PARECE-NOS
bastante interessante a descrição duma viagem feita a Lisboa, há um século, não só pelas
dificuldades, morosidade, perigos e canseiras que ocasionava naquela época, mas também pelo seu, relativamente, minucioso relato, por vezes bastante elucidativo, sobretudo se o
compararmos com a descrição de viagens recentemente feitas a países
estrangeiros e que alguns jornais diários têm pretendido descrever.
O seu descritivo deixa transparecer uma cultura que não era vulgar
naqueles velhos tempos, o que demonstra que a biblioteca que o seu autor
possuía não tinha apenas efeitos decorativos, mas sim utilidade prática,
e que a sua convivência com pessoas cultas e ilustradas como eram o Dr.
Manuel da Fonseca Coelho(1); Dr. Manuel Pereira da Graça, médico muito
distinto e a quem faremos referência em outra oportunidade; os frades do
convento de Santo António de Serém;
o primeiro visconde da Borralha − Francisco Caldeira Pinto Leitão de
Albuquerque, etc., etc. − juntava o útil ao agradável.
*
«Parti da minha casa(2) em 20 de Agosto de 1848 em
direcçaõ à Borralha(3) e dahi p.ª ValIe de
Estevaõ e no
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109 /
dia 22 parti p.ª Coimbra com o Rev.do Prior de Avellãs de
Cima, sua mana Maria Joanna, e nos fomos encontrar na
estrada no sitio da Ponte da pedra defronte da Graciosa com
o Rev.do Prior de Aguada de Cima e com o Ricardo, indo
todos até Coimbra, e ahi se demorou esta companhia jantando todos, depois partiraõ aquelles
p.ª o S. da Serra, ficando
eu em casa do meo A.º o S.r J.e Jacintho, esperando pelos
companheiros da viagem Rev.do Prior de Sôsa, e Antonio
Augusto, chegando logo aquelle, dando parte da chegada
d'este no dia seg.te ao meio dia.
Tratamos de ajustar logo cavalgaduras,
ja faladas pelo
S.rJ.º Jacintho, e justas cada huma por 7200, com a obrigaçaõ do arrieiro nos dar de comer. Logo tratamos de pafsear;
e ver os romeiros do S. da Serra, recolhendo-nos á hospedaria da Portagem, onde vieraõ ter os
A.os Priores com sua
mana e Ricardo onde este encontrou sua aflita mana Delfina
já melhorada, pafseamos todos até á feira de S.ta Clara, feira
de S. Bartholomeo, e até á Universi.de ... recolhidos todos
á hospedaria, tendo visto jogar o bilhar, ceamos todos:
O A.º Reitor de Sôsa e eu fomos generosame.te tratados por
aquelles Senhores, naõ querendo que nós pagafsemos p.ª a cêa.
Despedidos nós à noite fomos p.ª o nofso quarto, e no dia
seg.te 24 partimos ás 4 oras da manhã por S.ta Clara pafsamos
por Sernache e fornos almoçar a Condeixa.
CONDEIXA
Tem á intrada pela esquerda agua com a figura chamada
o Calhedro (?) e deste lado tem duas insignes arvores chamadas ogreiros
(?): mais adeante está a casa do Ramos, boa casa e quinta, tem mais
algumas casas boas e outras queimadas pelos Franceses, como as que saõ hoje do Antonio
Maximo de Vagos, ahi encontramos o Bispo de Vizeu vindo
de Lisboa, e que se demorou em casa de Jeronimo Dias (?)
antigos amigos.
REDINHA
He bem boa terra com abundancia de agua á entrada.
POMBAL
Nesta Villa jantamos; tem hum castello á esquerda em
hum alto, tem hum convento á direita e á esquerda está a
capella da S.ª do Cardal(a) feita por D. Maria Trugaça e á
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110 /
esquerda está o tal forno que cosia o bolo de 20 alqueires
de trigo depois de ter queimado tres carros de lenha e este
bolo dividia a misericordia pelos moradores da Villa, esta
romaria era notavel por entrar no forno hum homem a compor o bolo estando o forno quente e não se queimava do q. faz
mensaõ o Arquivo... junto ao castello está huma capella com
duas torres: a saida de Pombal he bonita pelos arvoredos
que tem, bem semelhantes aos da estrada nova de Aveiro
p.ª Arada, e no fim dos arvoredos está á esquerda a fonte,
onde o grande Marquez(b) conversava com seus
A.os (amigos): neste dia
fui ficar aos Machados pequena povoaçaõ antes
de Leiria, donde sai no dia seg.te, pelas 2 oras da manhaã.
LEIRIA
Tem hum castello á direita, e na entrada tem grandes
arvoredos com pafseio pelo meio á direita da estrada, com
a sua Sé Episcopal bem bonita; foi fundada sobre as ruinas
da antiga Callipo perto do rio Liz, foi tomada aos Mouros
pelo fio da espada em 1125.
BATALHA
Esta grande obra, que não tem madeira, nem talha tem
um prospecto admiravel á entrada onde se veem os 12 Apostolos e o P.e Eterno em sima com muitos Anjos... apresentando huma vista
encantadora: Tem boa Igreja com a capella
do instituidor D. Joaõ 1.º á direita com os tumulos de
D. Joaõ 1.º, D. Duarte, D, Affonso 5.º e outros: ao simo
desta Igreja está a casa q. fôra destinada para jazigo dos
Reis onde se acham lavores em pedra com a maior perfeiçaõ,
e pena foi não se acabar esta linda obra, andei por sima do
convento vendo e observando tudo: parte d'este edificio foi
queimado pelos Franceses: na sacristia vi dois capacêtes
de ferro, e a espada com q. D. Joaõ 1.º deo a grande batalha
de Aljubarrota contra os Hespanhoes em 14 de Agosto
de 1385 no mesmo anno, em q, tinha sido aclamado em 6 de
Abril; e em egual dia a batalha morreo em 1423: junto desta
grande obra está a capella em q. D. Joaõ 1.º fez voto de alli
fazer aquella obra, que depois foi feita pelo mestre Matheus
q. fez grandes doações ao m.mo Convento de predios delle
unidos.
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111 /
Nesta obra brilhou o primor da
arte he digna de se ver,
pois q. nella tudo admira, como são vidros q. apresentaõ
diversas e encantadoras vistas, e a entrada da porta principal.
Deixada a estrada real voltei
p.ª a direita em direção a Aljubarrota onde vi em huma casa á direita pintada a pá
com que a tal padeira(6) matou 7 Hespanhoes por ocasião
da Batalha de Aljubarrota em 24 de Agosto de 1385: nesta
terra nos cançou hum cavallo, e desta terra até Alcobaça he
huma descida de pefsima calçada.
ALCOBAÇA
Chegamos a esta Villa ao meio dia, onde jantamos
depois de ter visto o convento cabeça da ordem de S. Bernardo, tendo em sima e em frente do convento o seo fundador D. Affonso Henriques sendo e elle
m.mo o p.ro que com
a enxada na maõ abrio alicerces, e levou hum sesto de terra
ás costas em 2 de Fev.º de 1148. Tem duas torres, grande
Igreja com os tumulos de D. Affonso 2.º e 3.º, D. Pedro 1.º, D. Ignez
sua m.er, D. Joaõ 2.º e outros: vi o altar da morte
de S. Bernardo, o do S. dos Pafsos e muitos outros e me
mostraram o altar em q. difse a p.ª mifsa o meo A.º Fr. Luis
Pinto de saudosa memoria vi a casa dos Reis de Portugal
até D. José, vi a coroaçaõ de D. Affonso Henriques pelo
Papa e por S. Bernardo; neste real mosteiro viveo e foi
Abbade o Cardeal D. Henrique que duas veses governou Portugal como regente, e depois foi Rei por morte de
D. Sebastiaõ em 4 de Agosto de 1578; dista esta Villa de Lisboa 18
leguas: parte deste mosteiro foi queimado pelos
Francezes, porem os frades reedificaraõ munto; mas em 1832
os constitucionaes com alguns estrangeiros acabáraõ de destruir: ha hum grande largo em frente da Igreja taõbem hum
castello: tudo aqui era grandesa mas «campus ubi Troya fui!»
a Villa he boa, ali se faz huma feira a 25, os habitantes lamentaõ a falta do convento, porq. d'ali eraõ sucorridos.
Esta Villa he atravefsada por um pequeno rio munto
proveitosà á mesma Villa.
Partimos de Alcobaça ás 4 horas da tarde andando duas
leguas por uma ribeira, que julguei naõ ter fim; a noite ao
simo d'ella sem eu nem os companheiros sabermos a estrada
d'aqui p.ª as Caldas, onde chegamos por 10 oras da noite
com alguns sustos e receio de ladrões.
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CALDAS DA RAINHA
Boa Villa distante d Lisboa =
14 leguas com grande largo
e praça que he todos os dias abundante: tem hum banho respeitável e afseado d homens e mulheres = á entrada está hum
repucho deitando agua sulfurosa por = 4 pequenas torneiras onde estão
copos d varias medidas para serem distribuidos pelos doentes, e onde
estava hum homem administrando isto; em frente do banho está um lindo pafseio
com arvores p.ª pafsearem as aguas, ao pé do banho está o
hospital, e a casa da guarda militar: o banho dos homens he m.to lindo,
nasce dentro d'elle agua quente, tem duas bombas por onde se tira agua onde estavaõ dois homens promptos a tirar agua p.ª os
doentes aproximassem a parte lesa: no banho estariaõ − 12 homêns, entre
estes num celebre militar barbacêna. O banho tem afsentos de pedra, onde
estavam os doentes afsentados, e d'ahi recolhiaõ p.ª huma casa
vestirem-se, isto com todo o afseio. Tem boas hospedarias, mas caras,
porq. por uma fraca cêa, mas bom almoço custou 1800.
OBIDOS
Tem dois castellos, he toda rodeada de muralhas munto altas, compridas,
á entrada á direita tem huma linda capella
chamada a S.ra da Pedra, e no fim tem um aqueduto de muntos arcos; de
Obidos p.ª deante fracas terras, tudo saõ charnécas sem comodidades
algumas até Torres.
TORRES VEDRAS
Esta Villa dista de Lisboa 7 leguas, perto d'esta está o convento do
Varatojo q. não vi / tem num castello sito em num cabeço mui alto, que vi
por dentro e por fora, e que não tem senaõ paredes; esta Villa tem = 4
freguesias, tem numa fonte pela p.te do Nascente feita no tempo dos
Romanos com hum grande tanque, tem campos em num baixo com 4 entradas
todas por pontes, ou pontilhões; observei como foi o combate dado pelo
Duque de Saldanha em 22 de Dezembro de 1846 entrando pela m.ma estrada
por onde elle deo principio á sua acçaõ.
MAFRA
He numa Villa munto notável pelo grande edificio q tem
a que D. Joaõ 5.º
(7) deo o seu principio em 16 de Novembro
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113 /
[Vol. XIV -
N.º 54 - 1948]
de 1717, grande e sumptuosa obra distante de Lisboa − 6 leguas com 5200
portas e janellas: na sua fundaçaõ trabalharaõ dia
diariam.te por muitos anos 14000 pefsoas e a despesa semanal era de
−
15000000 r.s.
Tem uma larga e comprida escada na frente da Igreja com hum grande
largo, tem duas torres, e a cada huma vi pela parte d fora − 11 sinos;
tem dois grandes torriões nas
pontas; as torres tem conductores p.ª os raios. À entrada
da Igreja ha um cumprido corredor em travéz, onde estaõ munt.os e
grandes Santos feitos d marmore. A Igreja está no meio da grande obra,
tem seis capellas de órgaõs.
Tem hum grande zimbório em munta altura ao lado esquerdo da Igreja, que
dá m.ta vista a todo o edificio, contendo em roda huma grade de ferro;
tem muntas tribunas
Reaes: ahi ouvimos mifsa do P.e Marcos capellão e Esmoler
mor de S. Magestade, q. ahi encontrei e a EI-Rei com 3 filhos os mais
velhos, o Duque de Saldanha vestido de casaca preta, a Rainha estava de
vestido branco de manga curta e o Rei estava de casaco: ouvi boa musica
e os musicos estavam vestidos no maior afseio tocando á mifsa, onde estava munta gente
além do regimento−7 e alguma cavalaria e a companhia da familia Real; a
Rainha he bastantemente gorda, naõ porem o marido, que he magro e alto,
bem como os filhos.
Na entrada da Igreja estão columnas de munta altura e grofsura,
q. admiraõ como fofsem p.ª ali conduzidas e levantadas.
Esta Villa não he má, mas o terreno he árido e seco, a
quinta he toda tapada d muro contando-3 leguas em redondo,
a qual se avista em grande distancia indo d Torres, abrange
esta tapada grandes montes e valles, e junto do muro andei mais de legua p.ª a chegar a Mafra, onde chegamos por 8 horas da manhãa no dia 27
de Agosto; neste dia pelas 3 horas da tarde pegou o fogo nos palheiros e cavalhariças Reais q. debrazou tudo com grande estrago, causando grande
barulho, e fazendo tirar todo o trem e carruagens riaes a toda a preça
p.ª o meio daquelle grande terreiro, não se queimando bestas nem gente; foi hum espetacolo horroroso, tocando sinos e cornetas
p.ª acudirem o fogo, o m.mo. Rei andava por sima dos telhados a dar
providencias.
Parti d'esta Villa depois de 4 horas da tarde por boa estrada toda de
calçáda, indo ficar ao lugar do Sabugo, onde dormi com os companheiros =
«tabualitos» por estar tudo cheio de cavalaria n'esta terra.
No seg.te dia partimos cêdo pafsando por Béllas, já terra melhor com
huma linda quinta de m.to arvoredo à direita que he do Marquez do m.mo
nome, e continuando entramos
em Bemfica q. parecia já cidade ficando á esquerda a quinta
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das Larangeiras, que depois vimos, e fomos entrar em Lisboa(8) pelas portas de S. Sebastião indo-se recolher as bestas junto a
S. Vicente de Fora e os viajantes a huma hospedaria
no cáis d Santarem.
Recolhi a huma hospedaria no cáes de Santarem perto
do palacio do Duque da Terceira e junto ao Terreiro do trigo,
linda hospedaria, porq. d'ella se viaõ todas as embarcaçoes
que estavaõ no Tejo e por elle pafsavaõ como os vapores...
a agua lhe banhava as paredes, e ahi estive 4 dias; depois a
instancias de A.os pafsamos p.ª a rua dos Fanqueiros para o
Hotel União Comercial de António Joaquim Crujo onde
estive até ao dia 7 de 7.bro munto bem tratado a = 360 por dia
cama e mesa.
No p.ro dia depois d dar descanço fomos ver a estatua
equestre de El Rei D. José (nasceu a 6 de Maio de 1714, morreo em 1777), feita por Machado de Castro erécta em 6 (?)
de Junho de 1775 na praça do comercio, a que hoje se chama
a memoria no Terreiro do Paço, a casa da Alfandega grande,
menisterios...
Fui com os meus companheiros ver Belém; vimos o
Palacio Real com grande afseio por dentro, bellos espelhos,
lindo jardim em frente do Palacio, grande quinta com arvoredos, bons pafseios, com varias figuras, onde vi algumas
aves como a aguia...
Depois fomos ver ahi perto o
convento dos Jeronimos,
coisa p.ª admirar tanto a Igreja como o estabelecim.to que tem
da educaçaõ da mocid.e (hoje casa Pia) tem muntos meninos
todos estavam vestidos de azul claro e da m.ma côr são as
camas muntas em grandes corredores, tem grande refeitorio,
em huma sala estavaõ os Reis de Portugal em quadros e em
hum só á entrada da porta estava D. Pedro e a rainha filha.
Este convento foi feito por D. Manuel.
Na entrada do convento estava hum homem q. tinha dois
livros, hlim em q. afsinavam todos os que ali entravaõ e outro
era p.ª lhe escrever as reflecções q. alguem apontafse em utilidade deste estabelecim.to, que munto me agradou.
Vi o Palacio da Ajuda grande obra, mas incompleta, tem
huma grande escada de = 180 degraus, que parece um poço,
m.to direita; tem grandes salas, m.tos paineis, onde ha hum
com D. Joaõ 6.º e toda a Familia Real vindo do Brazil; ha
outro painel com D. Joaõ 4.º sendo aclamado pela Nobresa, e povo e os
Hespanhoes fugindo deixando Portugal: tem
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mais paineis e figuras abandonados e pelos cantos com pouco arranjo:
este he o maior palacio que há em Portugal.
Perto d'este está o Palacio das Necessidades de cor avermelhada, mas lindo na sua frente.
ARCOS DAS AGUAS LIVRES
Teve o seo principio em 1729 pelo mestre
M.el Maia e findou em 1748. Vi
esta grande obra, na mãi da agua tem hum grande tanque alto com munta
agua e olhando-se p.ª o fundo faz respeito: a agua desce por huma
cascata em grande altura. Este tanque he coberto de Abobada, tem por
sima hum eirado ou terraço d'onde tem grande e boa vista: seguem-se os
arcos em grande distancia, fui por dentro d'elles até o sitio da
maior altura, e no mais alto arco que tem 214 pés de altura, bebi agua
em sima d'elle e os meus companheiros, e d'aqui m.to bem se avistava
Bellas e seos laranjais; depois retrocedemos e saimos fóra e pafsamos
por baixo do maior arco, indo d'ahi ver o semiterio dos Praseres em hum
grande largo de monte com muntos mausolêos ou tumulos com disticos, onde
estavaõ a faser com grande extensaõ o do Duque de Palmela e ha ali
muntos cyprestes.
O aqueducto das aguas he a melhor e mais proveitosa obra de Lisboa, q D.
Joaõ 5.º mandou fazer.
Vi o convento de S. Vicente de Fora, donde ha grande vista sobre a ci.de
e Tejo, ahi ouvi mifsa do Patriarca Guilherme 1.º em 3 de 7.bro, vimos a
Igreja com duas torres, a capella do Sant.mo tem humas portas de ferro
m.to lindas, tem os tumulos Reaes ao simo da Igreja, o claustro he
grande e as paredes vestidas de axulejos; foi fundado este convento
por D. Affonso Henriques em 21 de Novembro de 1147; perto d'este
convento está a sé, erecta em Patriarcal em 24 de Dezembro de 1711, e
teve o seo p.ro cardial de jure a D. Thomaz de Alm.da em 1737.
Hum pouco mais abaixo está a capella de S.to Antonio à direita onde elle nasceo em 15 de Agosto de
1195.
Vi a historia natural, e livraria, onde vi hum peixe saido em Vianna que teria mais de 20 palmos de comprido e
a grofsura seria de 10.
Vi o matadouro dos bois, e casa de arrobaçaõ, vi matar bois a portugueza, e à Judia, ou Marroquina em sitio separado por homem d'elles
com faca sem bico, e saõ as reses deguladas, tem hum grande largo
rodeado de alpendres com todos os arranjos precisos, o matador das
reses tinge a maõ esquerda
no sangue das m.mas isto he o matador Mouro.
Tem hoje novo matadouro.
Vi o Pala cio do Marquez de Vianna ao Rato m.to afseado e rico com boas pinturas, vi o fardam.to rico e
ordinario dos
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criados do trono, e vi a capella rica e afseada toda adamascada, onde
elle manda fazer semana Santa e ahi vi muntos pafsaros.
Vi o Jardim de D. Pedro em huma altura immensa donde se vê o Pafseio
Publico, e fica sobre o Palacio do Marquez de Castellomelhor: taõbem vi e estive dentro do Palacio do Marquez de Francos.
Vi o Theatro de D. Maria 1.ª ao Rocio coberto de asfalto com duas
entradas; he munto lindo, e de bom gosto, ahi fui no dia 29 ver
representar a peça = «O Alcaide de Faro»(9) boa peça com canto e dança
e q foi repetida − 15 vezes sempre com aplauso.
Taõbem vi o grande Theatro de S. Carlos, e andei por
sima d'elle, e taõbem vi a linda, e rica Igreja de S. Rocke.
Vi a mesquita de hum Mouro ou Judêo sacerdote com
humas grandes suices brancas, tinha a Biblia fechada, trez
alampadas, e lume em hum copo g.re, e tinha outro apagado tinha no meio
da casa hum altar coberto de damasco vermelho.
Vi o Hospital de S. José (fundada por D. Joaõ 2.º em 1477) cosinha,
jardim, casas de aulas, e operações, vi esqueletos, varias abortos com 4
pés, 4 braços, duas cabeças: vi a caveira do Mattos Lobo, do Diogo Alves
e seos socios.
Vi e pafsiei no Pafseio Publico, tem muitas arvores, e
todo gradeado de ferro em roda.
Vi a praça da Figueira já com bonitas arvores, tinha
m.tas frutas, mas
caras, pecegos não m.to bons a 30 r.s cada hum,
grandes meloes e melancias.
Vi o Castello de S. Jorge m.to afseado e com arvores, as
peças estavaõ em roda da muralha e d'ahi ha grande vista
sobre a Cid.e Tejo, e tem lindas ruas com calçada de diversas côres.
Fui a Bemfica ver a quinta das Laranjeiras em 3 de 7.bro,
onde vi o leaõ, e leôa, a onça, o lôvo marinho... duas segonhas, com
pernas m.to altas, dois patos g.res e outras áves como a aguia..., vi 3
porcos hum branco, outro preto, e hum
mais pequenito taõbem preto: tem hum laberinto onde está
huma especie de guardaçol com muntos carreiros por onde
a gente se perde, tem ahi huma boa casa, e junto a ella hum
theatro, e fundições de gaz, e ahi um tanque e ha mais hum
lago com huma ponte por sima, e tem hum bóte no lago:
tem muntas arvores, he arido, e toda a quinta morada com
grade de ferro em sima do muro, nenhuma arvore de fruto
tinha, nem horta alguma, tinha hum lindo portão de ferro na entrada com
duas especies de torriões.
/
117 /
Ahi perto está o Palacio em que reside a Sr.ra D.
IsabeI Maria.
Fui ver o meo patricio Desembargador Bastos (antigo Intendente G. da
Policia) que morava a S.ta Isabel, e indo p.ª lá pafsei junto da casa do
Conde das Antas, e no m.mo dia vi a casa dos Giraldes na quinta dos
Cyprestes; taõbem fui a S. Bento onde se fazem as cortes.
Lisboa se chamou Elifsoa por ser fundada por Elisa neto de Noé, foi
amplificada por Ulifses, e por isso se chamou Olissipo, emquanto Elisea
he 220 anos mais antiga q. Niniv capital dos Afsirios, emquanto Olyssipo
he 425 annos mais antiga que Roma.
Fui a AldeagalIega do Riba Tejo por agua
− 3 leguas, − estive em casa de Ant.º dos S.tos CalIado, onde vi 18 pipas de azeite em 6 pótes de barro,
comprou o anno passado 6000 porcos, teve inumeros porcos não falIando
em pás e presuntos − 4000 arrobas de carne, e ainda então q.do lá
estive em 4 de 7.bro tinha 2678 arrobas, e tinha panellas de unto de
pingue − 608 arrobas: mataõ-se ordinariam.te em Aldea galIega por
dia − 600 porcos no tempo das matanças: havia lá outro negociante
que tinha feito − 5.000 arrobas de carne.
Esta Villa he boa m.to semelhante a Ilhavo, tem hum lindo cáes, onde
estaõ as falúas com hum canal p.ª se embarcarem os porcos q veem do
Alemtejo p.ª Lisboa, andava n'esta Villa hum homem dando agua em hum
carro às canadas por hum tanto, isto por arrematação; tem marinhas de
sal e grande negocio em porcos do Alentejo p.ª Lisboa; fica-lhe ao sul a Villa da Mouta, e entre estas duas Villas, fica Sarilhos Grandes com
huma linda Igreja em hum campo; as roupas vaõ lavar-se na distancia de
uma legua.
Fui de Aldeagallega a Setubal em direcçaõ a PalmelIa
3 leguas de
charneca por montes sem povo até PalmelIa,
edificada em hum cabeço com hum castello, que se vê de
Lisboa 6 leguas distante munto alto, e junto ou dentro d'elle está hum
convento da ordem de Christo ou antes de S. Thiago feito no tempo de
ElRei D. Diniz (morreo em 7 de Jan.º de 1325), e d'aqui p.ª Setubal he
huma legua a descer, e se vê Setubal, indo por entre boas quintas e
laranjais: à entrada tem hum grande largo, onde chamaõ S.º do Bom Fim,
onde está huma capelIa, tem hum aqueducto por esta estrada. Setubal tem
15200 habitantes em − 5 freguesias; tem huma praça no largo chamado o
Çapal, tem hum grande cáes com muntas embarcações no mar, e outras se
estavaõ fazendo e compondo, tem hum grande largo entre as casas da Villa e o cáes em grande' comprimento, não podendo ver-se bem as embarcações por causa de huma dença nevoa sobre o mar. Nesta
Villa matou D. João 2.º o seo primo Duque de Vizeu ás punhaladas
/
118 / em 23 de Agosto de 1484. Tem bom vinho em especial o moscatel,
mas a − 120 o q.tro − 480 a canada. Depois de vista a Villa e suas ruas
estreitas, e pouco decentes, observamos o forte onde esteve o Conde de
Vinhaes combatendo do alto de hum cabeço; depois jantamos do q nos levaraõ
−1300, e voltamos p.ª Aldeagallega onde chegamos já de noite, e
tivemos pequena demora partindo de noite p.ª Lisboa.
Tratada a viagem por vapor intramos n'elle no dia 7 de 7.bro por 8 horas
da manhaã e na saida concluimos aboa vista de Lisboa observada do vapor,
indo este ainda manço e agradável; porem depois que deixamos a torre de
S. Juliaõ á direita, e a do Bugio á esquerda entramos no mar algum tanto
agitado, e começou este cavalinho com as suas tremuras a meio galope e
galope inteiro fez com que todos tomafsem o seo lugar = et temerunt
omnes = pafsando em frente de Peniche que nos ficava à direita notei as
Berlengas, que saõ huns penêdos no meio do mar q admiraõ e ficaÕ na
esquerda.
No dia 8 por 9 horas entramos na Barra do Porto, e feitas as revistas, e
vistos pafsaportes saimos com bagagem p.ª a estalagem Real, onde
depois de dar descanço e jantar (porq. no espaço de 26 horas q. estive
no vapor nada comi nem
bebi) tratamos de pafsear de tarde, indo a S. Lazaro ver o jardim, do que gostei pelo afseio em que está, contendo alguma pequenas
laranjeiras, flores... depois fomos á rua das Flores e outras mais
tratamos de ajustar cavalgaduras p.ª Albergaria a = 2400 cada huma e
partimos nó dia seg.te pafsando pela ponte nova q. ainda naõ tinha
visto, e da qual gostei,
viemos descanfar a Oliveira onde tivemos fraco jantar só
sardinha e pouca, e nem mais havia. Viemos todos até Albergaria onde
ficaraõ os dois companheiros d'ahi, e eu o meo A.º Pimentel viemos até
Serem onde elle ficou, e eu atravefsando o rio Vouga me dirigi a minha
casa com saude,
e gosando d'este bem achei a minha saudosa família sem me
esperar taõbem. Difse».
Em 6 de Outubro de 1848.
José Bap.ta d'Oliveira
JOAQUIM JOSÉ FERREIRA
BAPTISTA |