embranquece de ouro os teus cabelos.
O cinzento-poalha das cidades,
Com que te vestes negra de brancura.
E o amarelo-sem-fim dos dias pardos,
Com que cobres à noite os rubros sonhos,
— Dão por momentos a cor impossível,

Amarfanhada de leve nos teus ombros!...

 

mosca verde

Reparo nela, nessa mosca verde
que dá à noite branca esta magia
e põe no lago azul que além se perde
o tom quase amarelo da poesia...

Reparo nela — mosca renascida,
com um vago desenho em cada asa
e não sei que estranha cor indefinida
penetra as coisas com atroz requinte,
quando a mosca verde se dissolve e casa

com a branca-aurora da manhã seguinte!...


      solução 

        Canto a beleza das Cousas
        Na sua forma de Origem;
        Canto a existência do ser
        A eternizar-se no Ser;
        Canto a corrente do Rio
        Da nossa sede de Amar;
        Canto o silêncio da morte
        Que é só Silêncio, mais nada;
        Canto o céu no que impressiona
        Os meus sentidos pagãos;
        Canto o infinito da fome
        Da vertigem do Infinito;
        Canto o meu eu sem paisagem
        Além daquela que eu tenho...,

        Que o Canto, que verte sangue
        Desta boca esfomeada
        Do que não há, mas existe
        Somente em sede insofrida,
        É o grito do fatalismo
               
      Pedro Zargo, MCMXXXV

 

 
    pecado originaI 

 

     Vida:
              Pequei por não te ter amado?
     (Mas a Vida também me não amou!...)
     — Ó pecador! Qual foi o teu pecado,
              Se a Vida é que pecou?!

                             Pedro Zargo

 

               esboço  

     Sou torturado desenho
     De vaga forma esboçada,
     Como aquele inútil nada
     Em que, indiferente, me tenho!

                      Pedro Zargo


página 13


Desenho de Gaspar Albino

maternidade

 

Meus versos, Mãe!, eu sei que nos
                                                   [ consomem

E a minha Dor nos faz chorar também,

A Mim, — que já me canso de ser homem!;

E a Ti, — que te não cansas de ser Mãe!

                     

            Pedro Zargo


fim de um monstro

NO espelho dos dias imundos
reconhece a tua face verdadeira...
olha nos teus olhos a fria cinza de tudo
que as tuas mãos tocaram
das flores, dos frutos, da terra,
do amor, da amizade,
da esperança,
das próprias palavras.

 

Apalpa nas tuas mãos o gesto do horror
que esmaga, que tortura e mata.
Sente no teu hálito a peste que respiras,
na tua boca o sabor apodrecido
de tudo o que é humano e tem grandeza,
realidade ou sonho,
alegria, tristeza, dor sentida,
entusiasmo, luta.

Em tudo o que nega o homem e a vida
reconhece a tua face verdadeira...

e vendo o que és na pura imagem do que
                                                      [ somos

morre como um cão raivoso
da própria peçonha.

Joaquim Namorado

 

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