Ouro suado doura a vida;
Ouro sem ser suado desdoura a vida.
ABADE AREDE
Só cai o que não tem razão para estar
de pé; por isso a virtude é eterna.
ABADE AREDE
ADVERTÊNCIA
A
PEDIDO de algumas pessoas de elevada posição social pelo seu provado
mérito e comigo simpatizantes, resolvi escrever estas minhas Memórias
que representam um exemplo vivo de trabalho e sacrifícios meus, durante
uma longa vida em desempenhar, o melhor possível, a acção da Igreja nas
freguesias que os meus Venerandos Bispos me confiaram.
Filho da obscuridade desprotegida, procurei sempre, desde pequeno, o
trabalho honrado, como virtude.
Pela vida fora encontrei Amigos, Benfeitores e Protectores, que
adiante vão nomeados, e não me acusa a consciência de lhes ter
faltado, em tempo algum, com o testemunho da minha sincera gratidão que
julgo ser o primeiro de todos os deveres.
E também, no decurso da minha vida de padre,
fui sempre honrado com a
afectuosa estima dos meus Superiores hierárquicos, e ainda com a boa
camaradagem e confraternidade dos meus colegas.
Que estas minhas Memórias sirvam de estímulo e de lição para muitos que
delas saibam tirar algum proveito. Assim o entenderam as pessoas que me
pediram a sua publicação.
/
130 /
I
Os meus estudos da infância e a minha vida de pastor
de rebanhos.
Nasci de pais humildes e
pobres, em 11 de Dezembro
de 1869, na freguesia de Macieira de Alcoba, do concelho de Águeda, na região caramulana. (V. Reg. paroquial, n.º
4 a fl. 32, v.º,
do ano de 1892). Foram meus pais − Manuel de Arede e Iria Marques.
Em pequeno frequentei a Escola Primária da minha freguesia, de que era prior e professor o P.e José Luís Monteiro.
E foi este quem me habilitou para o exame de Instrução Primária (2.º grau) que fiz no Liceu de Aveiro.
Em 2 de Abril de 1883 fiquei órfão de pai, mas continuando a receber do mesmo professor lições de latim e francês, em todos os dias não feriados, desde as 7 às 10 horas da
manhã e após a refeição do jantar, que constava habitualmente de uma tigela de caldo de hortaliças com carne de
porco e um naco de broa, ia guardar cabras e ovelhas pelos
montes e vales, ao tempo baldios, onde, bastantes vezes, tive
que fazer frente aos lobos esfomeados, correndo-os à pedra
e a cajado, quando apareciam para assaltar o rebanho(1).
De madrugada, em todos os dias da semana, tinha de
ajudar à missa na igreja. Este religioso serviço, com a austeridade do prior, fez-me propender para a vida eclesiástica.
Porém uma dificuldade obstava à minha vontade − a falta de
recursos. Apesar de tudo, não interrompi as minhas lições
dadas pelo professor sem aborrecimento e sempre da melhor
vontade.
II
Esperança com ânimo resoluto.
Não vivia satisfeito por entender que não era vida, aquela minha vida de
capucha pela cabeça e caída pelos ombros, e
com bastante fome e pés descalços, a guardar cabras e ovelhas!
Com a luz interior da minha Fé, esperei resoluto na Providência divina que vela sempre pelos desprotegidos que desejam, a
valer, ser alguém na vida.
/
131 /
E assim:
Em uma tarde de verão, estando eu de pé, no meio do
rebanho, sobre uma lájea, adregou passar, a pouca distância, um velho
chamado Bernardo Henriques Soares, da vizinha
povoação da Matadegas, de S. João do Monte, confinante com Macieira de Alcoba. O bom velho, ao ver-me, quis saber que livro eu trazia na mão:
−
A gramática latina, lhe
respondi. E daí o princípio da conversa entre ambos que demorou um bocado, tendo a mesma incidido
sobre a minha vida e habilitações escolares. O mesmo Bernardo Henriques
Soares, depois de ter ouvido contar a minha vida em seus detalhes,
ofereceu-se-me para escrever ao Dr. Alexandre de Seabra, de Anadia, de
quem
era amigo, a pedir a sua valiosa
protecção, para mim, ao Reverendíssimo Bispo Conde, de Coimbra, no
sentido de ser admitido no Seminário, como estudante gratuito. E logo o
meu coração se alegrou com este generoso oferecimento, renascendo
imediatamente em mim uma nova esperança.
Escrita, aceite e agradecida a carta com muito prazer, parti à casa do Dr. Alexandre de Seabra que me recebeu no seu
escritório. Entreguei-lhe a carta que, pausadamente, leu. fitando-me com
serenidade, porte grave e austero. No seu todo, que me infundiu
respeito, tive a noção de ter encontrado no Dr. Alexandre de Seabra um homem generoso, ilustre e ilustrado.
E não me enganei. Deu-me uma carta de recomendação para o Reverendíssimo
Bispo Conde.
III
A minha entrada em Coimbra para o estudo, e acção benemérita do Doutor
Alexandre de Seabra, continuada após o falecimento deste, por sua Ex.ma Esposa,
Filha e Netas.
Com a carta de recomendação,
já referida, fui ter com o Reverendíssimo Bispo Conde que me recebeu no
seu Paço Episcopal de Coimbra.
/
132 /
Após a leitura da mesma
carta, disse-me Sua Excelência
Reverendíssima que ia providenciar no sentido de eu poder
cursar as aulas no Seminário, como aluno externo, e nele
jantar todos os dias, e ainda receber da sua tesouraria o
dinheiro preciso para o aluguer de um quarto na cidade.
Comuniquei esta resolução do Excelentíssimo Prelado
ao Dr. Alexandre de Seabra para seu inteiro conhecimento.
|
|
|
|
Bispo-Conde
D. Manuel Correia de Bastos Pina |
|
E assim renasceu, mais uma vez, o meu ânimo por ver
que o Dr. Alexandre de Seabra e o Bispo Conde, almas nobres,
não me abandonavam, mas antes desejavam auxiliar-me na minha preocupação e aspiração ao sacerdócio, tendo eu concebido, desde então,
as maiores esperanças que, a seu tempo,
vi realizadas. E nesta esperança fui sempre animado pela
bondosíssima Esposa do Dr. Alexandre de Seabra − D. Justina Cancela de Seabra.
Dois anos depois da minha ida para Coimbra, faleceu
o Dr. Alexandre de Seabra no seu solar de Anadia, tendo
ficado a proteger-me sua Ex.ma Viúva que, com carinhosa
/
133 / solicitude, me encorajou e prestou auxílio pecuniário e moral
na continuação dos meus estudos. Faleceu esta minha desvelada protectora em 27 de
Julho de 1893.
E nesta acção benemérita do Dr. Alexandre de
Seabra e de sua virtuosa Esposa, tomaram parte a nobilíssima D. Maria
Emília Seabra de Castro, dedicada Esposa do Conselheiro de Estado −
José Luciano de Castro, e suas Excelentíssimas Filhas − D. Henriqueta
Seabra de Castro e D. Júlia Seabra de Castro que, com raro sentimento de
afecto para comigo, me dispensavam também carinhoso auxílio, mantendo
assim as tradições da Casa
Alexandre de Seabra, de
Anadia.
NOTA. − Na minha vinda para Cucujães, em Agosto de 1900,
fui mimoseado com 2 contos de reis pelas Ilustres Senhoras − D. Henriqueta
e D. Júlia Seabra de Castro. À memória das mesmas aqui registo o preito da minha eterna gratidão.
IV
Meus estudos. Dispensa do Património para a minha ordenação; celebração da minha Missa nova.
Desde 1887 a 1889 estudei alguns preparatórios como aluno externo do Seminário, onde vim a ser admitido, como gratuito,
em 1890, tendo no mesmo continuado os últimos estudos preparatórios e, a seguir, cursado os estudos teológicos que conclui no ano de 1893. Fui dispensado do património, para a minha ordenação, pelo Pontífice Leão XIII.
Tomei a Ordem de Presbítero, em Coimbra, à 8 de Outubro de 1893 e, no Domingo a seguir a esse dia, rezei a
primeira Missa na Igreja da minha terra de Macieira de Alcoba,
a que assistiu todo o povo da freguesia. Foi Assistente o Reverendo
Padre Joaquim Pereira de Arede e Silva, Vigário
/
134 / de S.
João do Monte. E para alegrar o feliz acontecimento
de volta à pequena casa paterna, foi preparada uma galinha, e metida com
batatas numa panela de barro posta à fogueira.
Depois de pronta, foi tirada para um tacho de onde me servi
com o Reverendo Assistente, minha Mãe e três irmãos. Assistiram também dois vizinhos ao pequeno banquete, tendo entrado cada um com a sua cabaça de vinho. Esta
festa pobre, mas de grande satisfação, foi à lareira da arruinada e
velha casa onde
eu tinha nascido, e visto morrer meu Pai de um ataque apoplético e minha
Avó materna em consequência da turra de um carneiro.
A mesma casa, mandada reconstruir por mim e hoje desabitada, ainda me
aviva, neste crepúsculo da minha vida, a saudade dos alegres e felizes
dias que nela passei em minha infância e, ao mesmo tempo, entristece o
meu coração por ver, naquele lar sem vida, com a minha morte que não
pode já vir longe, o acabamento da família «Domingues»
(2),
de remota ascendência, em Macieira de Alcoba, terra que me serviu de
berço e onde me criei, e que não me servirá de sepultura por ter passado
a outras terras maiores no exercício das minhas funções de pastor de
almas.
NOTA. − Quando aluno externo do Seminário, fui subsidiado com uma libra
em ouro, em cada um mês escolar, pelo meu bondoso Amigo João Ferreira
de Andrade Couto, estudante da Faculdade de Filosofia da Universidade de
Coimbra.
Foi, o mesmo, Cônsul dos Estados Unidos do Brasil, em Corunha (Espanha),
onde faleceu. À memória deste meu Benfeitor aqui registo o preito do meu
eterno
reconhecimento.
/
135 /
V
A minha saída do Seminário de Coimbra para a
vida
paroquial, e acção benemérita do Conselheiro José Luciano
de Castro.
Concluídos os meus estudos no Seminário, tomou-me
sob a sua alta protecção o Conselheiro José
Luciano de Castro, a quem
devo a minha apresentação nas igrejas onde desempenhei o meu munus
paroquial.
Essas igrejas foram:
a) A de Santigo do Louriçal, do
concelho de Pombal,
distrito de Leiria, diocese de Coimbra, como Coadjutor, desde 18 de Outubro de 1893
a 24 de Novembro de 1897.
b) A de Santiago de Souselas, do Concelho e distrito de Coimbra, dá mesma
diocese, desde 2 de Junho de 1898 aos meados de Julho de 1900.
c) A de S. Martinho do Couto de Cucujães, Concelho de Oliveira de Azeméis,
distrito de Aveiro, diocese do Porto, desde 12 de Agosto de 1900 até à minha resignação, por impossibilidade física, em 20 de Outubro de 1932, e aceite pelo meu Venerando
Prelado em 7 de Novembro do mesmo ano. E em Setembro de 1933 foi-me dada a
aposentação.
NOTA. − Desde a minha saída de Coadjutor da igreja do Louriçal
até à minha ida para Vigário da igreja de Souselas, exerci o cargo de
Capelão no Asilo dos Inválidos Militares, de Runa, do Concelho de Torres Vedras.
/ 136 /
VI
O Conselheiro José Luciano de Castro, desde que me
tomou sob a sua protecção até à sua morte, admitiu-me
sempre à sua intimidade e confiança, a que correspondi
também sempre com amor e reconhecimento.
Passei bastantes dias, e até semanas, com o Conselheiro José Luciano de Castro, tanto no seu solar de Anadia como
no de Lisboa, e muitas vezes o acompanhei na sua carruagem
ao Ministério do Reino quando ele era Presidente do Conselho de Ministros. Era uma alma nobre e pura, como tive ocasião de ver
pessoalmente
em sua íntima convivência e amizade.
Dele recebi sábios conselhos para a orientação da minha vida, quer na
Igreja, quer na Sociedade, tendo mostrado, para mim, ser um continuador
pontual da acção de seu sogro,
Dr. Alexandre de Seabra.
Para honrar e distinguir, portanto, a santa memória destes meus
venerandos e saudosos Protectores, e ainda
das pessoas da sua ilustre família, permito-me reproduzir, aqui, o
discurso que proferi em Anadia, quando da inauguração do monumento ao
Conselheiro de Estado − José Luciano de Castro, no dia 1 de Agosto de 1923.
Eis, a seguir, o discurso que traduz fielmente a justiça
da minha eterna gratidão:
Ex.mo PRESIDENTE DA COMISSÃO:
Ex.mas VIÚVA E FILHAS DO CONSELHEIRO
JOSÉ LUCIANO DE CASTRO:
MINHAS SENHORAS:
MEUS SENHORES:
Quem és tu que vens falar na inauguração deste monumento
consagrado à eterna memória do eminente e saudoso estadista que foi o Conselheiro José Luciano de Castro,
perguntareis vós!
/
137 /
Eu, meus Senhores, sou um filho de Macieira de Alcoba, na Serra do
Caramulo, onde, em pequeno, fui pastor de cabras e ovelhas que, muitas
vezes, defendi da boca dos lobos, e hoje abade do Couto de Cucujães,
tendo passado de pastor de inocentes rebanhos a pastor de almas,
somente por generosidade da Excelentíssima Família Seabra de Castro, de
Anadia, que,
para mim, tem sido uma verdadeira Mãe adoptiva, a quem
tudo devo na vida.
Meus Senhores:
O nome da «Casa José Luciano
de Castro» hoje «Casa
de Dona Maria Emília Seabra de Castro» e, anteriormente, «Casa do Doutor Alexandre de Seabra», é dignificado e enobrecido,
desde muitos anos, pela sua caridade e beneficência, tornando-se por
isso muito conhecido não só nos grandes centros, mas também nas aldeias
mais sertanejas de Portugal,
onde se ouve falar dele com admiração e respeito.
E com justificada razão, porque:
Amar os pobres, praticando a caridade sem alarde, e
fazendo o bem só pelo bem, tem sido e é o brasão da velha «Casa do
Doutor Alexandre de Seabra», continuado religiosamente pelo ilustre
português José Luciano de Castro e, sem interrupção, sustentado ainda,
como honrosa tradição da Casa, pela virtuosa Família do insigne
Estadista, a quem foi erecto este monumento, como símbolo de gratidão
dó povo desta pacífica e laboriosa terra de Anadia!
E assim:
Quanto não devem à generosidade do grande cidadão e
perfeito homem de bem, que foi José Luciano de Castro, e da sua Ilustre
Família, tantos filhos de Portugal!?
− Uns, elevados à dignidade do Sacerdócio, desempenhando a sua grandiosa
missão em proveito da Igreja e da Sociedade!
− Outros, difundindo os frutos da sua instrução em elevados cargos que ocupam
na Sociedade com muita competência e recta consciência!
− E ainda outros que estão recebendo grandes benefícios que a
Excelentíssima D. Maria Emília Seabra de Castro e suas gentilíssimas Filhas, Senhoras de vida e costumes santos,
almas de eleição e dignas herdeiras das belas qualidades e altas
virtudes morais, cívicas e religiosas do sábio jurisconsulto Doutor
Alexandre de Seabra e do homenageado Estadista José Luciano de Castro,
repartem constantemente com carinho e amor, conservando e ilustrando,
desta forma, os pergaminhos desses seus queridos antepassados, sem
esquecer a virtuosa D. Justina Cancela de Seabra, cuja memória
recordarei sempre com respeito e saudade!
E hoje, que o brioso e inteligente povo bairradino se levanta no mais
alto transporte de alegria e reconhecimento
/
138 /
para prestar a sua justíssima homenagem à memória do Conselheiro José Luciano de Castro com a erecção deste monumento, e dar ainda um público testemunho de gratidão à
Família que ficou do mesmo Estadista, e que tanto bem tem
feito a esta terra e fora dela com o seu bondosíssimo coração e
dedicações beneméritas, permiti, meus Senhores, que eu
consagre algumas palavras de verdade e justiça à Casa e
Família Seabra de Castro − providência viva de muitos infelizes, amparo
dos pobres e benfeitora dos humildes, motivo
porque vim de Cucujães associar-me a esta glorificação do
lídimo português e meu boníssimo Amigo, o Conselheiro José Luciano de
Castro, cuja vida particular foi um exemplo, e sua vida pública, uma
glória!
Desde que deixei a vida de pastor e conversei com o Conselheiro José
Luciano de Castro, em Anadia, dele fui
amigo até à sua morte e, com esta, perdi o maior Amigo que conheci na
vida!
Para avaliar a grandeza de alma do Conselheiro José Luciano de Castro,
vou referir, com exactidão, um caso passado comigo:
Em 27 de Julho de 1893, ao primeiro canto do galo, saí de Macieira de Alcoba, descendo os caminhos ásperos dos
montes caramulanos em direcção a Anadia, onde cheguei às
quatro horas da tarde.
Motivo desta jornada: Pedir à bondosíssima Dona Justina Cancela de Seabra, viúva do Dr. Alexandre de Seabra, para escrever ao Reverendíssimo Bispo Conde, de Coimbra,
a fim de Sua Excelência Reverendíssima dar a Ordem Sacra de
Presbiterado no próximo mês de Setembro. E ao entrar na «Casa Seabra de
Castro», muito cansado da grande jornada feita a pé e debaixo de um
calor tropical, tive imediato conhecimento da morte de D. Justina
Cancela de Seabra,
ocorrida ali poucas horas antes. Fiquei silencioso e triste do íntimo da
alma. Passei a uma sala contígua, já de janelas cerradas e cortinas
corridas.
Dentro em pouco veio ter comigo o Conselheiro José Luciano de Castro, e
fomos naturalmente levados a conversar a respeito das virtudes da falecida, e da sua falta à Família, e
ainda a mim que, por ela, nutria a maior veneração, o maior respeito e o
mais vivo sentimento de gratidão.
E o Conselheiro José Luciano de Castro, em
seguida, pediu-me que
continuasse eu a ser amigo da Casa, como
fora do Dr. Alexandre de Seabra e da virtuosa Esposa. − Dona Justina
Cancela de Seabra, e contasse, em todo o tempo, com a sua protecção.
/
139 /
Que grandeza de alma, meus Senhores, a do Conselheiro
José Luciano de Castro!
A sua benemérita e abençoada memória,
portanto,
terá sempre um altar de Justiça eterna no meu coração
agradecido!
Perdoai, Senhores, estas
referências ao meu nome, mas...
nelas só fala o meu coração a transbordar de reconhecimento para com o
Conselheiro − José Luciano de Castro e Santa Família, a quem
protestarei, enquanto vivo, o meu eterno
amor e a minha eterna gratidão!
E cumprindo, neste acto, um dever de justiça:
− Bendirei a santa memória do Conselheiro
− José Luciano de Castro, e a Casa que ainda conserva o seu nome glorioso
− Casa
de Religião, que anima e conforta a todos, e de Caridade, que consola e
acode quando vir lágrimas!
− Bendirei o nome honrado do Conselheiro José Luciano de Castro e o da
sua ilustre Família que me agasalharam com ternura e amor quando,
confiado na sua alma extremosa e magnânima, desci a Serra do Caramulo e
vim bater à sua porta que logo se me abriu, tendo irradiado para mim,
desde aí, uma nova vida com novos horizontes!
− Foi a «Casa José Luciano de Castro» a sombra amiga que me protegeu na
minha vida de estudante em Coimbra, e depois na minha colocação para ser
útil à Igreja e à Pátria!
De contrário:
− Sem esta Casa de Religião e Caridade, continuaria a
resignar-me, não sei por quanto tempo, com a minha condição de pastor na
Serra do Caramulo!
− Sem esta sombra amiga, não teria sido elevado à dignidade sacerdotal,
e depois subido à honrosa posição que tenho na Igreja e na Sociedade!
Por isso:
Para a Excelentíssima Família José Luciano de Castro, aqui presente, eu ergo as minhas mãos
− Família abençoada que acaba
de mostrar, mais uma vez, a grandeza da sua bela alma com a instituição
e dotação do
«Hospital-Asilo − José Luciano de Castro», lustre da mesma Família e
verdadeiro foral da sua nobreza, outorgado com amor a esta terra de
Anadia!
E agora, perante este
monumento, que evoca a saudosa e benemérita memória do Conselheiro José Luciano de Castro que foi Amigo
leal e dedicado da Pátria, do Trono, do Altar, e dos Pobres,
me inclino com respeito e veneração!
/
140 /
VII
A minha actuação beneficente na Igreja de Souselas
e na do Couto de Cucujães, quando seu pároco colado
(3).
1.º Na freguesia de Souselas. Na ocasião da minha
entrada pela porta principal da igreja, como seu vigário,
não me agradou o aspecto da mesma no seu interior.
E assim se me deparou:
a) O arco cruzeiro com o seu fecho central pouco firme e desviado da sua verticalidade.
b) A parede do presbitério, levantada detrás do Altar-mor, fendida pelo meio em toda a sua altura, a ponto de se
poder ver, de dentro da igreja, o passal contíguo.
E fora da igreja:
c) O cemitério junto da igreja, dando caminho para a
mesma, com um amontoado de ossadas humanas a um canto e sem coberto
algum.
d) O relógio da torre desconsertado.
e) Uma capela em ruínas no meio da povoação de
Souselas.
Posto isto:
Fui de encontro às indispensáveis obras de reparação na
igreja, como de maior necessidade. Dentro em pouco convoquei os vogais da Junta de Paróquia, de que eu era o presidente nato,
para estudar e resolver, em sessão, a efectivação das referidas obras.
Para este meu intento, adverti os paroquianos, à Estação da Missa Conventual, de olharem pela
igreja, como Casa de Deus. E com esta minha apelação a bem da igreja, acrescida do meu esforço e diligência, consegui interessar o povo da freguesia que, de alma e coração,
se prontificou logo para todos os sacrifícios compatíveis com
as suas posses e forças.
E daí o pagamento voluntário de duas côngruas, da
mesma taxa da arbitrada ao pároco, sem lançamento de contribuição obrigatória que, juntamente com o produto da venda de inscrições de uma extinta Confraria da Igreja, deu o necessário para custear as despesas com as supraditas obras, e ainda
com o conserto do relógio. E tudo isto com o auxílio dos
lavradores
/
141 / que tomaram o encargo de dar madeiras e condução de todo o
material preciso para as mesmas obras.
E quanto à supradita Capela, foi reconstruída a expensas minhas e de um
paroquiano muito meu amigo chamado Abraão Cohen.
2.º Na freguesia do Couto de Cucujães. Ponderando, logo de princípio da
minha paroquialidade, a necessidade de
reparos e melhoramentos na igreja, empreguei todo o meu
cuidado, durante o meu tempo de pároco, em patrocinar a ideia da sua
realização. Para este fim, tomei a iniciativa de
falar com pessoas piedosas, de teres, e de brio patriótico. Essas pessoas
perfilharam o meu pensamento, pondo-se à
minha disposição.
Registo dos Beneméritos pela
ordem cronológica e suas
respectivas benemerências:
1904 |
a) De Domingos José Marques da Silva, de Casal Novo e Julião
Fr.co
Gonçalves, de Matadegas, S. João do Monte
− Duas credências − uma em cada parede lateral do Altar-mor e, em cada uma
destas, três nichos, e revestimento da Capela-mor
com escaiola . . . . . . |
120:00 |
1906 |
b) De António da Costa Sol, de Vila Nova
− Um relógio padrão e seu assentamento na
torre da igreja . . . . . . . . . . . . . . |
499:55 |
1910 |
c) De António Ferreira da Costa, do Marco
− Reconstrução do coro da igreja em vigas
de ferro, e compra e assentamento de mosaico no centro do pavimento do
corpo
da igreja . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . |
700:00 |
1917 |
d) De Bernardino José Ferreira, da Costa
− Refundição do sino grande da
torre da igreja
com o peso de 837,680 kg, compra de uma
Custódia, um cálix de prata, e de uma
estola e âmbulas . . . . |
581.20 |
/
142 /
1918 |
e) De Teresa Gonçalves, de
Vale Grande
− Reforma do Altar do
Crucificado, na igreja,
e, de sua iniciativa, a aquisição do painel para o camarim da capela-mor
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
405:00 |
1920 |
f) De Joseph Manta, do
Picoto, mas residente em Provincetown, Mass,
na América
− Um carro fúnebre e sua casa de arrecadação, e um Fundo monetário para
a sua conservação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . |
5.776:78 |
1925-1926 |
g) De D. Claudina Alves Machado Brandão,
de Vila Nova
− Reconstrução do altar de
N. S. do Rosário e seu douramento, compra
das imagens de S. José e S. Domingos, de um Sacrário, vestimentas
sacerdotais, confessionários e azulejos de relevo para adorno das
paredes interiores da igreja |
25.622:24 |
Mais:
Da iniciativa desta ilustre
benemérita, por pessoas suas amigas . . . . . . . . .
|
4.927:00 |
1926 |
h) De D. Maria Amélia Pinho e sua irmã
D. Sara Pinho
− três lâmpadas de metal
branco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . .
|
1.339:40 |
i) De Artur de Castro, de
Faria de Baixo
− Restauração, pintura e douramentos do
púlpito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
|
1.350:00 |
1927-1928 |
j) De Manuel Alves Soares, de Rebordões
− Reconstrução e adorno do altar
da N. S. da
Soledade . . . . . . . . . . . . . . . . .
|
13.024:09 |
(Para esta quantia concorreram João Afonso
Alves Soares com 1.000:00,
e Manuel de Oliveira (o da Fonte) com
2.000:000).
|
/
143 / |
1930 |
I) A expensas do povo da freguesia
− Revestimento da cúpula da torre com, azulejos brancos, e do frontispício da igreja
com azulejos de relevo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . .
|
18.231:05 |
(Do Fundo Joseph Manta foram tirados 2.000:00
para esta quantia). |
|
|
Total das quantias dadas e dispendidas em
reparos e melhoramentos na igreja da freguesia de Cucujães, desde 1904 a 1930
- Escudos . . . . . . . . . . |
72.576:31 |
NOTA. −
A instâncias minhas foi mudado o Cruzeiro
grande do Largo da
Igreja para o terreno das Alens, em 1905. O trabalho importou em 130:000
reis. E assim ficou mais acomodado, mais alegre e de largas vistas, o
caminho das Procissões da Igreja que, anteriormente, seguia pelo
caminho fundo e apertado, que ladeia, a norte, a cerca do reextinto
Mosteiro Beneditino até à cruz de pedra na bifurcação dos dois caminhos
que ligam com a Estrada da Igreja (Feirral).
D. Claudina Alves Machado
Brandão, supra mencionada, beneficiou a Capela de S. Luzia com um Altar
mor.
E a propósito: O mesmo Altar foi da Capela particular da Casa apalaçada do Coto de Fajões. com a inovação de S. Pedro, fundada por
um familiar do Santo Oficio. quando funcionário do Tribunal da
Inquisição que existiu, em Fajões, e exerceu sua acção na referida Casa,
que, ainda hoje, conserva a cadeia inquisitorial, desse tempo já
distante.
A denominação − Casa do Coto
− compreende a totalidade das casas suas
circunvizinhas, tendo estas sido moradias dos familiares do Santo
Oficio, e aquela servido de Tribunal.
Os moradores que foram sucedendo na dita Casa do Coto guardaram e
respeitaram sempre, após a extinção do Tribunal, os autos criminais e
sentenças judiciais, até cerca do ano 1920. E, neste tempo, os seus
proprietários (homem e mulher), ambos professores primários. entenderam
por bem tirar os referidos autos e sentenças do seu arquivo, e lançá-los
ao pátio da Casa, sem atentarem no seu valor histórico que, para eles,
era grego!
VIII
Joseph Manta demoveu a sua ideia no sentido de
beneficiar Cucujães, somente depois da leitura do livro
«Cucujães» , e troca de alguma correspondência com o seu
autor-abade João Domingues Arede.
Explicação da epígrafe deste capítulo:
Joseph Manta, há muitos anos residente em Provincetown, Mass., na América, resolveu, cerca do ano de 1910, beneficiar a
igreja e socorrer os pobres da sua saudosa terra de Cucujães, e achou
prudente escrever antes a algumas pessoas
/
144 / de Cucujães, do seu tempo e conhecimento,
no sentido
de pôr em andamento a acção da sua vontade de fazer bem
à terra onde tinha nascido em 18 de Janeiro de 1846.
Sucedeu, porém, que nenhum dos indivíduos a quem se
tinha dirigido por cartas lhe respondeu. Esta falta de consideração muito aborreceu e magoou Joseph Manta que pôs
de parte as suas intenções de beneficiar Cucujães.
Como eu tivesse publicado, em 1915, uma Monografia
intitulada «Cucujães», da mesma teve conhecimento Joseph
Manta pelo jornal «O Comércio do Porto», de que era assinante. Daí o pedido de um exemplar que, na volta do
correio, lhe enviei e ofereci com uma dedicatória que ele,
em honrosa carta, me agradeceu.
E Joseph Manta, após a leitura do «Cucujães» e a troca
de alguma correspondência comigo, resolveu na sua mente
esquecer o aborrecimento sofrido, e outros que não importa
referir aqui, e beneficiar a sua terra amada, mas com a minha
cooperação e superintendência absoluta por ser pessoa da sua
inteira confiança. E eu que, pelas cartas recebidas, conheci
a bondade do coração de Joseph Manta que, algumas vezes, me consultou
sobre os seus projectos e sempre ouviu os
meus conselhos, pus-me à sua disposição, cumprindo depois,
com o maior escrúpulo, a sua vontade e com o seu aprazimento.
Posto isto:
Para maior compreensão dos sentimentos de
benevolência e personalidade moral de Joseph Manta, vão, a seguir,
transcritas as suas benemerências a Cucujães e algumas cartas
suas que bem mostram a candura do seu coração e o seu
conhecimento dos homens:
a) Dois Fundos monetários, e cada um com fim determinado.
− O primeiro. É de £ 400 em títulos brasileiros de 100 cada
(4),cujo rendimento foi destinado à
conservação
da carreta fúnebre e casa da respectiva arrecadação; e o
sobrante da despesa a benefício da igreja e dos pobres de Cucujães.
− O segundo. É de 22.890$40, proveniente do câmbio
de 1000 dólares, que o referido benemérito enviou de Provincetown Mass.,
onde vivia. Para esta quantia ficar superior,
uma pessoa amiga dos pobres ofereceu ao abade 2.000$00
para lhe juntar. E assim ficou a mesma em 24.890$40 que
foi convertida a benefício da Misericórdia de Cucujães que
/
145 / [Vol.
XIII - N.º 50 - 1947]
requereu um Certificado de Renda Perpétua, o qual lhe foi passado sob o
n.º 2:422 com a denominação de − «Fundo Arede-Manta». O seu rendimento
anual é de 1.485800 que reverte em proveito dos pobres inválidos e
doentes de cama, da freguesia de Cucujães.
b) Algumas cartas (cópia) com reflexões necessárias e elucidativas.
1.º − «Provincetown, Mass., Dezembro 26-1919.
Rev. João Domingues Arede − abade de
Cucujães Meu amigo e Snr. abade
Acabo de receber a sua estimada carta, de 5 do corrente mês e ano. Para seu e meu descanso, escrevo esta. Em poucos dias
vou mandar o dinheiro por carta registada. Desde a minha de 31 de
Outubro já pensei mais uma coisa, no caso de o meu amigo assim o
entender. E logo que tem a vontade de oferecer o seu trabalho tanto
francamente aqui lhe peço o favor de tomar conta como tudo seu, e não
ter satisfação nenhuma a dar-me,
nem a ninguém. De Deus também receberá o seu
pagamento. . . . . . . . . . »
2.º − «Provincetown, Mass., Fevereiro, 8-1921.
Rev. João Domingues Arede −
abade de Cucujães.
Meu caro amigo Sr. Padre Arede
Confirmando a minha de 31 do p. p. Incluso uma letra no valor de 200
dólares para ajuda do pagamento
da carreta fúnebre. . . . . O meu caro amigo já vê que não tem
satisfação a dar a ninguém. Se alguma e assim o entender, só a mim. Isto
é tudo para minha satisfação e Paz. Fico às suas ordens. Joseph Manta.»
3.º − «Provincetown, Mass., Julho 27-1921.
Rev. João Domingues Arede −
abade de Cucujães
Caro amigo Sr. Padre
Recebi e agradeço o seu favor de 9 do corrente. Fico
ciente do seu
conteúdo − estar tudo em ordem −
assim como tudo fica ás suas ordens. . . . . . . . .
/
146 /
Caro Amigo tire também algum pagamento do seu
tanto trabalho que tem tido e sempre terá. Tudo por meu respeito.
Se não fosse meu caro Amigo, eu nada podia fazer
e a freguesia tinha que perder.
Por isso a freguesia, se algum bem, é devido aos
seus esforços. Ao meu caro Amigo é dado todo o crédito. . . . . , Sou com obediência
− Joseph Manta.»
4.º − «Provincetown, Mass., Outubro 19-1927.
Rev. João Domingues Arede −
Vila de Cucujães
Meu caro Amigo Sr. Padre Arede
Recebi o seu favor − data 1.º do corrente.
Vejo que o meu caro Amigo tem feito e fez o melhor
que pôde para aumento da freguesia. Não se pode esperar mais. . . . . . Fica, como sempre, tudo à sua conta.
. . .
Sempre com boa vontade em
Deus.
Seu filho − J oseph Manta.»
5.º − «Provincetown, Mass., Abril 29-1924.
Rev, João Domingues Arede −
Abade de Cucujães
Meu caro Amigo Sr. Padre Arede
O seu favor de 15 do corrente mês e
ano que acabo
de receber. Li e com muita atenção. Tanto que me
fez rir e chorar: rir pelas palavras da minha de 25 de
Março 1919 que várias vezes me lembro, e chorar que
Deus permita seja digno do seu elogio. O nosso Fundo Arede-Manta já devia ter ido. . .
. Isto feito, fico descansado porque, enquanto vivo, tudo é bom e vai
bem;
faltando, falta tudo. . . . . . . . »
6.º − «Provincetown, Mass., Julho 25-1924.
Este documento acompanha um vale certificado pelos
Estados Unidos da América no valor de 1000 dólares,
sendo à ordem do Rev. Padre João Domingues Arede,
abade de Cucujães, que ele use conforme as minhas instruções para bem do Hospital na freguesia do Couto de
Cucujães − Fundo Arede-Manta.
/
147 /
Explicação − Isto é para a freguesia de Cucujães, ou
a quem mais
interessar. Pela minha parte não representa riqueza, porem sim suor do
meu rosto e economia,
trabalhos dos muitos anos da minha vida e assim vontade de fazer bem à
freguesia com vista aos pobrezinhos, que, fazendo bem a um em honra a
Deus, fico pago.
Aqui está a vontade do meu
coração.
Ao vosso abade, meu amigo Padre João Domingues Arede, se deve dar todo o
valor. Pois se não fossem os esforços e honestidade dele, e o bem que
conheço ele desejar à freguesia de Cucujães, não acontecia.
Meu caro Amigo Sr. Padre João Domingues Arede, abade de Cucujães, faça favor de usar este documento como quiser e
entender.
É o Evangelho do meu coração.
Honra a Deus na terra e Glória
no céu.
Joseph Manta»
Pela leitura das cartas acima transcritas e arquivadas no
Museu de Cucujães com muitas outras, se nota a nostalgia de Joseph Manta pela
sua querida terra de Cucujães, e a grande
satisfação de ter beneficiado a sua igreja e os seus
pobres por intermédio do abade − João Domingues Arede.
Deste modo Joseph Manta, mesmo de longe, deu e deixou um alto exemplo de verdadeiro amor à igreja e pobres
da sua terra de Cucujães.
E eu, João Domingues Arede, a quem se devem os benefícios constantes das
cartas supra, tenho muita honra em poder declarar, aqui, que fui o único
cooperador leal e necessário do grande benemérito Joseph Manta, como
era indispensável, ao tempo e na presente conjuntura.
IX
Estudos literários e de investigação histórica na região da Beira-Litoral.
a) Estudos literários. Na Academia de Ciências de Portugal contribuí
bastante para o estudo do seu vocabulário. Por esse serviço fui louvado
pela mesma Instituição Científica
/ 148 / e, a seguir, nomeado seu Sócio Correspondente, em 20
de Julho de 1915. «Trab.os da Academia de Ciências de Portugal»
− 1.ª Série, tomo V, a pág. 95).
Obras publicadas:
«Cucujães»
«Estudos sobre antiguidades da Terra de Santa Maria da Feira»
«Cucujães e Mosteiro com seu Couto nos tempos medievais e modernos».
«Vida e Virtudes Cristãs de A Santinha de Arrifana»
«Museu Arqueológico e etnológico de Cucujães»
«Estudos sobre a Região Caramulana»
«Dois Subsídios para a história de Macieira de Alcoba»
«Manual de Instrução Moral e Cívica»
b) Estudos de investigação histórica na região da Beira-Litoral. A Revista
trimestral «Arquivo do Distrito de
Aveiro» tem trabalhos meus de investigação histórica, cujos títulos vão, a seguir, mencionados pela sua ordem
cronológica em os índices dos volumes já publicados:
Amuleto fálico da época neolítica encontrado no Castro
de Recarei − Vol. I, pág. 111
Monumentos de arqueologia e história militar em Cucujães
e São Martinho da Gandra − Vol. I, pág. 313
Museu da Vila do Couto de Cucujães
− Vol. I, pág. 313
Vestígios da
dominação romana em Nogueira do Cravo,
de Oliveira de Azeméis − Vol. II, pág. 109
Subsídios para a história da cidade de Aveiro e a sua
afeição pela Ordem Beneditina, no século XVI − Vol. II, pág. 221
Vila Chã (S. Roque) − Vol. III, pág.
65
Mosteiro de Cucujães − Vol. III, pág.
269
Estradas romanas do Distrito de Aveiro
− Vol. IV, pág. 25
Santiago de Riba de UI, outrora Sanctus Iacobus de Vila
Coua Dul − Vol. V, pág. 75
Subsídios para a história de Macieira de Alcoba
− Vol. VI, pág. 245
José Luciano de Castro e Camilo Castelo Branco
− Vol. VII, pág. 33
Ainda o Ubi da Talábriga − Vol.
VIII, pág. 75
Mais um subsidio para a história de Macieira de Alcoba,
do Concelho de Águeda − Vol. VII, pág. 247
Migalhas de história regional: Morgadio de Sever do
Vouga − Vol. IX, pág. 245
Identificação do Rio Antuã e do seu afluente Rio
UI − Vol. X, pág. 269
Um pouco
de história local de que beneficiam S. Martinho da Gandra e S. Vicente
de Pereira − Vol. XI, pág. 206
Contribuições eclesiásticas paroquiais em Cucujães e suas
alterações no tempo decorrido desde o século XII
até ao século XX − Vol. XII, pág. 113
c) Armas da Vila do Couto de Cucujães. Elevada a
terra de Cucujães à categoria de Vila por decreto de I11 de Junho de
1927, consegui honrá-la com um Brasão de Armas,
/
149 / depois de ter investigado a sua história para o basear em princípios
históricos, e também estudado as figuras que deviam ser colocadas no
campo do escudo e, dentro da verdade histórica, fossem autênticos
símbolos dos factos históricos relativos a Cucujães.
Foi aprovado pela Secção de Heráldica da Associação dos Arqueólogos
Portugueses, em sua sessão de 30 de Novembro de 1927. (Elucidário
Nobiliárquico, de AFONSO DE DORNELAS, voI. I, a págs. 264 e segs.).
A propósito:
Estes meus Estudos despertaram a atenção e a simpatia da Ex.ma Snr.ª
D. Maria José Celeste Freire da Silva, residente em Lisboa.
Esta Ilustre Senhora, filha do meu
Ex.mo e Prezado Amigo − Tenente da
Armada, Felismino Ferreira da Silva, com o fim de me animar a prosseguir
os meus trabalhos favoritos,
deliberou escrever e dedicar-me, com o seu espírito culto, um
:soneto que gostosa e reconhecidamente reproduzo a seguir:
«Ao Ilustre Abade João Domingues Arede
A sua vida é um constante labutar:
Acima das maiores azáfamas − o Latim:
Por causa dele tem vivido a trabalhar,
Ele será o alvo da sua vida − o seu fim.
Não para um só instante, um só momento,
Os seus olhos destacam-se entre os mais olhos,
Tudo para si é belo, nada é tormento,
Da vida dos infelizes tira os abrolhos.
A certeza é senhora das suas afirmações:
Abaixo a mentira ou mesmo a banalidade;
Em tudo põe trabalho, cansaço, aflições,
Mas nada o rala, nem mesmo se gastar a herdade
(Porque tudo está num
mundo muito áparte);
Somente o preocupa − o esclarecer a Verdade.
Lisboa, Abril de 1945,
Maria
José Celeste Freire da Silva
X
Fundação e instalação do Museu Arqueológico e Etnológico de Cucujães, e solenidade da sua
inauguração em 4 de Agosto de
1935.
O Museu de Cucujães representa um monumento de progresso e de
civilização. Arquiva bastantes vestígios de civilizações extintas e
outros objectos da antiguidade.
/
150 /
Inauguração pormenorizada do Museu:
a) Instalação do Museu e colocação do meu retrato
numa dependência da igreja de Cucujães. Foi instalado na
sacristia da igreja paroquial o novo Museu. Também, na ocasião, foi
colocado numa dependência da mesma igreja o
meu retrato como fundador do Museu.
b) Homenagem ao fundador do Museu. Fui homenageado pelo povo de Cucujães como fundador do novo Museu,
tendo com participado da mesma homenagem bastantes pessoas de elevada
posição social.
c) Notícia da solenidade da inauguração. Foi realizado
o acto da inauguração no Claustro do Seminário das Missões
(outrora Mosteiro Beneditino) que comunica com a igreja
paroquial.
Assistiu a Comissão de homenagem composta dos seguintes membros
− Dr. Bernardino de Almeida, Dr. José Inácio
Coelho e Agostinho Lopes da Costa, e a Corporação da Junta da Freguesia.
Presidiu à solenidade o Ex.mo Sr. Dr. António Luís Gomes, Provedor da
Santa Casa da Misericórdia do Porto,
e Ministro que foi do Governo Provisório da República,
secretariado pelo Presidente da Câmara de Oliveira de Azeméis e D.
Claudina Alves Machado Brandão.
Assistiram, além da Comissão e Presidência, bastantes
pessoas de consideração, tais como: António Joaquim Ferreira da Silva, Governador Civil de Coimbra; Dr. António
Luís Gomes (Filho), Director Geral da Fazenda Pública;
Dr. José Júlio César, Advogado em Viseu; Álvaro Fernandes, Professor Primário de Cucujães; Reverendos Padres do Seminário das
Missões com seus seminaristas; José Dias
Amaral, Escrivão de Direito em Celorico de Basto, e muitas
senhoras. Também assistiu o povo da freguesia e algum de
fora dela.
Fizeram-se representar o Reverendíssimo Bispo do Porto, Dr. Mendes
Correia, Professor da Universidade do Porto, Dr. Rocha Madahil, de
Coimbra, e outros.
O Ex.mo Presidente declarou aberta a Sessão e, em seguida,
autorizou a usarem da palavra:
− Dr. José Júlio César. Este orador referiu-se à vida
do homenageado, seu parente, conterrâneo e amigo desde a infância.
Aludiu às suas obras literárias e outras de investigação
histórica, principalmente da terra de Cucujães e da região caramulana.
Felicitou o povo cucujanense
que lhe fica devendo a sua História
escrita em três livros, o seu Brasão que organizou
e conseguiu ver aprovado pela Secção Heráldica dos Arqueólogos
/
151 / Portugueses, de Lisboa, e o seu novo Museu Arqueológico e
Etnológico − verdadeiros monumentos de civilização
histórica para a encantadora terra de Cucujães.
Aproveitou também a ocasião para declarar que o Reverendo abade Arede nunca esqueceu, em suas obras, o povo
caramulano, chegando mesmo a escrever uma obra intitulada Estudos Regionais sobre a Região Caramulana.
E terminou por abraçar o humilde filho de Macieira de
Alcoba, com sentimentos de gratidão, em nome de todo o
povo caramulano que tanto tem honrado com os seus trabalhos históricos e com o seu acrisolado patriotismo.
NOTA. −
Dr. José Júlio César, advogado e publicista de elevado
talento, nasceu em São João do Monte, freguesia vizinha da de Macieira
de
Alcoba, terra natal do seu parente, e amigo desde a infância do abade João Domingues Arede.
Seus pais:
Júlio César Pereira da Silva e D. Júlia Maria da Conceição de Jesus.
Avós paternos:
Maria Eufrásia e Florêncio Henriques de São José.
E bisavós paternos: Aurélia
Marques e João Francisco.
O parentesco do Dr. José Júlio César com o abade João Domingues
Arede provém da bisavó materna deste, de nome Ana Marques, ter sido
irmã da supradita Aurélia Marques − ambas nascidas no lugar do
Carvalhinho, freguesia do Guardão, e filhas de Rosa Marques e de Manuel
Ferreira,
da casa do Capitão-mor do referido lugar.
A mesma Ana Marques casou, em Macieira de Alcoba, com Bernardo
Domingues, de quem houve uma filha, de nome Custódia Marques, que casou
com Bernardo Domingues. E deste casamento nasceu Iria Marques que casou
com Manuel de Arede, também em Macieira de Alcoba. Foram estes os pais
do abade João Domingues Arede.
E daqui o parentesco do abade João Domingues Arede com o Dr. José
Júlio César, em 4.º grau.
− Professor Álvaro Fernandes(5). Seu discurso: «Depois
de terem falado verdadeiras autoridades na ciência arqueológica, hoje tão cultivada, seja-me permitido proferir duas palavras alusivas à cerimónia de hoje e sobretudo ao Rev. João
Domingues Arede, fundador do pequeníssimo mas valioso
Museu de Cucujães.
Um homem que, não sendo natural desta freguesia, teve coragem bastante
para levar a cabo três monografias completas da sua terra adoptiva, entendo eu que bem merece o
aplauso sincero de todos os naturais dessa terra tão carinhosamente monografada. Cucujães tem de há muito para com
o Reverendo Arede uma dívida de gratidão que não deve fugir
a pagar.
/
152 /
Longe dos grandes centros, da convivência dos grandes
mestres; afastado das grandes bibliotecas, onde se encontram
as obras antigas imprescindíveis aos trabalhos históricos;
o esforço do Padre Arede tem um valor particular, porque
foi realizado em condições excepcionais, sem as facilidades que muitos
encontram no caminho.
Para tirar uma simples dúvida, na escassez deste meio,
quantas viagens não faria o P.e Arede a consultar os in-fólios
ocultos nas bibliotecas principais do país?
Para escrever a sua obra que só a leigos pode ser tida
por fácil de realizar, sei perfeitamente que não pôde fugir a viagens
inúmeras ao Porto, a Aveiro e a Coimbra, sujeitando-se a despesas e a incómodos dolorosos.
Mas a Arte, como a Ciência, não é uma actividade lucrativa de que se esperem proventos e que possa ser exercida
sem sacrifícios de toda a espécie: é um culto, uma devoção, uma
inclinação do espírito de que nada mais se espera que o interesse
colectivo e o simples prazer espiritual.
Por isso o P.e Arede,
vigoroso por natureza, tenaz por
índole, entregando-se à História e à Arqueologia por bairrismo e tendência do espírito, perseverou nos seus estudos
e, com o decorrer dos anos, pôde concluir a sua missão, legando à sua
terra adoptiva um monumento escrito e um local de concentração e estudo.
Isolado na província, nas horas de folga do sacerdócio,
o Reverendo Arede, triunfando das maiores dificuldades,
pôde realizar sobre a sua freguesia, como disse, nada menos
de três monografias. Poucas terras de âmbito tão pequeno
se poderão gabar de possuir tamanha historiografia.
«Cucujães», «Cucujães e o seu Mosteiro com o seu Couto
nos Tempos Medievais e Modernos}) e «Museu de Cucujães», são as três
obras de valor histórico e arqueológico que ficarão a recordar
continuamente a passagem luminosa do P.e Arede por esta terra.
Para rematar com chave de ouro a sua vida de historiador e arqueólogo, acaba de ser inaugurado o pequenino Museu
de Cucujães, para o qual a devoção do P.e Arede vinha, de
há anos, reunindo elementos, percorrendo os terrenos da
região, sobretudo o célebre monte de Recarei, onde existiu
outrora um Castro, à procura de pedras da época pre e proto-histórica.
Como escrevi noutro lugar, a pedra, melhor do que o
ouro, pode marcar, com símbolos bem distintos, as várias etapas da
existência humana.
As toscas pedras aqui guardadas, de valor nulo a olhos
de profanos, vistas por estudiosos, têm valor inegável, pois
ressuscitam milénios extintos, falam-nos de celtas e romanos: são
documentos da História do homem.
/
153 /
A marreta do pedreiro, por esse mundo além, tem obliterado monumentos
sem conta, que, embora toscos, conservados intactos, muita luz espalhariam sobre o Passado. Não
são o vandalismo, a barbárie, o instinto de maldade, que levam a
destruir as heranças preciosas das gerações extintas, mas quase sempre a ignorância. A ignorância, como se sabe,
é o pior de todos os males e o que mais prejuízos acarreta.
'Quantos castros, quantos
dólmenes, quantas lápides funerárias, quantos
pelourinhos não têm sido destruídos, irreverentemente, pela ignorância,
aproveitando-se os destroços em obras de alvenaria?
Se o alvanel conhecesse o valor dessas pedras
− desses castros, desses dólmenes, dessas lápides funerárias, desses pelourinhos
−, suspenderia o
golpe cego que sobre elas descarrega, e colocaria essas pedras em lugar
de destaque, no melhor ponto da freguesia, para que fossem veneradas por
todos os olhos.
A falta de carinho para com as rudes pedras arqueológicas não é apenas atributo de ignorantes e analfabetos.
Pessoas letradas conheço eu que não ligam a mínima importância a um
dístico, a uma coluna, a um monumento da antiguidade.
Para combater essa falta de carinho e essa ignorância, torna-se
necessária uma campanha intensa feita pelos arqueólogos, não apenas em revistas da especialidade, mas em jornais de larga difusão, para que possam ser iniciadas no culto pelo
Passado as camadas populares.
E como o padre e o professor
são as duas individualidades mais em contacto com o povo nos meios
rurais, para conservar o mais possível o nosso património histórico e artístico, entendo que deveriam ser
criadas cadeiras de elementos de arqueologia nos Seminários e Escolas do
Magistério.
O padre e o professor, convenientemente preparados,
ficariam sendo os guardas vigilantes desses tesouros magníficos espalhados pelas aldeias de
Portugal. E um e outro seriam
auxiliares preciosos dos mestres arqueólogos nos seus trabalhos de alta
investigação.
A classe sacerdotal possui já hoje uma boa falange de
arqueólogos: o abade do Baçal, o Reverendo Vasco Moreira, o Cónego Aguiar Barreiras, o Rev. Arede
− para falar apenas
nestes; e, entre os professores, conheço dois que têm realizado importantes
estudos de arqueologia e etnografia no Alto
Minho: Abel Viana e Manuel Boaventura.
A história local e a arqueologia são, pois, duas ciências valiosas que,
cultivadas conscienciosamente, vão reflectir-se na História Nacional,
servindo-lhe de alicerce.
/
154 /
O P.e Arede, que uma e outra tem cultivado com amor,
ciência e prudência, não esquecendo nunca a frase de Fustel de Coulanges
que afirma que − «em trabalhos eruditos, é
necessário um ano de análise para autorizar uma hora de
síntese» −, merece bem o aplauso dos estudiosos portugueses e, sobretudo, o reconhecimento, a gratidão de todos
os
cucujanenses, sem distinção de seitas, porque, acima de
homem, susceptível de errar, incapaz de agradar a todos,
está o historiador desta terra e o fundador do pequenino
Museu de Cucujães, onde se guardam tantas relíquias.
O P.e Arede, escrevendo a sua obra e fundando este
Museu, que ficará sendo o relicário das coisas preciosas da
freguesia, deu provas do seu talento e da sua cultura, e concorreu para a elevação intelectual de Cucujães, chamando
para ela a atenção dos arqueólogos portugueses que, como
todos os estudiosos, põem acima de tudo as questões espirituais.
Mesmo que a sua obra estacione
por aqui e não seja acrescida de mais nenhum volume, o P.e Arede trabalhou já
o bastante para que o seu nome mereça consagração e para
que Cucujães, mesmo depois da sua morte, o relembre e o
consulte através dos tempos.
Na qualidade de amigo e quase
discípulo − pois o Reverendo Arede tem posto à minha disposição, obsequiosamente,
o seu saber e os seus livros − eu o saúdo, neste momento festivo para si e para a terra
ao serviço da qual tem vivido e trabalhado.
NOTA. − Vai transcrita, na íntegra, a
alocução supra pela doutrina conceituosa que encerra, que não pelas
imerecidas referências ao homenageado.
− Abel Marques da Silva Valente, Secretário da Junta
de Freguesia de Cucujães. Este, em nome da Junta da Freguesia, que ali representava
na qualidade de seu Secretário, enalteceu o homenageado pelo seu amor e
dedicação à terra
de Cucujães. Em seguida leu e entregou ao homenageado
a cópia de uma acta de sessão da Junta da Freguesia, manifestando o seu reconhecimento e gratidão pelos serviços
prestados a Cucujães, quer como seu pároco, quer como seu
historiador.
Seguidamente foi descerrado o meu retrato e, em acto
contínuo, a Ex.ma Sr.ª D. Claudina Alves Machado Brandão,
em seu nome e no das Senhoras de Cucujães, num grande
exemplo de civismo, ofereceu-me um lindo relógio e corrente
que eu agradeci nos seguintes termos:
− Senhoras de Cucujães, dignas todas do meu maior
respeito!
/
155 /
Com os sentimentos da mais viva gratidão, aceito
o valioso presente,
generosamente oferecido por vós, minhas respeitabilíssimas Senhoras.
Representa este objecto um alto valor pelo seu significado moral
− a manifestação do vosso amor, ou seja, do vivo
interesse e satisfação pelo progresso moral, intelectual e material
desta linda terra. Estou por certo que os nossos ilustres convidados de
fora da terra, comparticipantes desta homenagem, grandes pelo seu saber e elevada posição social,
bendirão sempre as bondosas Senhoras de Cucujães, Portuguesas de Lei,
pela grande lição de civismo que deram nesta
solenidade. Continuai, minhas
Senhoras, a honrar Cucujães, terra aprazível e bela, que bem merece o
nosso carinho e o nosso amor. Pelo vosso nobilíssimo pensamento, e acção
patriótica e simpática, aqui significo o meu eterno reconhecimento.
E a propósito:
Em 1922 vendi o meu relógio e corrente de ouro, para pagamento de uma verba de despesa com a
publicação do
meu segundo livro sobre Cucujães − «Cucujães e Mosteiro com seu Couto».
Procedi assim, por entender que o arrancar das trevas para a luz da publicidade, o glorioso
passado histórico do Couto de Cucujães, interessava mais à honra e
inteligência dos Cucujanenses, do que o meu
relógio e corrente de ouro
no bolso do colete, apesar de me ter sido oferecido, quando
Vigário de Souselas, por serviços de leccionação particular.
Foi ao conhecimento das boas e briosas Senhoras da
terra o rumor desta minha acção de bem querer o engrandecimento de
Cucujães, e, daí, a resolução das mesmas em
brindar-me com um outro relógio e corrente de ouro, no
acto da inauguração do Museu, na sacristia da igreja, e no descerramento
do meu retrato, noutra dependência da
mesma.
/
156 /
AGRADECIMENTO
Ex.mo PRESIDENTE DESTA SESSÃO:
Ex.ma COMISSÃO DESTA HOMENAGEM: MINHAS SENHORAS:
MEUS SENHORES:
− Vão para V. Ex.ª, Sr. Presidente, os primeiros agradecimentos pela bondade das suas palavras de louvor, e comparticipação
nesta Homenagem.
− Ao Rev.mo Superior deste Seminário das Missões o meu inteiro
reconhecimento pela cedência deste Claustro para esta solenidade, e
também pela autorização da colocação neste mesmo Seminário, de uma
lápide com uma inscrição, designando o local, dia, mês e ano do nascimento do falecido
Conselheiro Doutor Ferreira da Silva.
− A Ex.ma Comissão, e Junta da Freguesia, agradeço a
honra desta homenagem.
− Aos ilustres oradores fico muito grato pelos louvores e felicitações que me dirigiram, e que tomo como prémio à minha dedicação e sacrifício por esta terra de Cucujães.
Meus Senhores:
Sinto-me feliz por ver que, nesta minha idade, que já passa muito além do seu zénite, olhando o presente e o passado, posso ainda sentir espirituais consolações pelo dever cumprido e, por fim, ter junto de mim
Amigos de perto e de
longe a prestarem-me a sua homenagem de respeito e congratulação pelo
Bem que fiz a Cucujães.
Estou no poente da minha vida, mas, apesar disso,
vejo-me satisfeito por ver nesta manifestação de amizade
sincera uma prova de que não desmereci, até hoje, do bom
conceito dos Amigos e do povo desta freguesia, com o qual tenho vivido
faz hoje 35 anos. E ainda bem que todos fazem
justiça às minhas rectas intenções, compreendendo a dedicação que tenho votado a Cucujães, já como pároco, já como
cidadão.
E assim:
a) Como abade, vivi sempre de bem com o povo e para
o povo.
Posso percorrer Cucujães, de fronte levantada, e tenho
a certeza de, com razão, não receber queixumes de quem quer que seja. Também nunca atropelei direitos, nem ofendi
pessoa alguma com vontade deliberada: antes procurei seguir sempre o
caminho da verdade e da tolerância porque, no fim
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de tudo, só triunfam a Verdade e a Justiça, acrescidas da tranquilidade
da consciência do dever cumprido. Vivi sempre nas
boas graças dos meus Venerandos Prelados, e nas melhores relações com
as mais autoridades, quando no exercício das minhas funções civis.
b) Como cidadão procurei
viver sempre com dignidade
e ser útil a esta terra, tendo contribuído com os meus minguados recursos intelectuais e morais para o seu engrandecimento e bom nome.
Empreguei todos os meios ao meu alcance para tornar
esta terra cada vez maior e, portanto, mais conhecida.
E devido a esta minha atitude é que Cucujães fica possuindo três
monumentos de progresso e de civilização:
1.º A sua História. Três livros sobre Cucujães relatam
os factos históricos e sociais mais importantes nela decorridos através
dos anos.
2.º O seu Brasão. Este sintetiza os principais factos
sucedidos em Cucujães nos tempos medievais. E assim:
O Leão rompente, segurando um Báculo de ouro, representa
o Mosteiro Beneditino, e o escudete de Armas, o coutamento
de Cucujães para o Mosteiro por D. Afonso Henriques.
3.º O Museu. Tendo conseguido reunir alguns
objectos
demonstrativos da actividade e inteligência do homem que
primeiro veio habitar esta região, lancei as bases do Museu
Arqueológico e Etnológico que desde hoje, dia da sua inauguração, fica propriedade de Cucujães.
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A todos os que promoveram, comparticiparam e assistiram à solenidade deste acto
− agradeço cordialmente.
ENCERRAMENTO DA SESSÃO
Por último, o Ex.mo
Presidente, Dr. António Luís Gomes,
falou das brilhantes qualidades do Reverendo Arede, e bem assim do seu
amor ao estudo, e dos altos serviços prestados
a Cucujães e à região. E, a seguir, encerrou a Sessão.
NOTA. − Da supradita manifestação cívica fez largas referências
o
jornal «A Opinião» de Oliveira de Azeméis, de 24 de Agosto de 1935. Dele
me socorri pala transcrever algumas informações sobre o assunto da
mesma manifestação.
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XI
Despedida do povo da
freguesia de Cucujães quando deixei de ser seu
pároco, em princípios de Novembro de 1932
Voltado para o povo da freguesia, no fim da minha missa
última, como seu pároco, proferi algumas palavras e, dentre elas, as
seguintes:
«Deixo hoje de ser vosso pároco. Esforcei-me sempre para vos atrair à
Igreja, e nunca deixei de vos pregar o cumprimento dos vossos
deveres. Todo o povo desta freguesia me encontrou pronto, a toda a hora, quer de dia quer de noite, para o
atender e servir, sem aborrecimento, e da melhor vontade. A minha
consciência não me acusa de faltas graves para com o povo; em todo o
caso, se alguém tiver razão de queixa contra mim, acuse-me com a maior
franqueza, que daqui lhe quero pedir perdão.
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XII
Lições da vida.
No decurso da minha vida conheci, por experiência própria, magnanimidades, ternos reconhecimentos e amargos
ressentimentos, de pessoas que classifico deste modo:
a) Dedicadas e generosas para comigo que sempre me consideraram e
estimaram. Já dormem todas o seu profundo sono entre cruzes e
ciprestes.
b) Gratas − que me distinguiram sempre com palavras de afecto e acções
dignas de louvor pelos insignificantes favores que, desinteressadamente,
lhes
prestei.
c) Ingratas − todas a quem, com muitos sacrifícios, fiz os maiores benefícios.
Permito-me lembrar, também aqui, um inolvidável Amigo que me distinguiu por uma forma comovente e triste, na proximidade da
sua morte, com uma carta que, para mim, foi
uma grande surpresa também comovente e triste.
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Esse meu Amigo, cujo nome não publico por prudência, foi um erudito
literato que deixou obras escritas de valor, e especialmente sobre Gil
Vicente, poeta quinhentista, que criou o teatro português.
Dotado de um carácter diamantino, de uma educação esmerada e aliada a uma inteligência clara e aprimorada cultura, foi meu Amigo íntimo, franco, leal e sincero. Também
lhe correspondi com igual dedicação por justa e merecida.
Conheci-o pessoalmente em Lisboa, onde lhe fui apresentado
pelo meu ilustre colega e Amigo − P.e Manuel Gomes Himalaia, sábio
mundialmente conhecido por inventos que o celebrizaram, entre os quais o
Pirrhelióforo e a Himalaite. Isto em 1915, na ocasião em que a Academia de Ciências de Portugal, de que eu era Sócio Correspondente, foi cumprimentar,
oficialmente, o Chefe do Estado, no seu Palácio de Belém. Desde então
consagrou-me uma estima e amizade raramente igualadas e, tal vez, não
excedidas nas relações sociais.
Sobreveio-lhe, porém, um infortúnio na sua vida de negócio e, com
este, o desânimo e o desalento que o levaram a sair da vida tragicamente.
E assim o seu temperamento melancólico e nostálgico, com essa
contrariedade, recrudesceu e, por fim, impeliu-o a um acto de desespero
que praticou com espírito lúcido, firmada intenção, secreta
resolução e coragem serena. E isto no dia 22 de Novembro
de 1933. E antes de consumar o premeditado acto, quis testemunhar-me a
sua afeição e confiança pessoal.
Por documentar um caso psicológico pouco vulgar, transcrevo, a seguir, a última carta que me dirigiu, escrita já com
o pé no
limiar da eternidade:
«Meu Santo e Bom Amigo:
Acossado pelo temporal dos infortúnios que caíram sobre mim, sinto
fugir-me a esperança. Perdoe-me. Saio da vida, meu Santo Amigo, porque a
adversidade me venceu, depois de eu perder a coragem na luta.
Não me repila. Preciso do seu perdão de Padre e de Amigo querido. ...Lembre-se da minha alma nas suas orações, se lhe for possível
perdoar-me, meu Santo Amigo.
Assim Deus me perdoará também.
Uma ultima saudade infinita para
o meu Amigo
e para sua querida Família.
am.º gratíssimo
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160 /
A carta é, pelo seu
conteúdo, um documento, se não
único, certamente raro. É uma página belíssima, em que,
a um tempo, transparece uma intenção sinistra e se espelha
uma alma de eleição.
A teologia católica tem princípios rígidos sobre o suicídio. Mas há infortúnios tão grandes na vida, reveses de
tal magnitude e sem remédio que, mesmo o crente, de integral observância, se inclina respeitoso perante a vítima da
sua própria tragédia.
O suicida, cuja carta anoto aqui, não era um materialista, um agnóstico
como tantos homens, aliás ilustres, do seu tempo.
No meio das trevas que o desespero adensou em seu espírito, percebe-se a centelha divina que tenta
esbatê-las, embora
não logre, alfim, dissipá-las.
O ilustre literato pede as minhas orações e espera de mim
o perdão do seu delito. Pede perdão a um Padre seu amigo, talvez por não
ousar pedi-lo a Deus.
Quem sabe, se por isso mesmo, a súplica ao Padre
não
terá tido eco no Coração Divino?
Assim o creio!
Ele não pôs termo à vida por desconhecimento ou desprezo do direito natural e divino.
Foi o atleta que, embora esforçado, sentindo o total esgotamento
de suas energias, a impossibilidade de atingir a meta,
cai no chão da arena desesperançado de melhores dias, confessando a sua auto-derrota, talvez na esperança de que a sua
desventura resgatará o seu delito.
Conservo a sua carta de despedida como pergaminho de rara preciosidade.
É para mim sumamente honrosa, porque
só podia ter sido escrita e endereçada na base de uma confiança
ilimitada.
O inditoso Amigo saiu deste mundo, levando-me no seu
coração de ouro, e ficando sepultado no meu, profundamente
compadecido, onde arde, em perene chama viva, o círio
votivo da minha maior saudade nascida do coração que é fonte do
verdadeiro, puro e santo Amor!
De todos os meus Amigos, mencionados em notas e no
texto deste trabalho, apenas vivem sete, actualmente. E todos
eles − meus Amigos de verdade que não de mentira!
Por fim:
Nas minhas lides com o povo, em mais de meio século,
vi que o povo acompanha, quase sempre, a orientação dos
seus mentores. E quando esses mentores são sensatos e iluminados pela Fé, e com consciência que julgue apoiada no
Alto, o povo é bom, disciplinado e valente.
De contrário, o contrário.
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Entendo, aqui, por mentores do povo: pais, párocos e padres amorosos e
bons educadores, professores activos e briosos, chefes políticos
bairristas e pessoas de elevada categoria social com súbditos, e também
outras pessoas que tenham subordinados, posição de destaque, talento e
fortuna.
Unde:
O exemplo da vida do lar e social
vem de cima.
Eis o Relato breve da minha longa vida de trabalho aturado
− toda ela
eriçada de espinhos entremeados com
poucas rosas.
JOÃO DOMINGUES AREDE
(abade aposentado de Cucujães) |