QUE ANDAM NAS VIDAS DAS
GENTES SIMPLES
DA REGIÃO DE VOUGA, COMO JÁ
ANDARAM
NAS DOS SEUS AVÓS
(do livro a publicar
Nossa Terra e Nossa Gente)
CREDO,
t'esconjuro! Abrenúncio! Em nome do Padre e do Filho e do Espírito
Santo; avé-Maria e salvé-Rainha.
MENINO «TOCADO»
Menino ou menina, já se vê.
Quando as mulheres andam grávidas, se alguém lhes
toca com intenção de mal fazer, logo a mulher tocada, se
disso tiver pressentimento, deve devolver o toque a quem
lhe tocou, com uma forte pancada, dizendo a acompanhar: − «eu te
devolvo, alma danada, toque de mau agouro».
Mas se a mulher grávida ignora esse segredo do mal ou se, tendo dele
conhecimento, não devolver o toque, o recém-nascido fica sempre
«acanhadinho», enfezadinho, sem crescer... Então, não há dúvida, é «menino tocado».
Que faz a mãe?
Leva o seu menino e vai procurar certa mulher de virtude
que já destocou outros meninos.
Entram as duas mulheres e a criança
tocada para um quarto e ali se
fecham por dentro, a meia luz. A mãe com o filho ao colo e nuzinho; e a
mulher de virtude com um
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crucifixo pequeno na mão esquerda, e, na direita, um raminho
de murta, arruda e alecrim.
Benze que benze o menino, e a acompanhar umas palavrinhas que muito
podem:
«Mão que tocaste este menino e o deixaste acanhadinho, desacanha-o,
inimigo malfeitor, que assim o quer Nosso Senhor, e a Virgem Maria, e
todos os santos da corte do céu.»
Diz-se isto três vezes. E depois de outras palavras idênticas, sempre a benzer, com o raminho na mão direita e o crucifixo na
esquerda, as duas mulheres ajoelham e rezam três avé-marias, três
padre-nossos e três salvé-rainhas.
A seguir, a mulher que benzeu queima o raminho, junta as cinzas e, com a
mãe e o menino, dirigem-se para onde haja água corrente. E de costas
viradas para onde corre a água, a mulher de virtude atira as cinzas para
a corrente, dizendo:
«Quem te tocou que te destaque,
quem te acanhou que te desacanhe,
porco sujo, dianho mau,
deixa este menino em paz
que a mão que lhe tocou foi a mão
de Satanaz.»
«Bicho sujo, t'esconjuro
p'rá água te afogar.
Vai p'ra longe, porco sujo,
p'ra onde a água te levar.
Daí em diante o menino principia a crescer e a «lograr» saúde que até
dá gosto vê-lo, louvado seja Deus e a Virgem Santíssima.
*
Às vezes, durante os trabalhos da lavoura, alguns homens trazem a
fralda da camisa por fora das calças... É por causa das bruxas e dos
maus olhados. Já também assim procediam os seus pais e avós.
*
Depois de uma mulher destes sítios ter tido a sua boa horinha, e
enquanto a criança recém-nascida não é baptizada, sempre, de noite, no
quarto onde dorme a criança, não pode deixar de haver uma luz acesa. E
só se deixa de acender
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depois de ter sido baptizada, porque senão os «estafermos das bruxas»
vêm e chupam todo o sangue do inocentinho, credo! Esta velha crendice
vem de séculos atrás, talvez tão antiga como a ignorância. Mas isto não
quer dizer que não haja muitas excepções à regra, mesmo nas localidades
rurais.
*
− E então o que aconteceu ao Manel do Coito! Aquilo
é que foi! Até é de se arripiarem os cabelos a uma pessoa!...
Pois é!: − Vinha o pobre rapaz da noitada da Senhora das Febres, muito
descansadinho da sua vida, noite alta... quando de repente lhe aparecem
numa encruzilhada, perto dum pinhal, dois leitões a pular diante dele e
dois homens que tinham a forma de grandes lobos.
Abrenúncio! Abrenúncio!...
Não, que nem se sabe como o pobre do Manel não ficou
p'rá-li morto de susto, tranzidinho de todo... Uma coisa daquelas! Uma
avantesma assim!...
Pois não senhores! Até custa
a acreditar!...
Levantou o cajado no ar e quando ia para descarregar
nos leitões, estes pareciam cabritos a pular e principiam a ladrar como
cães. E logo os homens-lobos desapareceram e os leitões deitam a fugir,
a fugir, aos pulos... sempre a ladrar e a pular, e uma luzinha a
segui-los, a segui-los...
Depois quando a luzinha chegou àquelas «alminhas» que estão à entrada da
povoação, ouviu-se um grande estouro e a luz desapareceu!
− «Não, que ele há coisas, há, digam lá o que disserem» resmungavam, tolhidinhas de todo, a ti Filomena e a ti Engrácia, quando lhes contaram
aquilo.
Eram, não há dúvida! bruxas e lobisomens.
*
AS SEMENTES DA SORTE
Na noite de S. João, quem procurar por cômaros ou à beira de vaIados uma
espécie de feto que seca no inverno e reverdece na primavera, talvez não
perca o seu tempo − assim diz a crendice popular − porque, se calhar,
grandes benefícios pode conseguir. É o caso que a referida planta,
depois de reverdecer, dá umas sementes. E quem, em noite de S. João, à
meia noite, se avizinhar dessa planta para colher as sementes, lá vê
aparecer também um vulto negro com olhos de gato, à semelhança de um
lobisomem, mas que deve ser o Diabo.
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Então, o Senhor dos Infernos, com imensa calma e respeitável superioridade, assim diz na sua voz de tragédia, a
ecoar dentro da noite:
− «Ou levas tu ou levo eu» − (refere-se às sementes da
tal planta).
Ora, se a pessoa que vai para colher as sementes tiver
medo do Diabo, deita a correr e vai-se embora espavorido.
Mas se não recear o diabólico Senhor, põe as mãos às sementes e colhe-as, gritando na mesma ocasião:
− «T'esconjuro, porco sujo! Em nome do Padre e do
Filho e do Espírito Santo; avé-Maria e salvé-Rainha.»
Neste caso, é o tal vulto negro com olhar de gato que
deita a fugir. E então, sim, a pessoa que colheu as sementes será para
sempre ditosa e tudo conseguirá: mulheres prendadas, amores fáceis e difíceis, sorte ao jogo, amigos, boa disposição... tudo, enfim! Mas enquanto trouxer consigo
as tais sementes; porque se as perder... adeus, minhas encomendas!
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Como é sabido, a imaginação dos simples dos meios
rurais vê, com facilidade, a horas mortas da noite, bruxas,
lobisomens e almas penadas, a vaguear como duendes.
E quando não vê, ouve contar e acredita, com arrepios de
medo, que é assim a alma crendeira do povo.
*
Cão a uivar!... Mau, mau, p'ra longe vá o agouro.
*
Galo a cantar de noite fora de horas!... Ai, credo, não
é coisa boa, isso não.
*
Azeite derramado, espelho quebrado, prato ou copo partidos!... Grande desgosto está p'ra vir.
É um aviso. Que
se benza logo a quem isso aconteceu.
*
A porca dos leitõezinhos está doente e não lhe entra
nada na boca há três dias? O bezerro da vaca turina não quer mamar? O vinho estragou-se sem haver trovoadas?
Morreram quatro pintos, já grandinhos, daquela ninhada de
/
90 / Janeiro? Deu uma coisa à Rosa da ti Rita e aquela alminha do Senhor não
dá acordo de si?
«Tudo desgraças, abrenúncio, t'arrenego, dianho mau!»
É a casa que está enguiçada. São invejas e maus olhados;
manda-se benzer. E com um raminho de alecrim, murta e arruda, cosida a
boca de um sapo com as orelhas de um morcego, juntando-se-lhe alguns
fios de cabelo de defunto viúvo que morresse de morte natural, e depois
umas palavrinhas que certa mulher (a bruxa) sabe dizer, com uns
padre-nossos e umas avé-marias, tudo murmurado em grande mistério pelos
cantos da casa... logo a porca fica boa, o bezerro já mama bem, não
morrem mais os pintos, a Rosa da ti-Rita ficou sãzinha e escorreita e
tudo agora corre às mil
maravilhas, com a graça de Deus e da Virgem Maria.
*
COMENTÁRIO DO MEU VIZINHO AMBRÓSIO
«Não se desmancham ninhos de andorinhas, que acontece
coisa má... Não se matam andorinhas, que é sinal de maus instintos,
«malvadeza», falta de sensibilidade... Mas mandam-se afogar gatinhos fechados dentro de um saco, no sítio
mais fundo do rio e ainda com uma pedra dentro do saco para os bichinhos
não terem probabilidade de escapar e morrerem asfixiados. E isto já são
bons instintos, já não é «malvadeza»! É muito coerente e justa a
sensível Humanidade... toda a Humanidade!...»
− E o meu vizinho Ambrósio revoltava-se e atirava um palavrão que ia
direitinho à cara da Humanidade. Mas não era por mal.
*
PARA NÃO ACONTECER MAL AO PORCO
Por esta região há uma remota superstição entre muita
gente, que consiste nisto:
Quando compram na feira um porco ou porca e quando o bicho chega a casa,
ao meterem-no no curral pela primeira vez, fazem, não sem dificuldade,
com que o bicho entre a recuar, isto é, a cabeça do porco entra por
último.
Feito isto, pode-se dormir tranquilo, porque nem mais são necessários os
«responsos» a Santo António, de grande utilidade em casos graves de
porcos ou de porcas. E está averiguado, diz a sabedoria do povo.
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91 /
*
MENINO SEM FALA
Quando assim é ou quando a criança
está «atrazadinha»
na fala, as mães fazem o seguinte:
Agarram o seu menino e vão com ele a uma procissão onde vá o andor de
S. Luís, o que foi rei de França. E passando com o menino por baixo do
andor, três vezes a seguir, não esquecendo de bater com a moleirinha do
pequerrucho no fundo do andar, dizem, em súplica, algumas vezes, isto:
«Meu São Luís rei de França
Dai fala a esta criança.»
E a criança se não falar é porque é muda. E disso não, tem culpa o real
santo.
*
AO DAR DO MEIO DIA
Em certas localidades da região, ao dar do meio dia, mães que tenham os
filhos pequenos ao colo ou perto de si, rezam-lhe aos ouvidos, num
desejo de boa sorte:
«Meu menino, Deus te reparta bem por esse
mundo além.»
*
PARA CURAR TERÇOL
Pessoa que tenha um terçol, para o fazer desaparecer, deve passar por
casa de uma mulher grávida e bater-lhe três pancadinhas na porta...
Assim diz a superstição das gentes.
*
MENINO «RENDIDO»
Coitadinho! Parece que nasceu assim. Mas, em noite de S. João,
precisamente à meia noite, procura-se pequena árvore de carvalho (ainda
pouco desenvolvida) e racha-se ao meio a referida árvore, de alto a
baixo. Depois arranjam-se um rapaz e uma rapariga com os nomes de João
e Maria, e o João coloca-se de um lado da árvore rachada e a Maria do
lado oposto. E das mãos do João para as de Maria, e assim várias vezes
das mãos de um para as do outro,
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passam o menino «rendido» por entre as duas metades do carvalhinho
rachado, dizendo:
− (Toma lá, Maria».
− « Que me dás, João?»
− «Dou-te um menino doente
E tu hás-de mo dar são.»
*
TALHAR A ERISIPELA
Chamusca-se alho e ferve-se com azeite. Besunta-se, com isso, o sítio do corpo atacado. Depois, entra em cena a benzedura,
bem feitinha, fazendo cruzes com uma faca sobre o sítio molestado,
sempre a benzer, sempre a benzer... e lá se foi a erisipela.
Contudo, se a coisa é «erisipelão» não é mulher mas sim
um homem que
deve talhar aquilo. ... porque é «erisipelão»!
*
TALHAR O SOL
Há certas dorzinhas de cabeça que não são de quebranto,
mas sim efeitos do Sol. E neste caso, talha-se assim:
A pessoa que tem as dores senta-se numa cadeira, à hora do meio dia,
voltada para o Sol e de maneira a que lhe bata na cabeça.
Depois enche-se um copo com água, coloca-se sobre o copo um guardanapo
dobrado em quatro e, a seguir, virando-se o copo com a boca para baixo,
ficando assim a água sobre o guardanapo, põe-se isso sobre a cabeça do
doente.
Benze que benze, reza que
reza, a água principia a mexer e a fervilhar e foram-se as dores de
cabeça. Foi um ar que lhe deu!...
*
ESPINHELA CAÍDA
Um processo de tratamento: Senta-se
o doente numa cadeira, e a pessoa que entende daquilo coloca-se diante
do enfermo,
abre-lhe os braços esticando-os muito e assim esticados segura com as suas as mãos do doente. E dessa maneira vai,
lentamente, levantando os braços do doente até as mãos se juntarem ao
alto da cabeça. E se, juntas as mãos, um
dos braços do padecente estiver mais curto, não pode haver dúvida: «É
doente de espinhela caída». Então, para endireitar
/
93 / a espinhela o «sabedor» ou «sabedora» do tratamento daquilo estica
tantas vezes os braços do doente, abaixo e acima, quantas as vezes
necessárias para que os braços fiquem do mesmo tamanho. E assim que
ficam, está a espinhela direitinha.
*
QUEBRANTO
Isto de «quebranto» quando é do mau, mesmo do mausinho...
diz-me
pessoa sabedora que dura dezoito dias e dezoito noites. É verdade! Dá
assim com umas dorzinhas de cabeça, fortezinhas, e a boca a abrir-se
muitas vezes. Mau olhado... invejas... já se vê!
Mas para se ter a certeza se a coisa é, de facto, «quebranto», faz-se
isto:
Enche-se uma tigela com água, arranjam-se umas brasas em fogo, e vai-se
pondo na água uma, e outra, e mais brasas. Se forem ao fundo, não é
quebranto, pode-se estar tranquilo; mas se não forem, então é, sim
senhores.
Neste caso, a mulherzinha que está com o «quebranto» (via de regra é
mulher, por várias razões), de cada vez que põe na água uma brasa, diz
com solenidade:
«Deus me gerou, Deus me criou,
Deus me tire este mal que no meu corpo entrou.
Jesus, Maria, José,
De onde este mal veio ele para lá torne »
Feito isto deve cuspir três vezes para o lado esquerdo
e dizer:
− «A Senhora do Quebranto me tire este quebranto».
E, logo a seguir,
rezar três padre-nossos, três avé-marias e três salvé-rainhas. E
pronto, foi-se a coisa má, arre com ela!
*
«SAPINHOS» NA BOCA DAS CRIANÇAS
Esta doença tratam-na, algumas destas gentes. metendo
na boca das crianças chaves de sacrários. Contudo, elucida-me culto
eclesiástico que talvez antigamente isso desse resultado, por serem,
habitualmente, as chaves de prata. Mas, hoje...
*
CARNE DE GATO PRETO
Gato preto, bem cozidinho, e a carne bem mastigadinha
e bem engolida pelo enfermo (às vezes até em doenças más),
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logo o dito enfermo fica curadinho. E quem não encontrar gato preto também pode servir, para remediar (mas já não é
remédio tão seguro) uma galinha preta, mesmo do vizinho...
*
TERRA DE SEPULTURA
«Cura também graves doenças»
− dizem certas mulheres de virtude − «e às vezes até a tuberculose» − afirmam ousadamente.
Como? Assim:
O doente, ao dar da meia noite, vai ao cemitério e traz,
de uma sepultura, um pouco de terra. Ao chegar a casa dissolve a terra
num pouco de água e bebe aquilo. «Fica bom», dizem as tais mulheres ousadamente; e o povinho
crê, piedosamente.
*
PARA CURAR MAUS OLHADOS
Uns fiozinhos da estola de um padre (fios de duas cores)
e o pó da raspagem de pedra ara (de altar), estas coisinhas
metidas e cosidas num saquinho e dependurado este ao pescoço... e todas as sextas-feiras de manhãzinha e em jejum
beber azeite de lâmpada de igreja com água benta e cinza de alecrim,
tudo misturado, não há mau olhado que resista. Abrenúncio! ... E está
provado.
*
POMBO NEGRO
Em certa doença muito grave diz-me pessoa douta nestes
assuntos que se busca um pombo negro e, mesmo com penas e tudo, abre-se o bichinho ao meio. Assim rachado ao meio
coloca-se sobre o peito do doente a carne quente do pombo
negro e liga-se com uma ligadura, para que fique bem unida ao peito da
pessoa doente, e então logo a referida pessoa fica
sãzinha do grave mal de que foi acometida, talvez por artes de mau
olhado. «Mas deve ser pombo (macho) e não pomba» − diz-me o douto
informador.
*
PÉ OU BRAÇO ABERTO
Ferve-se água num panêlo de barro preto e quando a água estiver a ferver vira-se o panêlo de boca para baixo
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dentro de uma escudela de madeira. E no fundo do panêlo, que está
voltado para cima, põe-se um punhado de sal, e em cima do sal coloca-se
o braço ou pé aberto, que deve, como é natural, estar inchado, dizendo
então:
«Eu te coso, pé aberto ou desmanchado
fio destorço ou escalvado,
Deus te ponha no teu estado
com o poder de Jesus Cristo e da Virgem
padre nosso e avé-maria.»
Repete-se isto três vezes e muito a sério. E se o pé ou braço inchado
estiver, de facto, «aberto», toda a água que estiver na escudela entra
outra vez no panêlo. Dizem-me que é garantido.
*
«UNHEIRO»
Unheiro, por algumas localidades da região, esclarece-me pessoa
entendida que é vista inflamada. Chama-se então a curandeira. Vem a
mulher, mastiga alho cru e atira o bafo para a vista que está inflamada
dizendo, na ocasião, uma reza especial muito complicada. Isto durante
nove dias seguidos e em jejum, para produzir efeito.
Contudo parece-me que aquilo da reza é para complicar e dar um cunho de
misticismo à cura, aproximando-a do Céu.
*
TALHAR O BICHO
O «bicho», neste caso, tanto pode ser uma espécie de brotoejas como
coisa pior, que adrega de aparecer no corpo das gentes e até dos outros
animais... aqueles a que, por graça, chamamos irracionais. Enfim, é uma
coisa má. Bicheza. E o que se faz então?
Benze-se, em jejum, durante três dias seguidos,
o sítio
do corpo atacado e dizem-se estas palavrinhas:
«Eu te talho, bicho bichão,
aranha aranhão,
bicho de toda a nação;
em louvor de S. Silvestre,
tudo quanto faço tudo preste.»
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Isto dito três vezes seguidas, durante três dias, em jejum,
sem faltar nenhuma palavrinha, e no final de cada três vezes rezar uma
ave-Maria e uma salve-Rainha.
Mas também há quem talhe o «bicho» da seguinte
maneira:
Diante da pessoa doente fazem-se nove montinhos de
sal, tendo cada montinho seis pedrinhas. Então a reza é
dita nove vezes e ao fim de cada reza atira-se ao doente um dos
montinhos com as seis pedrinhas de sal. E talhou-se a bicheza!
*
A RASPAGEM DO S. MAMEDE
Em certa igreja de uma freguesia da região de Vouga,
ali para o lado da serra, havia um S. Mamede de madeira e
de regular tamanho.
Ora, acontecia que as
mulheres da localidade e dos lugarejos da redondeza, quando estavam para «dar à
luz» iam à
igreja onde estava a imagem exposta no seu altar, abeiravam-se do santo como podiam e raspavam a madeira de que
a imagem era feita, guardando o pó raspado... porque,
assim procedendo e segundo velha crendice, os seus seios
teriam leite para amamentar os filhos.
S. Mamede... mama... amamentar
− deduziam elas,
que as suas avós já também assim deduziam. E porque em
virtude de tanto raspar a imagem já está acabando aos poucos, resolveu por bem o pároco esconder o santo, de contrário era uma vez um S. Mamede!
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O que sobre o assunto − mézinhas e benzeduras
− aqui
fica publicado, é só uma amostra, porque a tal respeito há
muita coisa mais, que daria para grosso volume.
Era assim, por tais processos, que as gentes de antanho
se tratavam. E é assim que ainda hoje, por todas as aldeias
de Portugal, com mézinhas e benzeduras idênticas, se tratam
muitos dos seus habitantes... louvado seja Nosso Senhor
Jesus Cristo.
Aveiro, Junho, 1951
LAUDELINO DE MIRANDA MELO |