A. S. de Sousa Baptista, Ainda os Lemos da Trofa, Vol. XVI, pp. 28-32

AGRADECIMENTO

AINDA OS LEMOS DA TROFA

No n.º 59 deste Arquivo de Aveiro, a pág. 225, publicou o Sr. Dr. M. RAMOS um pequeno artigo em que diz que eu, no meu artigo «Lemos da Trofa», publicado no n.º 56, cito nada menos de sete vezes o nome de Gomes Martins de Lemos − pai e filho − chamando-Ihe apenas Martins Gomes. − E que foi esta deturpação onomástica que o fez apresentar o «leve e bem intencionado reparo». Acrescenta ainda:

«O Sr. Dr. BAPTISTA não justifica por que chama Martins Gomes aos Senhores de Gois e da Trofa, nem transcreve qualquer documento donde tal se verifique, e assim, até prova em contrário, temos de declarar que não está certa a citação.»

Tratando-se, como se trata, de uma deturpação onomástica, não há que apresentar documentos, mas corrigi-la, que foi o que fez o Sr. Dr. M. RAMOS. O documento para demonstrar que se trata de simples inversão de nomes vem no meu artigo «A Capela dos Lemos», também publicado neste Arquivo, no voI. XII. E a inscrição tumular de Gomes Martins de Lemos, o moço, que também refere o nome do pai, Gomes Martins de Lemos, o velho.

Agradeço ao Sr. Dr. M. RAMOS ter-se-me antecipado nesta correcção necessária, que tencionava fazer em novo artigo sobre os Lemos e bem assim a de Gonçalo Anes de Sousa, que naquele meu artigo foi chamado da Nova.

Já agora aproveito a oportunidade para dizer mais duas palavras ao Sr. Dr. M. RAMOS, que não tenho a honra de conhecer. Diz que Gomes é nome próprio e Martins crê que não. Gomes é nome próprio e também patronímico, e nestas duas funções vem de muito longe com as suas formas Gomez − Gomise − Gomize − Gomice − Gumice (P. M H., Doc. n.º CCCXLII−CCCXLVII−CCCLXXII−CCCLXVI−etc. do século XI.

No documento DCCLXIV, de 1091, pode ler-se «Flamula Gomiz − Flamula prolis Gomize)».

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Também Martins foi nome, embora raramente: «...D. Martins Gonçalves de Nomaes casou com D. Mor Soares (P. M. H. − Scriptores − vol. I, pago 179»; «...e o sobredito Martins Vasques Bornes teve dois filhos e uma filha, o filho houve o nome Pero Botelho e casou com a filha de D. Martins de Lisboa...» Liv. Velho das Linhagens, na Hist. Gen. da Casa Real − vol. I (Provas) pág. 252».

Pareceu-me que o Sr. Dr. M. RAMOS gostaria que eu chamasse aos dois Gomes Martins pai e filho, por seu nome completo, isto é, com o apelido − Gomes Martins de Lemos. Também aos meus ouvidos estes nomes, assim completos, soam como de mais fidalguia. Todavia, no tempo em que viveram, não era bem assim. Transcrevo para aqui o despacho de D. Afonso V, dando a Gomes Martins de Lemos (filho) a terra de Jales.

«D. Afonso por grassa de Deus etc. a quem esta carta de confirmação e verificação e aprovasão virem fazemos saber que D. M.ª de Azevedo nos dice e certificou que o M.to Virtuoso Principe de gloriosa memoria EI rei D. João meu Avô querendo fazer grassa e M.ce a Lopo Dias de Azevedo seo Padre pellos m.tos extremados serviços que lhe fizera lhe outorgou a terra de Jales com todos os direitos de juro e herdade para ele e para todos os seus sucessores a ql doação e M.ce assim feita querendo o d.º Lopo Dias casar esta dita sua filha com Goncalianes de Souza lhe outorga por liç.ª expressa do d.to Snr. e do mais excelente e mais virtuoso Principe El-rei meo Snr. e padre q D.ª haja a dita terra de Jales, e em o contrato de casamento foi concedido que perecendo o d.º Goncalianes de Souza sem filho que á d.ª D. M.ª ficasse a dita terra até ella ser entregue de tres mil dobras e foi assim que o d.º Goncalianes se ficou assim sem filho ficando a dita terra por não serem entregues as ditas dobras a ella como hoje, em dia não são que havendo ella depois duas filhas de Álvaro de Meira com o qual foi casada e casando hua dellas com Gomes Ferreira lhe deu o uso da dita terra em casamento com tal preceito e condição que morrendo a dita filha sem filhos descendentes que a dita terra se tornava a ella. E prouve D.ª que a dita filha se ficou sem descendente e herdeiros, por cuja morte do D.º Gomes Ferreira por a d.ª D. M.ª ficar viuva e não haver qm bem requeresse seus feitos a dita terra ficou em poder della algum pouco de tempo e por morte sua entregou-a a Gomes Martins de Lemos a pedido do d.º Snr. Rei meu Pai, ql esquecido desta doação feita a Goncalianes com obrigação q a dita terra era obrigada por sua autoridade a ella D. M.ª em as ditas tres mil dobras lha outorgou não sendo valiosa esta doação nem outorgamento por as razões sobreditas e hora a d.ª D. Maria / 30 / dice q a ella aparecera com a grassa de Deus de encaminhar como D. M.ª sua filha donzella da Caza da Infanta D. lzabel, mulher do Infante D. Pedro, meu tio casará com o d.º Gomes Martins querendo-lhe deixar a dita por dote da d.ª sua filha com intenção e condição q falecendo ella sem herdeiros descendentes de entre ambos que a dita terra de Jales se tornasse a ella D. M.ª sua Madre ficando-lhe depois desembargada e nos pediu q dessemos a ella sobredita aquella nossa real autoridade e concentº e nos vendo o q nos a d.ª D. M.ª assim requereu de nosso motu proprio e livre poderio sobretudo havendo as doações q o d.º Snr. Rei meu Pai fez em prejuizo da p.ra q meu Avó tinha feito ao sobredito Lopo Dias emsembra com El-rei meu Padre e isso em prejuizo da obrigação da dita terra feita á d.ª D. M.ª as quais doações aqui havemos por suficientes e expressas e a nós praz e outorgamos e damos q se o d.º Gomes Martins prover de casar com a d.ª donzella e ella deixa a dita terra á d.ª sua filha e possão haver de juro e herdade elles e seus herdeiros tirando de nós toda posse e propriedade empero queremos e outorgamos q se a d.ª donzella consumado o matrimonio com o d.º Gomes Martins se morrer sem filhos ou descendentes de entre ambos q a d.ª terra fique ao d.º Gomes Martins em sua vida segundo é conteúdo na doação que lhe della fez o d.º Sr. meu Padre. Em caso q se acertase os sobreditos haverem filhos ou filhas e por morte da d.ª D. M.ª fiquem vivos e depois em vida do d.º Gomes Martins se finarem q a d.ª terra fique todavia ao d.º Gomes Martins em sua vida na forma sozo dita isto mesmo acertando-se as que ficando aos ditos filhos ainda q em ide viessem de casar (?) em vida do d.º Gomes Martins a terra a elles não possa passar antes todavia e por qualquer guiza q seja a elle fique em toda a sua vida pelas maneiras e guizas suzo declaradas e falecendo elle por morte torna-se a sobredita terra á D.ª M.ª sua Madre e seus herdeiros para haverem de lograr livremente segundo por seu Pai Lopo Dias foi ordenado. Dado na cidade de Evora em 26 de Novembro. Alvaro Goncalves a fez de 1449». (Extraído do Tombo manuscrito da Casa de Trofa de 1749). [NOTA: neste doc. o «q» apresenta sobre ele um til]

Sete Vezes neste documento o primeiro senhor da Trofa é tratado por Gomes Martins somente.

E já agora vai perdoar-me o Sr. Dr. M. RAMOS que eu transponha as fronteiras do distrito de Aveiro para ir a Gois pedir perdão ao Gomes Martins de Lemos, pai, de lhe ter trocado o nome, e ainda apoucado com tirar-lhe o Lemos. Mas também aqui estou bem amparado. Encontrei-o a primeira vez em Lisboa em 1373, quando D. Fernando construiu novas muralhas naquela cidade. − Diz FERNÃO LOPES (Crón.ª / 31 / de D. Fernando, pág. 313) «E começaram de lavrar o muro dela postumeiro dia de setembro da era em cima escrita de quatrocentos e onze anos o deu EI-rei carrego para o mandar fazer a Gomes Martins, corregedor na dita cidade».

Em 1385, em Coimbra, na eleição de D. João, lá estava o aio de seu filho Afonso, Gomezias Martini Lemos − Gomes Martins de Lemos (Hist. Gen. da Casa Real, t. IlI, págs. 3 e 12).

Em 1415, quando morreu a Rainha D. Filipa, foi para Alhos Vedros fazer companhia ao rei em seu nojo. Lá estava também o seu pupilo Conde de Barcelos. Ouviu-os o rei sobre se devia ou não acompanhar a expedição a Ceuta. − São de AZURARA, na Crónica da tomada de Ceuta, a pág. 149, estas palavras: «O Conde de Barcellos que ali estava fallava já com EI-rei acerqua daquelle, conselhando-o que todavia seguisse seu proposito e assy fez em aquella hora, que ajudou muito a tençom dos Infantes e por semelhante fez «Gomes Martins de Lemos, que era hũ homem de grande ssizo pollo quall EI-rei daua grande autoridade a seu conselho».

E também nos diz AZURARA, a pág. 114, que o Gomes Martins de Lemos fora para Ceuta na frota que o Infante D. Henrique organizou no Porto.

Quando tomaram vulto as desinteligências entre o Infante D. Pedro e seu irmão D. Afonso, já agora duque de Bragança, foi feita concórdia entre eles pelo Infante D. Henrique. E Afonso V deu a carta dessa concórdia. Gomes Martins de Lemos mandou tirar traslado dessa carta e lê-se neste «...No anno da era do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e quatrocentos e quarenta e outo annos aos vinte outo dias do mês de Novembro em a cidade do Porto... dos Paços do Bispo da dita cidade estando hy Ayres Pinto Juiz ordinario dessa mesma e seus termos... perante o dito Juiz pareceo Gomes Martins, procurador do alto e poderoso Principe D. AFONSO filho do muito nobre e virtuoso rei D. João de esclarecida memoria, Duque de Bragança e Conde de Barcellos, etc. a qual carta e alvarás assim mostrados e o dito Gomes Martins disse que porquanto o dito Duque de Bragança seu Senhor.» (Hist. Gen. da Casa Real − prova I-lII − S. II, págs. 78-85).

Por estas referências se vê que era pouco usado o apelido Lemos, contentando-se senhor de tanta nobreza com chamar-se apenas Gomes Martins.

Este Gomes Martins foi senhor de Gois por casar com D. Mecia Vasques, que era a legítima senhora deste morgadio, recebido de seu avô Estêvão Vaz (BRANCAMP FREIRE, Brasões, voI. II, pág. 150).

Sei de três filhos deste casamento − Fernão Gomes de Gois, ou de Lemos, que foi o herdeiro do morgadio. − Beatriz / 32 / Gomes de Lemos, que casou com o jurisconsulto João Sem, de quem teve Antónifo Sem − Gomes Martins de Lemos, o moço, que foi o primeiro Senhor da Trofa.

Os descendentes de Fernão Gomes preferiram o apelido Gois, os de Gomes Martins, o moço, o de Lemos. É assim que os encontramos nos reinados seguintes.

A verdadeira razão por que os Lemos de Gois ficaram do lado de Afonso V é só esta: A luta entre D. Pedro e o sobrinho Afonso V foi, na realidade, uma luta entre o duque de Coimbra e seu irmão Afonso, duque de Bragança. Ora Gomes Martins de Lemos foi aio e procurador deste, como vimos, e também seu vassalo. Seu filho Fernão Gomes de Lemos foi vassalo de D. Fernando, conde de Arraiolos e filho do duque de Bragança, como se lê na Hist. Gen. da Casa Real, T. III, L − II, tendo esta vassalagem sido prestada em 9 de Dezembro de 1424, na presença do duque de Bragança «... Fernão Gomes de Gois cavaleiro... e com suas mãos ambas entre as do dito senhor Conde pelo seu Castello de Monsaraz deI dito Senhor el dito Fernam Gomes fez preito e homenagem».

Estando o duque de Bragança com Afonso V contra D. Pedro, não podiam os Lemos de Gois, seus vassalos, deixar de estar com o Rei.

AUGUSTO SOARES DE SOUSA BAPTISTA

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