G. Soares de Carvalho, Depósitos pliocénicos entre os rios Vouga e Águeda, Vol. XVI, pp. 33-38.

DEPÓSITOS PLIOCÉNICOS

DE ENTRE O RIO VOUGA

E O RIO ÁGUEDA

(NOTA PRELIMINAR)


I − Em trabalhos anteriores (2, 3) apresentei alguns resultados do estudo de depósitos pliocénicos da Orla Meso-cenozóica Ocidental, principalmente daqueles que se podem observar a Norte do rio Mondego e nos arredores da cidade de Coimbra.

Verifiquei que estes depósitos são constituídos por três complexos elásticos: dois de origem continental e outro constituído por detritos acumulados na zona nerítica de uma bacia marinha.

Dos depósitos continentais, os mais antigos são depósitos de sopé − fanglomerado − a que atribuí idade pontiana; os outros, os mais modernos, são depósitos de uma planície aluvial de sopé villafranquiana.

Os depósitos marinhos (tenho-os supostos acumulados durante a transgressão plaisanciana) são sobrepostos pelos depósitos villafranquianos, o que mostra com evidência a sua idade mais antiga.

A análise dos seus sedimentos que tenho em curso no Laboratório de Sedimentação da Universidade de Coimbra tem evidenciado a diferença entre as condições genéticas destes depósitos (2).

2 − Durante trabalhos de campo para o levantamento geológico da região compreendida entre o rio Vouga e o rio Águeda, tive ocasião de observar numerosos factos que confirmam as hipóteses que formulei sobre a génese dos depósitos pliocénicos da Orla Meso-cenozóica Ocidental, conservados nas regiões em questão. / 33 /

Até hoje, não reconheci nesta região depósitos a que se possa atribuir uma acumulação durante a regressão pontiana e que já assinalei na vertente ocidental da Serra do Buçaco (2).

São, contudo, nítidos os vestígios de uma transgressão (transgressão plaisanciana-astiana) assim como de uma regressão, provavelmente, villafranquiana.

3 − Vestígios da transgressão plaissnciana-astiana. − Na região em estudo os vestígios da transgressão plaisanciana-astiana são representados pelos restos da plataforma de abrasão que em numerosos locais ainda conserva depósitos.

São as superfícies mais ao menos aplanadas mordidas pela erosão de vários cursos de água sobre as quais se erguem as seguintes localidades: a Norte do rio Vouga, Branca, 'Albergaria-a-Nova, Albergaria-a-Velha, etc. e a Sul daquele rio, as aldeias das Chãs (junto do marco da Calbela ou Vista da Senhora), Salgueiros, A. dos Ferreiros, etc.

Estas superfícies instaladas sobre xistos atingem cotas que oscilam mais ou menos entre 130 e 170 m. e na sua maior parte perderam já a cobertura detrÍtica.

No entanto nalguns locais essa cobertura ainda se conserva, como por exemplo, a Norte de Albergaria-a-Nova numa superfície cuja cota oscila por volta de 170 m., imediatamente a Sul de Moitedo (à cota de mais ou menos 200 m.), etc.

O depósito de Moitedo, assinalado pela primeira vez por SOUSA BAPTISTA (I), é aquele que conheço, na região, com a cota mais elevada.

Em geral, os depósitos com fácies marinho (areias amareladas bem calibradas, argilosas e cascalhos com seixos de elevado grau de redondeza e achatamento), encontram-se cobertos pelos depósitos com fácies continental que suponho terem-se acumulado durante a regressão villafranquiana.

Entre os locais em que observei este facto posso citar: no lado oriental da estrada Beco-Arrancada, a cerca de 100 m. a oriente de Fermentões, em vários pontos entre Ameal, Quinta da Estela e Gravanço (a NE de Águeda), etc.

4 − Vestígios da regressão villafranquiana. − Os depósitos com fácies continental são os que ocupam maior extensão.

São depósitos de cascalho argila-arenoso, em geral, ligeiramente consolidado, com matriz amarelada ou avermelhada, areias muscovíticas e argilas amarelo-avermelhadas.

Os depósitos de cascalho incluem blocos de quartzo de grandes dimensões (mais ou menos entre 30 cm. e 80 cm.) que se podem observar em vários locais quer dentro do / 35 / próprio depósito (1800 m. a SSO da Capela de Soutelo, 600 m. a NO de Soutelo, etc.) quer removidos para pontos afastados pela gravidade ou pelo Homem (Cavadas de Cima, Jafafe de Cima, Assequins, Pedaçães, Crastovães, etc.).

 

Estes blocos mais ou menos rolados foram arrancados às injecções hidrotermais quartzosas, algumas de grande espessura (fig. 4) que rompem os xistos da região. / 36 /

 

Destes depósitos (fanglomerado) fazem parte grande quantidade de seixos arredondados e bem arredondados e com elevado achatamento, associados a outros do tipo sub-anguloso ou sub-arredondado(1) / 37 /

Trata-se, suponho, de material removido dos depósitos marinhos plaisancianos-astianos, quando da regressão villafranquiana.

A existência deste tipo de seixos, tipicamente modelados pela acção de vagas, é frequente nos depósitos com fácies continental da plataforma de entre o rio Vouga e rio Águeda na qual se erguem Travassô, Trofa, Pedaçães, Crastovães, Mourisca do Vouga, etc.

Nesta plataforma, coberta de depósitos de fácies continental, a cota cresce de Ocidente para Oriente (61 m. nos arredores de Travassô, 101 m, a NO da Quinta da Alagoa, 107 m. nos arredores de Vale Sobreirinho, etc.(2).

Na plataforma, também, coberta de depósitos continentais que se estende entre Alquerubim, Frias e Serém, as cotas oscilam, mais ou menos entre 60 m. e 110 m. Já na plataforma que se estende entre Jafafe de Cima, Beco e Soutelo as cotas são superiores e crescem de Ocidente (entre 90 e 100 m. entre Jafafe e Beco) para Oriente (110 m. a NE de Beco).

Há uma continuidade nos depósitos destas plataformas, só interrompida pelos cursos de água, e não se observa qualquer desnível ou variação litológica que possa ser explicada ou por movimentos tectónicos ou por um mecanismo análogo àquele com que se pretende explicar a origem dos terraços pleistocénicos.

5 − Conclusões − A existência desta continuidade e semelhança de fácies dos depósitos continentais daquelas plataformas levam-me a supor que após a transgressão plaisanciana-astiana, na região de entre o Vouga e Águeda, se estabeleceu uma planície aluvial de sopé que na região oriental recebeu detritos transportados por cursos torrenciais, como o evidencia o fanglomerado de Soutelo.

Além disso, como em certos locais das plataformas em questão aparecem detritos finos, alguns bem estratificados (areias muscovíticas da Fonte da Azenha, da Póvoa de Macinhata, de Paus, etc.) e areias e argilas da Fonte de Urelo (Águeda) suponho, também, que a existência de pequenas / 38 / bacias lacustres, instaladas na planície aluvial de sopé, foi o episódio que ocorreu durante a regressão villafranquiana, antes do escavamento dos vales actuais no início do Pleistócénico.


Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Universidade de Coimbra, Fevereiro de 1950.

G. SOARES DE CARVALHO

Primeiro Assistente da Universidade de Coimbra

 

NOTA BIBLIOGRÁFICA

Encontram-se referências aos depósitos estudados nesta nota nos seguintes trabalhos:

1 − BAPTISTA (J. S. S.) − Terras de Valongo do Vouga − Arq. Distrito de Aveiro, n.º 38, 1944.

2 − CARVALHO (G. S.) − Depósitos Detríticos Pliocénicos dos Arredores de Coimbra − Rev. Fac. Ciências Univ. Coilnbra, vol. XVII, 1948.

3 − CARVALHO (G. S.) − Les dépôts des Terraces et Ia Paléogéographie du Pliocène dans Ia Bordure Meso-cenozóïque Occidental du Portugal − Rev. Fac. Ciências Univ. Coimbra, voI. XVIII, 1949.

4 − TEIXEIRA (C.) − Essai sur Ia Paléogéagraphie du Litoral Portugais au Nord du Vouga − Petrus Nonius, voI. VI. Lisboa, 1946.

5 − TEIXEIRA (C.) − Les Dépôts Modernes du Littoral Portugais au Nord de Leiria − BoI. Soc. Geol, Portugal, vol. VIII. Porto, 1948.

 

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(1) De acordo com PETTIJOHN (Sedimentary Rocks, New York, 1949) considero os seixos angulosos, sub-angulosos, sub-arredondados, arredondados e bem arredondados quando a sua redondeza toma valores compreendidos respectivamente entre 0 e 0.15, 0.15 e 0.25, 0.30 e 0.40, 0,40 e 0.60 e 0.60 e 1.00.

Estes valores são determinados pelo processo visual de KRUMBEIN (Mesurement and Geologícal Significances of Shape and Roundness of Sedimentary Particles, J. Sed. Petrology. voI. II, 1941).

(2) Para fazer uma ideia da posição geográfica dos lugares a que nesta nota faço referência, será conveniente a consulta das cartas topográficas na escala 1:25000, n.os 186 e 176 dos Serviços Cartográficos do Exército.  

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