(NOTA PRELIMINAR)
I − Em trabalhos anteriores (2, 3) apresentei alguns resultados do
estudo de depósitos pliocénicos da Orla Meso-cenozóica Ocidental,
principalmente daqueles que se podem
observar a Norte do rio Mondego e nos arredores da cidade de Coimbra.
Verifiquei que estes depósitos são constituídos por três complexos
elásticos: dois de origem continental e outro constituído por detritos
acumulados na zona nerítica de uma bacia marinha.
Dos depósitos continentais, os mais antigos são depósitos de
sopé −
fanglomerado − a que atribuí idade pontiana; os outros, os mais
modernos, são depósitos de uma planície aluvial de sopé villafranquiana.
Os depósitos marinhos (tenho-os supostos acumulados durante a
transgressão plaisanciana) são sobrepostos pelos depósitos
villafranquianos, o que mostra com evidência a sua idade mais antiga.
A análise dos seus sedimentos que tenho em curso no Laboratório de
Sedimentação da Universidade de Coimbra
tem evidenciado a diferença entre as condições genéticas destes
depósitos (2).
2 − Durante trabalhos de campo para o levantamento
geológico da região compreendida entre o rio Vouga e o rio Águeda, tive
ocasião de observar numerosos factos que confirmam as hipóteses que
formulei sobre a génese dos depósitos pliocénicos da Orla Meso-cenozóica
Ocidental, conservados nas regiões em questão.
/ 33 /
Até hoje, não reconheci nesta região depósitos a que se possa atribuir
uma acumulação durante a regressão pontiana e que já assinalei na
vertente ocidental da Serra do Buçaco (2).
São, contudo, nítidos os vestígios de uma transgressão
(transgressão plaisanciana-astiana) assim como de uma regressão, provavelmente,
villafranquiana.
3 − Vestígios da transgressão plaissnciana-astiana.
− Na
região em estudo os vestígios da transgressão plaisanciana-astiana são
representados pelos restos da plataforma de abrasão que em numerosos
locais ainda conserva depósitos.
São as superfícies mais ao menos aplanadas mordidas pela erosão de
vários cursos de água sobre as quais se
erguem as seguintes localidades: a Norte do rio Vouga, Branca, 'Albergaria-a-Nova,
Albergaria-a-Velha, etc. e a Sul daquele rio, as aldeias das Chãs (junto
do marco da Calbela ou Vista da Senhora), Salgueiros, A. dos Ferreiros,
etc.
Estas superfícies instaladas sobre xistos atingem cotas que oscilam mais
ou menos entre 130 e 170 m. e na sua maior parte perderam já a cobertura detrÍtica.
No entanto nalguns locais essa cobertura ainda se conserva, como
por exemplo, a Norte de Albergaria-a-Nova numa superfície cuja cota
oscila por volta de 170 m., imediatamente a Sul de Moitedo (à cota de
mais ou menos 200 m.), etc.
O depósito de Moitedo, assinalado pela primeira vez por SOUSA
BAPTISTA (I), é aquele que conheço, na região, com a cota mais elevada.
Em geral, os depósitos com fácies marinho (areias amareladas bem
calibradas, argilosas e cascalhos com seixos de
elevado grau de redondeza e achatamento), encontram-se
cobertos pelos depósitos com fácies continental que suponho terem-se
acumulado durante a regressão villafranquiana.
Entre os locais em que observei este facto posso citar: no lado
oriental da estrada Beco-Arrancada, a cerca de 100 m. a oriente de Fermentões, em vários pontos entre Ameal, Quinta da Estela e Gravanço (a
NE de Águeda), etc.
4 − Vestígios da regressão villafranquiana.
− Os depósitos
com fácies continental são os que ocupam maior extensão.
São depósitos de cascalho argila-arenoso, em geral, ligeiramente consolidado, com matriz amarelada ou avermelhada, areias muscovíticas e argilas amarelo-avermelhadas.
Os
depósitos de cascalho incluem blocos de quartzo de grandes dimensões
(mais ou menos entre 30 cm. e 80 cm.) que se podem observar em vários
locais quer dentro do
/ 35 /
próprio depósito (1800 m. a SSO da Capela de Soutelo, 600 m. a NO de
Soutelo, etc.) quer removidos para pontos
afastados pela gravidade ou pelo Homem (Cavadas de Cima, Jafafe de Cima,
Assequins, Pedaçães, Crastovães, etc.).
Estes blocos mais ou menos rolados foram arrancados
às injecções hidrotermais quartzosas, algumas de grande
espessura (fig. 4) que rompem os xistos da região.
/
36 /
Destes depósitos (fanglomerado) fazem parte grande quantidade
de seixos arredondados e bem arredondados e
com elevado achatamento, associados a outros do tipo sub-anguloso ou
sub-arredondado(1).
/
37 /
Trata-se, suponho, de material removido dos depósitos marinhos plaisancianos-astianos, quando da regressão villafranquiana.
A existência deste tipo de seixos, tipicamente modelados pela acção de vagas, é frequente nos depósitos com fácies
continental da plataforma de entre o rio Vouga e rio Águeda
na qual se erguem Travassô, Trofa, Pedaçães, Crastovães,
Mourisca do Vouga, etc.
Nesta plataforma, coberta de depósitos de fácies continental, a cota
cresce de Ocidente para Oriente (61 m. nos
arredores de Travassô, 101 m, a NO da Quinta da Alagoa, 107
m. nos arredores de Vale Sobreirinho, etc.(2).
Na plataforma, também, coberta de depósitos continentais que se estende
entre Alquerubim, Frias e Serém, as cotas oscilam, mais ou menos entre
60 m. e 110 m. Já na plataforma que se estende entre Jafafe de Cima, Beco e Soutelo
as cotas são superiores e crescem de Ocidente (entre 90
e 100 m. entre Jafafe e Beco) para Oriente (110 m. a NE de Beco).
Há uma continuidade nos depósitos destas plataformas, só interrompida
pelos cursos de água, e não se observa qualquer desnível ou variação
litológica que possa ser explicada
ou por movimentos tectónicos ou por um mecanismo análogo àquele com que se pretende explicar a origem dos terraços
pleistocénicos.
5 − Conclusões
− A existência desta continuidade e
semelhança de fácies dos depósitos continentais daquelas
plataformas levam-me a supor que após a transgressão plaisanciana-astiana, na região de entre o Vouga e
Águeda, se
estabeleceu uma planície aluvial de sopé que na região oriental recebeu
detritos transportados por cursos torrenciais, como o evidencia o fanglomerado de Soutelo.
Além disso, como em certos locais das plataformas em
questão aparecem detritos finos, alguns bem estratificados
(areias muscovíticas da Fonte da Azenha, da Póvoa de Macinhata, de
Paus, etc.) e areias e argilas da Fonte de Urelo (Águeda) suponho, também, que a existência de pequenas
/ 38 /
bacias lacustres, instaladas na planície aluvial de sopé, foi o episódio que ocorreu durante a regressão villafranquiana, antes do
escavamento dos vales actuais no início do Pleistócénico.
Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Universidade de
Coimbra, Fevereiro de 1950.
G. SOARES DE CARVALHO
Primeiro Assistente da Universidade de Coimbra
NOTA BIBLIOGRÁFICA
Encontram-se referências aos depósitos estudados nesta nota
nos seguintes trabalhos:
1 − BAPTISTA (J. S. S.) − Terras de Valongo do Vouga
− Arq. Distrito de
Aveiro, n.º 38, 1944.
2 − CARVALHO (G. S.) −
Depósitos Detríticos Pliocénicos dos Arredores de Coimbra − Rev. Fac. Ciências Univ. Coilnbra, vol.
XVII,
1948.
3 − CARVALHO (G. S.) − Les dépôts des Terraces et Ia Paléogéographie du
Pliocène dans Ia Bordure Meso-cenozóïque Occidental du Portugal − Rev.
Fac. Ciências Univ. Coimbra, voI. XVIII, 1949.
4 − TEIXEIRA (C.) − Essai sur Ia Paléogéagraphie du Litoral Portugais au Nord du
Vouga − Petrus Nonius, voI. VI. Lisboa, 1946.
5 − TEIXEIRA (C.) − Les Dépôts Modernes du Littoral Portugais
au
Nord de Leiria − BoI. Soc. Geol, Portugal, vol. VIII. Porto, 1948.
|