J. Vieira Resende, A diocese de Aveiro. Um documento de 1778, Vol. XIII, pp. 236-239

A DIOCESE DE AVEIRO

UM DOCUMENTO DE 1778

(EXTRAÍDO DO «LIVRO DAS PASTORAIS»)

PELO Breve Militantis Ecclesiae Gubernacula de Clemente XIV, datado de 12 de Abril de 774, e a instâncias do Marquês de Pombal, foi criada a diocese de Aveiro, sendo nomeado poucos dias depois, a 18 do mesmo mês e ano, o seu primeiro bispo, D. António Freire Gameiro de Sousa, que foi sagrado em Lisboa a 25 de Setembro de 1777 pelo Arcebispo de Évora, D. João Cosme da Cunha.

Desde a criação da diocese e da sagração do bispo até ao início da sua actividade pastoral, decorreu um demorado interregno de quatro anos, que veio a terminar em 1 de Julho de 1778 com a sua entrada na sede episcopal.

Enquanto, porém, em Angeja se dava acabamento às obras em curso para o arranjo da projectada residência, veio ele instalar-se no antigo palácio dos Tavares Távoras.

Parece que muito pouco tempo(1) chegou a habitar aquela residência, passando o antigo palácio a ser a residência definitiva da 1.ª série dos bispos da diocese de Aveiro.

Escolheu o preclaro Bispo para Sé Catedral a Igreja da Misericórdia, que distava do Paço apenas uns poucos de metros.

Em 13 de Março de 1778, pouco antes, portanto, de ingressar em Aveiro, é expedida pelo Dr. José de Abrantes Ferreira, Provisor do Bispado, uma Carta Circular em que se declara que sejam adoptadas na nova diocese as Constituições e Pastorais da diocese de Coimbra, esclarecendo-se mais que o Prelado se decidira a proceder desta forma, por reconhecer a inconveniência de celebrar imediatamente / 237 / Sínodo, ou expedir Pastorais, sem que previamente tivesse conhecimento do modo de agir pelo interesse e necessidades espirituais das paróquias.

Por oportunidade, direi que durante o pontificado da 1.ª série dos bispos da diocese, foram readoptadas as mesmas Constituições, bem como as do Bispado do Porto para os casos omissos.

Vamos resumir cada uma das oito, como direi? prescrições ou determinações em que está dividido o documento que, com autorização do Prelado, devia desde logo entrar em execução, enquanto se não ordenasse o contrário.

Na 1.ª prescrição delega-se nos sacerdotes seculares e regulares, segundo a sua hierarquia, a faculdade de darem aos fiéis constituídos in articulo mortis, a bênção e a indulgência plenária, em conformidade com as determinações de Sua Santidade Bento XIV.

Na 2.ª estabelece-se que seja adoptado o Ritual de Paulo V, instando-se pelo seu uso, bem como pela observância cuidadosa das rubricas, sob pena de poderem ser aplicadas, aos párocos transgressores, penalidades segundo o critério do Prelado.

Na 3.ª prescrição marcava-se o tempo em que devia ser administrado o sacramento do Baptismo às crianças, estatuindo-se que nunca ele fosse demorado além de oito dias após o nascimento, cominando, com as penas decretadas na Constituição, aquelas pessoas que tivessem a seu encargo e vigilância essas crianças e o cumprimento desse grave dever.

Pela 4.ª prescrição são os párocos incumbidos de instruir e admoestar os esposos, afim de realizarem os seus casamentos no prazo de 20 dias, quando lhe não obstasse quaisquer impedimentos e, havendo-os, indicar-lhes o recurso ao Prelado que lhes ampliaria o prazo para poderem remover o óbice. Não cumprindo eles as instruções recebidas, determinava-se que fossem excluídos dos ofícios divinos, até que se resolvessem a contrair o matrimónio e a pagarem uma multa em benefício da Confraria do Santíssimo.

Ainda que o documento não seja explícito, parece que aquele prazo de 20 dias se deve referir à data do contrato esponsalício.

Na 5.ª determinação são os párocos prevenidos de que, no exercício do seu ministério, não aplicassem arbitrariamente as multas pecuniárias, mas, sim, em conformidade com o Direito, como seja para a Sé, ou para o Meirinho.

Quando as Constituições não especificassem, seriam destinadas pelo Prelado à paróquia.

Na 6.ª são encarregados os párocos de admoestarem os cônjuges que têm vida marital separada, a que dentro de / 238 / dois dias passem a viver conforme as leis do consórcio.

Não cumprindo eles, ordena-se que fossem notificados com a pena de prisão, se dentro de três dias se não apresentassem ao Vigário Geral afim de receberem as instruções necessárias para a salvação das suas almas.

Na 7.ª prescrição impõe-se aos confessores, sob pena de suspensão das suas ordens, a obrigação de reformarem as respectivas licenças dentro de quinze dias, a contar do prazo que lhes fora concedido pela antiga licença.

A 8.ª onera os capelães com o ensino da doutrina às crianças e ao povo.

Segue o documento:


«O Dr. Joze de Abrantes Ferreira, Prior da Parochial Igreia de Santa Marinha de Alcherubim, Provizor, Juiz dos cazamentos e habilitassoens de genere vila et moribus nesta cidade e Bispado de Aveiro pelo Ex.mo Rev.mo Sñr. D. Antonio Freire Gameiro de Souza, por mercê de Deus e da Santa Sé Apostolica, primeiro Bispo de Aveiro do Concelho de Sua Magestade Fidelissima que Deus guarde, etc.

Fasso saber a todas as pessoas assim ecleziasticas como seculares deste mesmo Bispado que, conciderando Sua Ex.ª Rev.ma por hua parte a urgente neçecidade de estabeleçer leis saudaveis, conforme aos sagrados canones e deciplina da Igreia para o bom regimen da Sua Dioceze, e, pela outra, nam lhe he possivel prezentemente Selebrar Synodo, nem ainda formar e expedir Pastorais sem que primeiro lhe conste por informações exatas e com maior certeza por conhecimento proprio dos estados das parochias, para lhes aplicar as providencias segundo a neçeçidade em que se encontrarem, para o que tem detriminado dar prinçipio com a possivel brevidade (ilegível) Pastoral. Entre tanto, que não executa aqueles proprios e importantes meros com a tenção em que esta sua Dioceze foi desmembrada por beneplacito Regio e Authoridade Apostolica da de Coimbra, assás cultivada pelas sabias instrussoens do seu actual vigilante prelado, me detremina o mesmo Senhor que, por esta Carta Circular, lhes participe que tem deliberado adoptar as constantes Pastorais do mesmo Bispado de Coimbra no que estiver em via e manda se observem emquanto não ordenar o contrario e que especialmente declara o seguinte = Que delega aos Rev.dos Parocos perpetuos e amoviveis, encomendados, curas, coadjutores e bem assim aos prelados das Relegioens e a todos os saçerdotes actualmente aprovados para ouvir confissoens, assim seculares como regulares, e confessores ordinarios das Religiosas de qualquer instituto deste Bispado, a faculdade de poderem dar a benção e aplicar a indulgencia plenaria aos moribundos, observando a forma da sua aplicação prescripta pelo Santo Padre Benedito decimo quarto, para cuja delegação empetrou o mesmo Senhor graça da Sé Apostolica, havendo os mesmos moribundos reçebido os sacramentos, e, nam os podendo receber, invocarem comtritos o Santi.simo nome de Jezus com a boca, ou não pudendo com o coração.

= Que os referidos Parocos na administração dos sacramentos uzem do Ritual de Paulo quinto, instruindo-se nas rubricas preçedentes a cada um delas prescriptas no mesmo Ritual, com a cominação de que não observando a lei, se lhe dar em culpa e serem punidos ao arbitrio do mesmo Senhor. = Que não consintão os mesmos Rev.dos Parocos se dilate o Bap.tismo nem ainda a impuzição dos Santos Oleos ás crianças por mais de outo dias, por qualquer protexto que seia e que, no cazo de omissão culpavel, executem a pena da Const. nas pessoas obrigadas.=Que os mesmos Rev.dos Parochos admoestem os espozos respectivamente ás suas freguezias a que / 239 / contraihão matrimonios no termo de vinte dias nam obstando impedimento ou justa cauza para se dilatarem, e havendo cauza ou impedimento recorram os mesmos espozos ao dito Sñr. ou ao seu Provizor para se lhe conceder tempo que se julgar necessario para a sua expedição, e que, não o cumprindo assim, os mesmos Rev.dos Parochos os ivitem dos oficias divinos the se aprontarem para receberem e pagarem quinhentos reis cada hum deles, sendo ambos remissos, e não o sendo mais que hum, contra este proçederão na sobredita freguesia, cujas penas pecuniarias serão aplicadas ás confrarias do Santh.simo das proprias parochias e que, se ainda assim não obedecerem, dem conta os mesmos Rev.dos Parochos ao Provizor que mandará proceder a mayores penas, parecendoolhe justo e necessario.

= Que havendo os Rev.dos Parochos de executar as penas pecuniarias estabeleçidas e determinadas nas Constituições ou pastorais, as nam apliquem a seu arbitrio, mas sim na forma que se acharem aplicadas, como por exemplo para a Sé ou Meirinho, ou parte para a Sé e parte para o Meirinho, e que nam se achando aplicadas, o mesmo Senhor as aplica á fabrica da respectiva Parochia, e que de nenhum modo multem, por authoridade propria a qualquer pessoa ou por qualquer desordem, em penas pecuniarias e fora dos expressos nas ditas Constituições e Pastoraes. (...) = Que constando aos Rev.dos Parochos que alguns conjuges, seus respectivos freguezes vivem separados e por (pro)pria authoridade, os admoestem a que se ajustem e vivam no conçorçio e, nam obedecendo eles no termo de dois dias, os notifiquem e fassam nothificar com pena de prizão para que no de tres comparessam cada hum deles com o seu respectivo consorte na prezença do D.r Vigario Geral, a fim de que o mesmo ministro lhe mande e prescreva o que julgar mais conducente ao serviço de Deus e salvassam de suas almas, segundo os meyos e dispozissoens do Direito. E darão conta ao dito menistro remetendo-Ihe as cer.tes de que foram notheficados e que assistindo nas suas parochias algumas pessoas das quaes conste por certeza ou fama que sam cazados e nam vivem com suas consortes dem conta sem demora ao D.r Vigario Geral.

= Que os Rev.dos confessores seiam obrigados, depois de se lhe finalizarem as licenças, a obter novas no termo de quinze dias, fiquem suspensos do exercido de suas ordens salvo impetrarem recurso ou dispença dentro do mesmo tempo, e que os Rev.dos que se acharem dispensados se aprovarem confessores ou com recurso aprezentem os seus papeis, ao mesmo são dentro de hum mês (roto, o doc.)

= E que os capelaens não desistam explicar aos meninos e mais povo a doutrina christãn, como lhes está, e que nam o cumprindo assim, os Rev.dos Parochos em virtude e formal obediencia dem conta ao D.r Vigario Geral para que se proçeda contra eles, como for justo.

E para que venha a noticia de todos mando ao escrivão da Camara Eclesiastica reziste esta Carta Circular, e depois se envie aos Rev.dos Parochos para que a tresladem no livro das Pastoraes e a leiam no primeiro Domingo ou dia Santo, estando o povo junto.

Dada em Aveiro sob o meu signal e selo das Armas de Sua Ex.ª Rev.ma aos treze de Março de mil e setecentos e setenta e outo.

E eu P.e Francisco da Silva, escrivão da Camara ecclesiastica o subscrevy = Joze de Abrantes Ferreira = Selo = Lugar do selo + = Ferreira=

Carta Circular de Adopção das Constituições e Pastoraes do Bispado de Coimbra no que estiver em uzo para se observarem neste de Aveiro em quanto Sua Ex.ª Rev.ma' nam mandar o contrario =:= Conferida = Sylva.»

P.e JOÃO VIEIRA RESENDE

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(1)Angeja, pág. 34, de RICARDO N. SOUTO (1937).

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