No
n.º 59 deste Arquivo de Aveiro, a pág. 225, publicou
o Sr. Dr. M. RAMOS um pequeno artigo em que diz que eu, no meu artigo
«Lemos da Trofa», publicado
no n.º 56, cito nada menos de sete vezes o nome de Gomes Martins de Lemos
− pai e filho − chamando-Ihe apenas Martins Gomes. −
E que foi esta deturpação onomástica que
o fez apresentar o «leve e bem intencionado reparo». Acrescenta ainda:
«O Sr. Dr. BAPTISTA não justifica por que chama Martins Gomes aos
Senhores de Gois e da Trofa, nem transcreve qualquer documento donde tal
se verifique, e assim, até prova
em contrário, temos de declarar que não está certa a citação.»
Tratando-se, como se trata, de uma deturpação onomástica, não há que apresentar documentos, mas corrigi-la, que
foi o que fez o Sr. Dr. M. RAMOS. O documento para demonstrar que se
trata de simples inversão de nomes vem no meu artigo «A Capela dos Lemos»,
também publicado neste
Arquivo, no voI. XII. E a inscrição tumular de Gomes
Martins de Lemos, o moço, que também refere o nome do pai, Gomes Martins
de Lemos, o velho.
Agradeço ao Sr. Dr. M. RAMOS ter-se-me antecipado
nesta correcção necessária, que tencionava fazer em novo artigo sobre os
Lemos e bem assim a de Gonçalo Anes de
Sousa, que naquele meu artigo foi chamado da Nova.
Já agora aproveito a oportunidade para dizer mais duas palavras ao Sr.
Dr. M. RAMOS, que não tenho a honra de conhecer. Diz que Gomes é nome
próprio e Martins crê que
não. Gomes é nome próprio e também patronímico, e nestas duas funções
vem de muito longe com as suas formas Gomez − Gomise − Gomize − Gomice − Gumice (P. M H., Doc.
n.º CCCXLII−CCCXLVII−CCCLXXII−CCCLXVI−etc. do
século XI.
No documento DCCLXIV, de 1091, pode ler-se «Flamula Gomiz
− Flamula prolis Gomize)».
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Também Martins foi nome, embora raramente: «...D. Martins Gonçalves de Nomaes
casou com D. Mor Soares (P. M. H. − Scriptores − vol.
I, pago 179»; «...e o sobredito Martins Vasques Bornes teve dois filhos
e uma filha, o filho houve o nome Pero Botelho e casou com a filha de D.
Martins de Lisboa...» Liv. Velho das Linhagens, na Hist. Gen. da Casa
Real − vol. I (Provas) pág. 252».
Pareceu-me que o Sr. Dr. M. RAMOS gostaria que eu chamasse aos dois
Gomes Martins pai e filho, por seu nome completo, isto é, com o apelido
− Gomes Martins de Lemos. Também aos meus ouvidos estes nomes, assim
completos,
soam como de mais fidalguia. Todavia, no tempo em que viveram, não era
bem assim. Transcrevo para aqui o despacho de D. Afonso V, dando a Gomes
Martins de Lemos (filho) a terra de Jales.
«D. Afonso por grassa de Deus etc. a quem esta carta de confirmação e
verificação e aprovasão virem fazemos
saber que D. M.ª de Azevedo nos dice e certificou que o
M.to Virtuoso Principe de gloriosa memoria EI rei D. João meu Avô
querendo fazer grassa e M.ce a Lopo Dias de Azevedo seo Padre pellos m.tos extremados serviços que lhe fizera lhe
outorgou a terra de Jales com todos os direitos de juro e herdade para
ele e para todos os seus sucessores a ql doação e M.ce assim feita
querendo o d.º Lopo Dias casar esta dita sua filha com Goncalianes de
Souza lhe outorga por liç.ª expressa do d.to Snr. e do mais excelente e
mais virtuoso Principe El-rei meo Snr. e padre q D.ª haja a dita terra
de Jales, e em o contrato de casamento foi concedido que perecendo o d.º
Goncalianes de Souza sem filho
que á d.ª D. M.ª ficasse a dita terra até ella ser entregue de tres mil
dobras e foi assim que o d.º Goncalianes se ficou assim sem filho
ficando a dita terra por não serem
entregues as ditas dobras a ella como hoje, em dia não são que havendo
ella depois duas filhas de Álvaro de Meira com o qual foi casada e
casando hua dellas com Gomes Ferreira lhe deu o uso da dita terra em
casamento com tal preceito e condição que morrendo a dita filha sem
filhos
descendentes que a dita terra se tornava a ella. E prouve D.ª que a
dita filha se ficou sem descendente e herdeiros, por cuja morte do D.º
Gomes Ferreira por a d.ª D. M.ª ficar viuva e não haver qm bem
requeresse seus feitos a dita terra ficou em poder della algum pouco de
tempo e por morte sua entregou-a a Gomes Martins de Lemos a pedido do
d.º Snr. Rei meu Pai, ql esquecido desta doação feita a Goncalianes com
obrigação q a dita terra era obrigada por sua autoridade a ella D. M.ª
em as ditas tres mil
dobras lha outorgou não sendo valiosa esta doação nem outorgamento por
as razões sobreditas e hora a d.ª D. Maria
/
30 / dice q a ella aparecera com a grassa de Deus de encaminhar como D.
M.ª
sua filha donzella da Caza da Infanta D. lzabel, mulher do Infante
D. Pedro, meu tio casará com o d.º Gomes Martins querendo-lhe deixar a dita por
dote da d.ª sua filha com intenção e condição q falecendo ella sem herdeiros descendentes de entre ambos que a dita terra de Jales se tornasse a ella D.
M.ª sua Madre ficando-lhe depois desembargada e nos pediu q dessemos a ella sobredita
aquella nossa real autoridade e concentº e nos vendo o q nos a d.ª D.
M.ª assim requereu de nosso motu proprio e livre poderio sobretudo
havendo as doações q o d.º Snr. Rei meu Pai fez em prejuizo da p.ra
q
meu Avó tinha feito ao sobredito Lopo Dias emsembra com El-rei meu
Padre e isso em prejuizo da obrigação da dita terra
feita á d.ª D. M.ª as quais doações aqui havemos por suficientes e
expressas e a nós praz e outorgamos e damos q se o d.º Gomes Martins
prover de casar com a d.ª donzella e ella deixa a dita terra á d.ª sua
filha e possão haver de
juro e herdade elles e seus herdeiros tirando de nós toda posse e
propriedade empero queremos e outorgamos q se a d.ª donzella consumado
o matrimonio com o d.º Gomes Martins se morrer sem filhos ou
descendentes de entre ambos q a d.ª terra fique ao d.º Gomes Martins
em sua vida segundo é conteúdo na doação que lhe della fez o d.º Sr. meu
Padre. Em caso q se acertase os sobreditos haverem filhos ou filhas e
por morte da d.ª D. M.ª fiquem vivos
e depois em vida do d.º Gomes Martins se finarem q a d.ª
terra fique todavia ao d.º Gomes Martins em sua vida na
forma sozo dita isto mesmo acertando-se as que ficando aos ditos filhos
ainda q em ide viessem de casar (?) em vida do d.º Gomes Martins a
terra a elles não possa passar antes todavia e por qualquer guiza q
seja a elle fique em toda a sua vida pelas maneiras e guizas suzo
declaradas e falecendo elle por morte torna-se a sobredita terra á D.ª
M.ª sua Madre e seus herdeiros para haverem de lograr livremente segundo
por seu Pai Lopo Dias foi ordenado. Dado na cidade de Evora em 26 de
Novembro. Alvaro Goncalves a fez de 1449». (Extraído do Tombo manuscrito da Casa
de Trofa de 1749). [NOTA:
neste doc. o «q» apresenta sobre ele um til]
Sete Vezes neste documento o primeiro senhor da Trofa é tratado por
Gomes Martins somente.
E já agora vai perdoar-me o Sr. Dr. M. RAMOS que eu transponha as
fronteiras do distrito de Aveiro para ir a Gois pedir perdão ao Gomes
Martins de Lemos, pai, de lhe ter
trocado o nome, e ainda apoucado com tirar-lhe o Lemos. Mas também aqui
estou bem amparado. Encontrei-o a primeira vez em Lisboa em 1373, quando
D. Fernando construiu novas muralhas naquela cidade. − Diz FERNÃO LOPES (Crón.ª
/
31 / de D. Fernando, pág. 313) «E começaram de lavrar o muro dela postumeiro dia de setembro da era em cima escrita de quatrocentos e onze
anos o deu EI-rei carrego para o mandar fazer a Gomes Martins,
corregedor na dita cidade».
Em 1385, em Coimbra, na eleição de D. João, lá estava
o aio de seu
filho Afonso, Gomezias Martini Lemos − Gomes Martins de Lemos (Hist. Gen.
da Casa Real, t. IlI, págs. 3 e 12).
Em 1415, quando morreu a Rainha D. Filipa, foi para Alhos Vedros fazer
companhia ao rei em seu nojo. Lá estava também o seu pupilo Conde de
Barcelos. Ouviu-os o rei sobre se devia ou não acompanhar a expedição a
Ceuta. − São de AZURARA, na Crónica da tomada de Ceuta, a pág. 149,
estas palavras: «O Conde de Barcellos que ali estava fallava já com
EI-rei acerqua daquelle, conselhando-o que todavia seguisse seu
proposito e assy fez em aquella hora, que ajudou muito a tençom dos
Infantes e por semelhante fez «Gomes Martins de Lemos, que era hũ homem
de grande ssizo pollo quall EI-rei daua grande autoridade a seu
conselho».
E também nos diz AZURARA, a pág.
114, que o Gomes Martins de Lemos fora
para Ceuta na frota que o Infante D. Henrique organizou no Porto.
Quando tomaram vulto as desinteligências entre o Infante D. Pedro e seu
irmão D. Afonso, já agora duque de Bragança, foi feita concórdia entre
eles pelo Infante D. Henrique. E Afonso V deu a carta dessa concórdia.
Gomes Martins de Lemos mandou tirar traslado dessa carta e lê-se neste
«...No anno da era do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e
quatrocentos e quarenta e outo annos aos
vinte outo dias do mês de Novembro em a cidade do Porto... dos Paços
do Bispo da dita cidade estando hy Ayres Pinto Juiz ordinario dessa
mesma e seus termos... perante o dito Juiz pareceo Gomes Martins,
procurador do alto e poderoso Principe D. AFONSO filho do muito nobre e
virtuoso rei D. João de esclarecida memoria, Duque de Bragança e Conde
de Barcellos, etc. a qual carta e alvarás assim mostrados e o dito Gomes Martins disse que porquanto
o dito Duque de Bragança seu Senhor.» (Hist. Gen. da
Casa Real − prova I-lII − S. II, págs. 78-85).
Por estas referências se vê que era pouco usado o apelido Lemos,
contentando-se senhor de tanta nobreza com chamar-se apenas Gomes
Martins.
Este Gomes Martins foi senhor de Gois por casar com D. Mecia Vasques,
que era a legítima senhora deste morgadio, recebido de seu avô Estêvão
Vaz (BRANCAMP FREIRE, Brasões, voI. II, pág. 150).
Sei de três filhos deste casamento
− Fernão Gomes de
Gois, ou de Lemos, que foi o herdeiro do morgadio. − Beatriz
/ 32 / Gomes de Lemos, que casou com o jurisconsulto João
Sem, de quem teve Antónifo Sem − Gomes Martins de Lemos, o moço, que foi
o primeiro Senhor da Trofa.
Os descendentes de Fernão Gomes preferiram o apelido
Gois, os de Gomes Martins, o moço, o de Lemos. É assim
que os encontramos nos reinados seguintes.
A verdadeira razão por que os Lemos de Gois ficaram
do lado de Afonso V é só esta: A luta entre D. Pedro e o sobrinho Afonso
V foi, na realidade, uma luta entre o duque de Coimbra e seu irmão
Afonso, duque de Bragança. Ora Gomes Martins de Lemos foi aio e
procurador deste, como vimos, e também seu vassalo. Seu filho Fernão Gomes de
Lemos foi vassalo de D. Fernando, conde de Arraiolos e filho
do duque de Bragança, como se lê na Hist. Gen. da Casa
Real, T. III, L − II, tendo esta vassalagem sido prestada
em 9 de Dezembro de 1424, na presença do duque de Bragança «... Fernão Gomes de Gois cavaleiro... e com suas
mãos ambas entre as do dito senhor Conde pelo seu Castello de Monsaraz
deI dito Senhor el dito Fernam Gomes fez preito e homenagem».
Estando o duque de Bragança com Afonso
V contra
D. Pedro, não podiam os Lemos de Gois, seus vassalos,
deixar de estar com o Rei.
AUGUSTO SOARES DE SOUSA
BAPTISTA |