G. Soares de Carvalho, Formações geológicas do distrito, Vol. XV, pp. 139-144.

SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO

DAS FORMAÇÕES GEOLÓGICAS

DO DISTRITO DE AVEIRO

DEPÓSITOS DE SOPÉ NO CONCELHO DE OLIVEIRA DE AZEMÉIS

1 − Nos flancos das montanhas em que afloram rochas duras, como por exemplo, quartzitos, é frequente encontrarem-se extensos e espessos mantos de cascalho que muitas vezes ocultam completamente os afloramentos.

Estes depósitos de sopé quando lapidificados e com a forma de cones aluviais são designados por fanglomerados (1).

A sua génese está relacionada com condições climáticas particulares.

Estas condições não só favorecem uma intensa desagregação dos afloramentos rochosos, mas ao mesmo tempo contribuem para facilitar o transporte dos produtos da desagregação para pontos cada vez mais afastados do flanco da montanha.

Tem sido aceite que condições áridas com períodos em que as chuvas teriam carácter torrencial são indispensáveis para a formação deste tipo de depósitos.
 

2 − Em Portugal (2, 3, 4, 5) tem sido recentemente chamada a atenção para este tipo de depósitos.

Na Beira Baixa (2, 3) eles ocupam grandes extensões assim como entre o Vouga e o Mondego (4, 5).

Estes depósitos, em geral, estão relacionados com linhas de relevo em que predominam os quartzitos, principal fonte fornecedora dos seus detritos. / 140 /

São provavelmente depósitos pliocénicos acumulados durante a regressão vilafranqueana ou em parte durante a regressão pontiana.

Também, no concelho de Oliveira de Azeméis, se encontram depósitos deste tipo, mas numa escala relativamente mais pequena.


3 − A estrutura do concelho de Oliveira de Azeméis é influenciada por duas séries de elevações, sensivelmente paralelas, que correm na região oriental do concelho, mais ou menos na direcção norte-sul.

Estas séries são quase exclusivamente constituídas por quartzitos compactos ou mais ou menos xistosos.

Algumas camadas são constituídas por quartzitos menos consistentes que se desagregam numa areia fina pela pressão dos dedos.

As duas séries de quartzitos estão separadas por uma mancha de rochas sedimentares intensamente metamorfizadas, em que predominam filites atravessadas por filões quartzosos hidrotermais, muitos deles mineralizados; aqui e acolá, afloramentos gnáissicos surgem por entre as filites.

É entre as duas séries de quartzitos, a N. do rio Antuã, entre Nogueira do Cravo e Pindelo, que se estende um depósito elástico com características dos fanglomerados.

A estrada de Pindelo para Nogueira do Cravo corta o depósito a algumas dezenas de metros a ocidente do lugar designado por Carro Quebrado.

O depósito não está em contacto imediato com os quartzitos; afloramentos de filites separam-no dos quartzitos da série mais oriental, acentuando-se assim a independência entre o depósito e a actual brecha de vertente.

O depósito é constituído por um aglomerado de blocos e seixos de quartzo, quartzito, filite e micaxisto, com distribuição mal calibrada, aglutinados por uma matriz argilosa pigmentada de amarelo ou vermelho.

O depósito é pouco espesso e não tem espessura uniforme.

O cascalho argiloso do depósito apresenta um certo grau de lapidificação, de modo que não será impróprio designá-lo por fanglomerado.

Areia argilosa associa-se ao cascalho, mas as superfícies de separação destes dois tipos de sedimentos são irregulares e mal definidas, de modo que não se observa estratificação.
 

4 − A forma dos seixos e blocos do depósito denuncia um certo transporte posto em evidência pelo desgaste relativamente acentuado daqueles elementos detríticos. / 141 /

Pode dizer-se que as arestas vivas que os fragmentos de quartzo e quartzito apresentam imediatamente após a desagregação dos seus afloramentos foram mais ou menos embotadas.

Para definir esse desgaste e exprimir numericamente a forma dos seixos, determinei o seu grau de redondeza num plano pelo processo visual criado por KRUMBEIN (6).

WADELL (7) definiu a redondeza total num plano de um fragmento pela expressão:

 

 

em que r é o raio de curvatura de um canto ou vértice do fragmento, R o raio do círculo máximo inscrito na sua projecção sobre o plano de medida e N o número de cantos.

A redondeza dá uma ideia do desgaste que os fragmentos sofreram durante o transporte e permite-nos ter uma ideia da sua forma evitando o uso de termos vagos e subjectivos, tais como, muito rolado, pouco rolado, anguloso, subanguloso, etc.

Os resultados obtidos estão reunidos no quadro seguinte e com eles se obtiveram os elementos para o traçado dos gráficos das figuras 1 e 2.

Os valores obtidos mostram que:

a) Os fragmentos colhidos nos locais da desagregação dos afloramentos têm redondezas médias pequenas: 0.16 para os fragmentos de quartzo e 0.25 para os fragmentos de quartzito;

b) O transporte fez aumentar o grau de redondeza;

c) Os seixos de quartzito têm graus de redondeza maiores que os de quartzo.

Este facto pode explicar-se pelo grau de dureza mais elevado dos seixos de quartzo; portanto, o efeito do desgaste é menos acentuado. / 142 /
 



LOCALIZAÇÃO DAS ESTAÇÕES:

Estação OA-1: Corte da estrada Nogueira do Cravo-Pindelo, 150 m. a ocidente de Carro Quebrado (Pindelo).

Estação OA-3: 300 m. NE de Carro Quebrado.

Estação OA-5: Ribeira, 300 m. a ocidente da estrada Pindelo − Nogueira do Cravo.

Estação OA-6: 500 m. NE da ponte sobre a ribeira de Cavaleiros e na qual passa a estrada Bustelo − Nogueira do Cravo.

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Os valores 0.50 e 0.60 mais frequentes nos seixos de quartzito do que nos de quartzo correspondem a uma forma mais rolada do que os valores 0.1 a 0.4 (mais frequentes nos seixos de quartzo).

O aumento do grau de redondeza num percurso relativamente pequeno (os depósitos mais afastados da série oriental dos quartzitos encontram-se mais ou menos a dois quilómetros daquela série) pode ser tomado como indicação do carácter torrencial do curso que transportou os detritos.

Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Universidade de de Coimbra, Fevereiro de 1949.

G. SOARES DE CARVALHO
(Bolseiro do Instituto para a Alta Cultura)

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BIBLIOGRAFIA

(1) TWENHOFEL (W.) − Principles of sedimentation. New York, 1939.

(2) RIBEIRO (O.) − Notas sobre a evolução morfológica da orla meridional da Cordilheira Central entre Sobreira-Formosa e a fronteira - Bol. Soc. Geol. de Portugal, vol. I, fase. 2. Porto, 1942.

(3) RIBEIRO (O.) − Novas observações geológicas e morfológicas nos arredores de Vila-Velha-de-Ródão − Publicações Museu e Lab.. Min. e Geol. da Faculdade de Ciências do Porto, n.º XXXII, 2. Série. Porto, 1943.

(4) CARVALHO (G. S.) − Depósitos Detriticos Pliocénicos dos Arredores de Coimbra - Rev. Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra. vol. XVII, 1948.

(5) CARVALHO (G. S,) − Les Dépôts des Terraces et la Paléogéographie du Pliocéne dans la Bordure Meso-cenozoïque Occidentale du Portugal (em publicação).

(6) KRUMBEIN (W. C.) − Mesurement and Geological 5ignificance of Shape and Roundners of Sedimentary Particles − J. of  Sedimentary Petrology, vol. II, n.º 2. Wiscosin, 1941.

(7) WADELL (R.) − Volume, Shape, and Roundness of Roek Particles − J. of Geol., voI. XL. Chicago, Illinois, 1932.

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