F. Ferreira Neves, A fundação da Associação Comercial de Aveiro, Vol. XIV, pp. 99-102

A FUNDAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO

COMERCIAL DE AVEIRO EM 1858

A ASSOCIAÇÃO Comercial de Aveiro foi uma das instituições que mais benefícios prestou a esta cidade.

Da sua fundação e actividades vou dar uma breve notícia como subsidio para a história económica de Aveiro.

Foi Nicolau Anastácio de Bettencourt, governador civil do distrito de Aveiro, quem promoveu a fundação da referida colectividade no ano de 1858, com o seguinte convite que mandou imprimir e distribuir, e do qual temos presente um exemplar:

«O Governador Civil do Distrito de Aveiro
aos Commerciantes desta cidade

São geralmente reconhecidas as vantagens que resultam do estabelecimento de Associações Commerciaes, tanto para o bem do Estado, como para o interesse dos individuos que compoem a classe mercantil.

Quando se manifestam tendencias tão pronunciadas para a organisação de Sociedades, em que os esforços collectivos dos associados preenchem fins de utilidade geral e especial, que não podem attingir as forças de cada um d'elles isoladamente empregadas: − quando se observam os frequentes serviços que prestam taes Sociedades e nomeadamente as Associações Commerciaes nas praças do Continente do Reino e ilhas adjacentes, aonde se acham instauradas: − não deixarão por certo os Commerciantes desta Cidade de considerar as conveniencias de uma instituição de tal ordem, agora mais que nunca reclamada em Aveiro pelo desenvolvimento do Commércio. / 100 /

Demais: − não é só para promover o que convier a favor deste importante ramo de riqueza nacional; − não é mesmo unicamente para velar pelos direitos dos associados, e representar aos Poderes Publicos tudo o que fôr conducente ao desejado augmento e livre transmutação dos produtos do paiz, que se torna necessario estabelecer aqui uma Associação Commercial.

É tambem, para que os membros desta classe respeitavel possam entrar sem perda de tempo na posse e fruicção das attribuições que lhe confere a novissima legislação especial para este Districto, nomeando d'entre si, logo que estejam constituidos em associação, um dos vogaes que tem de formar a junta encarregada, de superintender nas interessantes obras do melhoramento da barra desta Cidade.

Assim, pois, entendendo que haveria inconvenientes em addiar a organisação de que se tracta e persuadido de que todos os Commerciantes d'Aveiro estão bem compenetrados das rasões que aconselham a prompta fundação de um similhante estabelecimento; não hesito em convidal-os para se reunirem n'este Governo Civil no dia 29 do corrente a fim de se confeccionarem os estatutos pelos quaes se hade reger a Associação Commercial, confirmados que sejam com a competente approvação do Governo de Sua Magestade.

Bem certo estou de que os mesmos Negociantes acceitarão de boamente este meu convite, attendendo ao pensamento do bem publico que o dictou, e aos sinceros desejos da auctoridade a favor da classe a quem é dirigido.

Aveiro 18 de Setembro de 1858

NICOLAU ANASTACIO DE BETTENCOURT


Foi bem sucedido o Governador civil na sua iniciativa. De facto foi elaborado o projecto dos estatutos da pretendida associação, e por alvará de 25 de Novembro de 1858 foram aprovados, tendo ficado assim criada a «Associação Commercial de Aveiro».

Esta satisfez plenamente os fins para que havia sido fundada.

Mais tarde, a indústria começou a desenvolver-se também na cidade de Aveiro, e reconheceu-se a conveniência de associar os industriais, com os comerciantes. Por isso, fizeram-se novos estatutos, aprovados pela Assembleia Geral de 29 de Dezembro de 1904 e aprovados por alvará de 4 de Fevereiro de 1905, em virtude dos quais a antiga associação passou a denominar-se Associação Comercial e Industrial de Aveiro. / 101 /

O artigo terceiro dos novos estatutos definia assim os fins da associação:

«1.º Discutir, dentro dos limites das leis, todas as questões de interesse comercial e industrial, e particularmente aquelas que digam respeito às classes que compõem esta Associação;

2.º Representar aos poderes constituídos sobre todos os assuntos que interessem às mesmas classes;

3.º Iniciar, desenvolver e elucidar quaisquer assuntos ou melhoramentos comerciais e industriais que interessem directa ou indirectamente às classes de que se compõe esta Associação;

4.º Procurar colocação para os filhos que os sócios deixarem na orfandade, sem meios de subsistência, encaminhá-los na vida comercial ou outra qualquer, auxiliando-os segundo o seu comportamento e aptidão;

5.º Subsidiar dentro das forças do cofre, quando a Assembleia Geral o determinar, quaisquer estabelecimentos de instrução, onde principalmente sejam leccionadas as disciplinas que constituem a educação indispensável a um bom empregado do Comércio;

6.º Subsidiar nas mesmas condições quaisquer serviços públicos ou particulares que facilitem o movimento do comércio desta praça, nomeadamente a permanência dum rebocador para auxilio da navegação da barra de Aveiro;

7.º Finalmente, promover o desenvolvimento do comércio e indústria desta cidade e distrito por todos os meios legais.»

Oitenta e dois anos viveu a Associação Comercial de Aveiro, sempre com prestígio e desempenhando cabalmente as suas funções. Aveiro deve-lhe muitas iniciativas e melhoramentos e uma notável defesa dos seus interesses morais e materiais.

Foi a actual organização corporativa que concorreu para a extinção da Associação Comercial e Industrial de Aveiro. Com efeito, o decreto-lei n.º 24:715 de 3 de Dezembro de 1934 criou os Grémios do Comércio; o decreto-lei n.º 29:232 de 8 de Dezembro de 1938 permitiu transformar as associações comerciais em Grémios do Comércio.

A referida associação, por vários motivos resolve então transformar-se em Grémio. Elaboram-se por isso os estatutos do Grémio do Comércio do Concelho de Aveiro que são aprovados por alvará de 12 de Dezembro de 1940.

Os artigos primeiro e segundo destes estatutos são do seguinte teor:

Art. 1.º Em conformidade com o decreto-lei n.º 29:232 de 8 de Dezembro de 1938, a Associação Comercial e Industrial / 102 / de Aveiro transforma-se no Grémio do Comércio do concelho de Aveiro.

Art. 2.º O Grémio tem a sede em Aveiro e abrange o concelho de Aveiro.

Por alvará de 12 de Julho de 1941 a área de acção do Grémio foi alargada aos concelhos de Águeda, Albergaria-a-Velha, Anadia, Estarreja, Ílhavo, Mealhada, Murtosa, Oliveira do Bairro, Sever do Vouga e Vagos.

Terminarei esta notícia acerca da Associação Comercial de Aveiro com umas breves notas biográficas do seu promotor, que o foi também da Caixa Económica de Aveiro, utilíssima instituição de crédito que só há poucos anos foi extinta.

Nicolau Anastácio de Bettencourt nasceu na cidade do Funchal aos 14 dias de Fevereiro de 1810. Era filho do Dr. Anastácio Moniz de Bettencourt e de D. Ana Jacinta Bettencourt. Iniciou a sua brilhante carreira administrativa em Abril de 1833, com o lugar de secretário geral da prefeitura de Angra do Heroísmo, para o qual foi nomeado por D. Pedro IV. Exerceu o cargo de Governador civil de Aveiro desde 29 de Agosto de 1857 até 14 de Novembro de 1859.

FRANCISCO FERREIRA NEVES

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