a) NOTAS BIOGRÁFICAS
O
GENERAL Silvério Augusto Pereira da Silva, um dos mais distintos
engenheiros que têm passado pelo quadro de engenheiros de Obras
Públicas atingindo o alto lugar de vice-presidente do Conselho Superior
de Obras Públicas e Minas, trabalhou durante 30 anos no Distrito de
Aveiro, onde deixou uma obra digna do maior apreço pelo seu valor técnico.
Nasceu em Santarém em 3 de Janeiro de 1827, filho de Joaquim Augusto
Pereira da Silva da Fonseca, da casa de Alcobaça e de D. Maria Luísa
Mascarenhas Ataíde, ambos
de famílias nobres, e possuía, como demonstrou durante a sua longa vida,
a nobreza de uma alma grande que lhe formara, durante a adolescência,
sua mãe; senhora de raras e elevadíssimas virtudes.
Era primo de Joaquim Augusto Mousinho de Albuquerque que tanto se
notabilizou nas campanhas africanas e ficou conhecido pelo Herói de
Chaimite.
Escolheu o general Silvério, espontaneamente, a carreira das armas, e
para a seguir foi matricular-se na Faculdade de Matemática da
Universidade de Coimbra: terminando com
distinção esses preparatórios, seguiu depois para Lisboa a completar a
carreira que escolhera.
Após as sangrentas lutas que terminaram em 1834, o país manteve-se por
largo tempo mais ou menos no estado revolucionário.
Corria o ano de 1846 e dava-se o golpe de Estado de 6 de Outubro e como
consequência dele uma contra-revolução em 9 do mesmo mês.
De um lado encontravam-se os setembristas com o Duque de Saldanha e o
Duque da Terceira e do outro os cartistas, Conde das Antas e o Conde de
Bonfim.
Este último tinha como chefe
do Estado Maior o coronel de Engenharia
LUÍS MOUSINHO DE ALBUQUERQUE, engenheiro
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215 /
muito distinto e muito culto, autor do livro Guia do Engenheiro na
construção de pontes de pedra, e além disso um poeta e literato e de
quem o Engenheiro Silvério Augusto Pereira da Silva era sobrinho.
O tio nomeou-o seu ajudante de ordens e assim o Engenheiro Silvério
Pereira da Silva encontrou-se lançado na política e envolvido, pela
força das circunstâncias, nas lutas da guerra civil.
Encontrava-se em Dezembro de 1846 com seu tio em Torres Vedras que em 22 é atacada, com todas as forças que
o Duque de Saldanha pode dispor, sendo aí o coronel Mousinho de Albuquerque mortalmente ferido.
Na tarde do dia seguinte, 23, as forças do Conde de Bonfim capitulam
com todas as honras de guerra e o marechal Saldanha vai visitar o
coronel Mousinho de Albuquerque ao ter conhecimento do grave ferimento.
O Engenheiro Silvério acompanhou até aos últimos momentos seu tio,
oficial muito ilustre, respeitado pelo seu profundo saber
profissional.
Os vencidos de Torres Vedras, no número dos quais se encontrava o
Engenheiro Silvério Pereira da Silva, embora lhes tivessem sido
prestadas todas as honras militares, foram presos e metidos uns no
brigue Audaz e outros na fragata Diana.
O representante do governo inglês em Lisboa e o próprio
governo de Inglaterra intercederam a favor dos pobres prisioneiros,
especialmente do Conde de Bonfim, muito estimado e considerado naquele
país, e os presos foram postos em liberdade e entre eles o Engenheiro
Silvério Augusto Pereira da Silva, que então contava 19 anos.
O país debatia-se numa crise tremenda, em que a série de lutas internas
o lançara, e começando a conhecer a necessidade de repouso, tudo se
preparou para um período novo de progresso e prosperidade.
Por decreto de 30 de Agosto de 1852 é criado o Ministério das Obras
Públicas, Comércio e Indústria e organizado por decreto de 30 de
Setembro do mesmo ano; em Dezembro de 1855, o oficial de Engenharia
Silvério Augusto Pereira da Silva entrou para o serviço do Ministério
das Obras
Públicas, onde afirmou a sua alta competência com uma
larga e brilhante folha de serviços, servindo na Direcção de Obras
Públicas do Distrito de Leiria até Dezembro de 1855, sendo exonerado
desta comissão por portaria de 27 deste mês.
Em ofício de 14 de Maio de 1856 foi-lhe ordenado que se apresentasse nas
Obras Públicas do Distrito de Aveiro, porém tendo sido requisitado pelo
Director das Obras Públicas do Distrito de Coimbra, recebeu ordem para
ficar neste Distrito onde serviu até Outubro de 1857.
/
216 /
Por portaria de 5 de Outubro de 1857 foi colocado como Director do
Distrito da Guarda, donde foi transferido para o de Aveiro por portaria
de 16 de Dezembro do mesmo ano.
Em 1858 ficou também incumbido da direcção das obras
da Barra de Aveiro, por portaria de 30 de Junho, tendo ali de resolver
o magno problema de novamente estudar a forma de garantir a barra que se
encontrava tapada. Durante o tempo que teve estas duas direcções a seu
cargo foi em comissão duas vezes ao Distrito de Viseu onde elaborou
alguns projectos e uma vez ao da Guarda e outra ao de Viana do
Castelo.
Em 1860 construiu a primeira ponte de betão ou formigão, a ponte do
Sobral na estrada de Ovar para a Vila da Feira. Esta inovação na
construção de pontes, designadamente em regiões falhas de pedra própria
para este género de construções, mereceu a aprovação superior sendo o
sistema recomendado para casos semelhantes aos directores distritais
pela circular de 31 de Janeiro de 1861 do Director Geral das Obras
Públicas, Visconde da Luz.
Por portaria de 19 de Outubro de 1864 foi encarregado
da fiscalização da construção do caminho de ferro americano
das minas do Braçal ao rio Vouga. Em 31 de Outubro de 1869 passou a
exercer interinamente as funções de chefe da 4.ª Divisão de Obras
Públicas e por portaria de 25 de Agosto de 1870 é nomeado director das
Obras Públicas de Aveiro.
Por decreto de 4 de Junho de 1873 foi promovido a major e pelo de 5 de
Janeiro de 1876 a tenente-coronel.
Em Outubro de 1879 por portaria de 28 deste mês foi nomeado vogal da
comissão encarregada do estudo de diferentes projectos para melhoramento
da Barra do Douro e
construção do porto artificial.
Por portaria de 21 de Junho de 1880 foi nomeado conjuntamente com os
engenheiros Joaquim Pereira, Pimenta de Castro e Casimiro da Ascensão
Sousa Meneses, para, em comissão, inspeccionar os distritos de Castelo
Branco, Guarda e Viseu.
Por decreto de 31 de Outubro de 1884 foi promovido a
coronel.
Em 10 de Abril de 1885 foi requisitado pelo Ministério da Guerra para
tomar parte nos exercícios de Engenharia na Escola Prática de Engenharia
de Tancos.
Por portaria de 14 de Agosto de 1886 foi exonerado da comissão de
Director em Aveiro e incumbido da inspecção regional dos arquipélagos
dos Açores e Madeira.
Por decreto de 28 de Outubro de 1886 foi classificado
engenheiro de primeira classe efectivo.
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217 /
Por portaria de 28 de Setembro de 1887 foi exonerado da inspecção
regional dos Açores e Madeira, e nomeado
vogal adido à Junta Consultiva de Obras Públicas e Minas.
Em 1889 por portaria de 23 de Março foi nomeado para
fazer parte da comissão de vistoria ao 1.º lanço do Caminho
de Ferro americano da Golegã por Torres Novas a Alcanena.
Por portaria de 9 de Maio de 1890 foi nomeado em
comissão Governador Civil de Aveiro, tomando posse do
lugar em 21 de Julho, mas o espírito avesso a situações políticas, que o episódio das lutas de 1846 lhe criara, pouco tempo o manteve no lugar e em 30 de Outubro seguinte era exonerado a seu pedido.
A sua alta competência levou-o em 1890 à presidência
da Associação dos Engenheiros civis portugueses onde prestou relevantes serviços.
Por portaria de 15 de Junho de 1891 foi encarregado
interinamente da Direcção das Obras Públicas do Distrito
de Lisboa e por portaria de 18 de Julho do mesmo ano vogal
da comissão encarregada de rever a organização dos serviços técnicos de
24 de Julho de 1886.
Por decreto de 27 do mesmo mês foi nomeado conjuntamente com outros engenheiros para proceder ao exame da
ligação da linha férrea urbana de Lisboa com o ramal de
St.ª Apolónia a Benfica e a segunda via deste ramal e a ligação dele com a linha do Leste, para se verificar se estava nas
condições de ser aberto à circulação.
No mesmo ano de 1891 por despacho de 17 de Setembro foi nomeado
Presidente da comissão encarregada de examinar o projecto e contrato das
obras e melhoramentos do porto
de Lisboa e propor as alterações do mesmo projecto e contrato.
Por portaria de 15 de Janeiro de 1892 foi exonerado a
seu pedido do cargo de Director interino das Obras Públicas
do Distrito de Lisboa sendo louvado pela forma como desempenhou o referido cargo. Voltou depois a ocupar o seu
lugar de vogal da Junta Consultiva de Obras Públicas e Minas.
Por despacho de 14 de Março de 1892 foi mandado inspeccionar as obras do molhe abrigo do Funchal, devendo
examinar as circunstâncias em que se deu o seu desabamento, e em despacho de 20
de Junho do mesmo ano foi
nomeado para fazer parte da comissão encarregada da inspecção e estudo
da praia de Espinho, e por portaria de 2 de Agosto desse mesmo ano para em comissão proceder a vistoria das margens do Rio Mondego e campos adjacentes em
virtude de uma reclamação da Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses.
Classificado inspector de
1.º classe por portaria de 1 de
Dezembro de 1892, é colocado no lugar de vogal efectivo do
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218 /
Conselho Superior de Obras Públicas e Minas e, em portaria
de 3 de Dezembro do mesmo ano, nomeado inspector dos
Edifícios Públicos e de trabalhos diversos e em 9 de Maio
de 1893 foi por portaria nomeado para inspeccionar os armazéns da Alfândega de Lisboa, e por despacho de 19 de Maio do mesmo ano
nomeado presidente da comissão encarregada
de propor providências necessárias para a organização dos
Serviços de Edifícios públicos e Faróis.
Em 21 de Junho de 1893 foi transferido do lugar de Inspector
dos Edifícios para o cargo de inspector das Obras
hidráulicas.
Por decreto de 30 de Junho ainda
do mesmo ano foi
promovido a general de brigada e, por despacho de 5 de
Agosto do mesmo ano de 1893, nomeado para fazer parte da
comissão encarregada de proceder ao estudo das alterações
a fazer na empreitada das obras do porto de Lisboa e, em
portaria de 11 de Novembro ainda do mesmo ano, nomeado para proceder a
uma vistoria à ponte avançada da Alfândega
de Lisboa, sendo em portaria de 14 de Dezembro louvado
pelos serviços que prestou na comissão anterior; no ano
seguinte é encarregado, com mais dois outros engenheiros, de dar conjuntamente parecer sobre um pedido para a construção e exploração do ramal de ligação do Rio Douro com o porto de Leixões.
Em 1894 por despacho de 19
de Maio foi encarregado de
proceder à apreciação de documentos relativos à empreitada geral do
porto de Leixões; nomeado para colaborar na comissão encarregada de inspeccionar o porto
de Viana do Castelo;
e, ainda no mesmo ano, para proceder à inspecção do porto artificial de
Ponta Delgada, por causa das avarias nele produzidas pelo temporal de 7 de Dezembro do
mesmo ano.
Em 30 de Abril de 1895 foi nomeado para fazer parte da
comissão encarregada de examinar e apreciar os documentos existentes no
Ministério das Obras Públicas relativos às reclamações da Companhia das Águas.
Não foi só no Continente que
desenvolveu a sua actividade.
Tendo sido reformado do
exército em 1897 com a graduação de General de Divisão, foi, na relação do
pessoal
técnico, aprovada por decreto de 31 de Março de 1898, colocado na situação de licença ilimitada e, na relação aprovada
por decreto de 8 de Junho do mesmo ano, passou à actividade sendo temporariamente
dispensado do serviço do Ministério das Obras Públicas por se encontrar
no Ultramar, no
desempenho de uma comissão do Ministério da Marinha, de
grande interesse público.
No limiar dos 70 anos de idade o Engenheiro inspector, General
Silvério Augusto Pereira da Silva, embarcava em
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219 /
Lisboa, a 17 de Dezembro de 1896, para seguir viagem para
a África Oriental e ir dirigir as obras do porto de Lourenço
Marques e estudar as obras a realizar na baía de Lourenço Marques, tendo
feito grandes alterações de importante alcance e utilidade no projecto.
Por despacho de 9 de Fevereiro de 1899 foi novamente colocado na
situação de licença ilimitada por se encontrar ainda desempenhando esta
comissão de serviço no Ultramar que foi dada por finda em Setembro deste
mesmo ano, reentrando no serviço do Ministério das Obras Públicas em
Novembro também de 1899.
Apresentou um relatório sobre os melhoramentos a introduzir no porto de
Lourenço Marques que entregou no Ministério da Marinha tendo sido
louvado pelos relevantes serviços prestados nesta comissão.
Na relação do pessoal técnico referida a 1 de Fevereiro
de 1900 é classificado inspector geral na situação de disponibilidade, e
por decreto de 1 de Abril é nomeado vogal do Conselho Técnico das Obras
Públicas do Ultramar.
Por decreto de 20 de Dezembro de 1900 foi nomeado
Director Geral de Obras Públicas e Minas e por despacho
de 6 de Fevereiro de 1901 nomeado presidente do referido Conselho
técnico, e por decreto de 7 de Novembro de 1901 vogal do Conselho de Tarifas,
sendo na mesma data exonerado do cargo de vogal do Conselho Superior de
Obras
Públicas, e louvado pelos serviços prestados nessa qualidade; por outro
decreto também de 7 de Novembro de 1901 foi nomeado Vice-Presidente do
Conselho de Obras Públicas e Minas.
Deixando de ser ministro das
Obras Públicas o seu amigo Eng.º Manuel Afonso Vargas, foi, a seu pedido, por decreto
de 22 de Fevereiro de 1903, exonerado de director geral das bras Públicas e Minas, sendo louvado pela superior inteligência, muita
competência e inexcedível zelo com que sempre se houvera no desempenho daquele cargo, regressando ao Conselho
Superior de Obras Públicas e Minas onde se manteve como vice-presidente
até à sua morte.
Por despacho de 24 de Setembro de 1903 foi encarregado do estudo do
porto de Setúbal e dos do Algarve.
Os seus trabalhos na metrópole foram muitos, sendo o seu maior número no
Distrito de Aveiro onde por muitos anos e por diferentes vezes foi
director; entre estes, um dos mais valiosos é o seu relatório de 4 de
Fevereiro de 1873, onde expôs a sua orientação dos novos estudos, bem como
a base do plano geral das obras e dos melhoramentos a empreender na ria
e barra de Aveiro.
Em 1 de Março de 1901 publicou o livro
Notícia das
obras e melhoramento do porto de Lourenço Marques que
/
220 /
foi por sua vez reproduzido no tomo XXXII da Revista de Obras Públicas
e Minas, no fascículo de Abril a Junho
de 1901.
Nesse seu trabalho trata da descrição geral
do porto de
Lourenço Marques, indica os projectos das obras a realizar e finalmente
ocupa-se da instalação e construção destas.
Compreende na primeira parte do seu estudo o plano geral dos trabalhos a
realizar entre a Ponta Vermelha e a ponte da Alfândega, os dois
projectos definitivos da 2.ª secção entre a ponte da Alfândega e a ponte
do caminho de ferro e ainda o plano de ampliação desta ponte.
Houve divergências entre o General Silvério e a comissão técnica do
Ministério da Marinha que foi chamada a dar o seu parecer sobre o plano
geral das obras e respectivos projectos, especialmente pelo que se
referia ao muro do cais; com um espírito brilhante fez ele a defesa dos
seus planos que foram muito apreciados.
O Engenheiro General Augusto Silvério Pereira da
Silva
era extraordinariamente modesto, recusou sempre veneras, possuindo
unicamente a Grã-Cruz de Avis, sendo grande oficial, comendador e
cavaleiro da mesma Ordem, e a medalha de prata de distintos e bons
serviços, que não podia recusar.
Possuía uma medalha de prata, por salvar três pescadores na barra de Aveiro em dia de temporal; tendo-lhe sido oferecida, por essa ocasião,
uma medalha de ouro, e aos seus companheiros do salvamento uma de
prata, devolveu a que lhe era destinada, dizendo que tinha arriscado a
vida da mesma forma e que portanto não devia haver excepções.
b) SUA ACTIVIDADE
COMO DIRECTOR DAS OBRAS PÚBLICAS DO DISTRITO DE AVEIRO
Durante três décadas, por mais de uma vez mereceu,
o lugar de Director
das Obras Públicas de Aveiro, sendo porém mais conhecida a sua obra
como Engenheiro e Director das Obras da Barra e Ria de Aveiro, por ser
talvez aquela que mais intimamente anda ligada à economia da região,
não
deixando porém de ter interesse e valor a sua obra como,
Director das Obras Públicas.
Como dissemos, foi nomeado Director pela primeira vez por portaria de 16
de Dezembro de 1857, deixando definitivamente esta comissão de serviço
em Agosto de 1886 fazendo
sentir-se a sua muita competência em todos os ramos da actividade da
sua Direcção, da qual relataremos alguns pormenores dos mais
importantes de que temos conhecimento.
/ 221 /
Muito o interessaram as obras de viação do Distrito,
construindo pontes, traçando estradas, apresentando propostas para a
conclusão de outras que considerava de capital importância para o
desenvolvimento e prosperidade da região.
|
Ponte da Água Fria, no braço da
Ria de Aveiro que separa os concelhos
de Ílhavo e de Vagos, tal como se encontrava ainda em 1915.
Fotografia de ROCHA MADAHIL |
Das obras das pontes destacamos duas pela originalidade
nos métodos de construção usados:
− A ponte do Sobral, na estrada de Ovar à Feira, começada
em 23 de Maio de 1860 e concluída em 19 de Janeiro
de 1861 na qual foi pela primeira vez empregado o betão
/ 222 / na construção de arcos de pontes. Esta ponte tem 9 metros de vão e o
arco é abatido com 1,5 m. de flecha.
− A ponte da Água Fria na estrada de Aveiro a Mira
passando por Ílhavo e Vagos, em cuja construção se empregou um sistema misto de madeira e ferro, porquanto dizia o
Engenheiro Silvério:
«A construção de uma outra ponte na estrada numero 34
(Aveiro - Ílhavo - Vagos - Mira) no braço da ria entre Ílhavo e
Vagos, deve apresentar sérios obstáculos em razão da forte
espessura da camada de lodo, que se encontra sobre o terreno
mais resistente ou rocha que segue a uma profundidade muito grande».
O sistema adoptado consistiu em cravar estacas de
madeira até ao nível do fundo da ria e sobre estas construir um estrado de
madeira no qual foram aparafusadas colunas ocas de
ferro fundido que constituíam os pilares.
Sobre estes pilares, devidamente escorados, se montava
o tabuleiro da ponte constituído por vigas de madeira e solho
e desta forma se evitava a dificuldade das fundações; além disso,
pela mesma razão não foram construídos encontros, mas simples muros para
reter as terras dos aterros de acesso à ponte.
A ponte foi inaugurada em 27 de Agosto de 1873, constando que o Engenheiro Silvério enviou o projecto à exposição de Filadélfia em 1876 tendo sido premiado com a medalha
de prata.
Segundo o processo de construção da ponte do Sobral
foram construídas as pontes de Mogofores sobre o rio Cértima na
estrada de Mira a Mogofores, a dos Arcos de Anadia e outras cujo emprego se recomendava como justificava
o Engenheiro Silvério.
«Em um distrito como o de Aveiro, onde
alguns concelhos não têm
pedreiras (que forneçam boa cantaria ou alvenaria) e em que ao mesmo tempo a cal é baratíssima não
podia deixar de aproveitar o resultado obtido na experiencia a que se procedeu na referida ponte do Sobral.»
A dosagem de betão empregada pelo Engenheiro Silvério
era a seguinte:
Cal extinta 0,350 mc, areia
0,350 mc, pedra britada 0,870 mc e pozolana dos Açores 0,054 mc.
Nas demolições da parte do molhe sul, feitas ultimamente em consequência
da obra da nova ponte de madeira, se tem verificado bem a magnífica
qualidade da argamassa hidráulica
empregada pelo Engenheiro Silvério, que só a muito custo
com o emprego de explosivos se tem conseguido desmontar.
Em 1815 já apresentara o Engenheiro Luís Gomes de
Carvalho um plano de melhoramentos para tornar navegáveis os rios Vouga-Águeda-Cértima com afim de obter
melhores
/
223 /
comunicações com o porto de Aveiro cuja barra tinha sido
aberta em 1808; volvidos sessenta anos o Engenheiro Silvério apresenta o mesmo problema, sob um aspecto um
pouco diferente, aliando-o ao problema agrícola e à salubridade da região.
Sob o aspecto da hidráulica agrícola, como hoje
se diz,
procurava, promovendo o enxugo dos pântanos de Frossos e do MarneI, e da pateira de Fermentelos, entregar à agricultura cerca de 230 hectares utilizando além disso a vala de
drenagem da pateira como canal navegável entre Fermentelos e Vagos.
Pelo exame do mapa junto se pode verificar qual o trajecto previsto para o canal com cerca de 15 quilómetros e
cujo desnível entre o ponto de partida, Fermentelos, e o
ponto de chegada na ria do Boco em frente de Vagos era de 0,30 metros.
Da pateira de Fermentelos seguia pelo vale da Ribeira
do Pano que é actualmente atravessado por duas pontes,
uma do Caminho de Ferro na linha de Lisboa ao Porto,
e outra a da estrada de Aveiro a Anadia a uns dois quilómetros de Mamodeiro.
O canal, aproximando-se das povoações da Verba e da
Vessada do concelho de Aveiro, ia atravessar a estrada de
Aveiro à Palhaça no limite dos concelhos de Aveiro e Oliveira do Bairro, no local onde hoje existe o pontão do Fontão que teria de ser uma ponte que permitisse a navegação
e, por sua vez, entrando no vale da lavandeira perto de Soza,
iria desembocar no braço da ria chamado do Boco quase em
frente de Vagos onde as águas doces da pateira de Fermentelos, se iriam
misturar com as águas salinas da Ria.
Acerca deste plano de enxugo diz o seu autor no relatório publicado no tomo IV do ano de 1873 da
Revista de Obras Públicas e
Minas, a págs. 361 e seguintes:
«8.º Poucos distritos, como o de Aveiro, apresentam
maiores superfícies de terreno pantanoso e alagado. Não só toda a zona ocidental, contígua ao mar, se encontra muito
baixa de nível numa extensa área, mas ainda para o nascente
existem alguns lagos e pântanos, cujas condições seria possível melhorar
com proveito para a salubridade pública, e
máxima vantagem para a agricultura. Entre estes últimos
devem mencionar-se os conhecidos sob as designações de
«pântanos de Frossos, do Marnel, e de Fermentellos», pela
sua respectiva proximidade das povoações dos mesmos
nomes. Ocupar-me-ei aqui deste último por ser o mais
importante e porque me parece também o de mais fácil dessecamento.
|
Projecto de enxugo da
Pateira de Fermentelos
LEGENDA
cc − Canal a abrir entre
a Pateira e o braço da ia de Vagos para o esgoto daquela.
mm −Mota para impedir que o Rio Cértima desague na Pateira e que as
águas do Águeda e Vouga refluam para a
mesma na ocasião das cheias.
tt − Túnel a construir
no mesmo canal.
tt' − Direcção
preferível do túnel.
p − Comporta para a
derivação de água do Rio Cértima para irrigação e fornecimento
daquelas para a navegação
do mesmo canal.
Reprodução, reduzida, do
mapa que acompanhava o projecto de enxugo da Pateira de Fermentelos,
datado de Julho de 1872, e assinado «SILVÉRIO A. P. DA SILVA».
Utilizou-se, para ela, o exemplar oferecido à Biblioteca Municipal
de Aveiro pelo Sr. Domingos Pereira Campos, e desprovido de
relatório. Veja-se, a este respeito, a obra do engenheiro Mário Pato
− A Pateira de Fermentelos, ante-projecto de enxugo − e o
artigo Fermentelos da Grande Enciclopédia Portuguesa e
Brasileira. (Nota da Redacção). |
Demora o mesmo pântano entre as freguesias de Requeixo,
Ois da Ribeira e de Fermentelos, dos concelhos de Aveiro,
/
225 /
[Vol. XI -
N.º 43 - 1945]
Águeda e Oliveira do Bairro. Desemboca directamente, e
na extremidade norte do pântano, ou pateira de Fermentelos, o rio Cértima seguindo na mesma direcção a
juntar-se
logo ao Águeda e indo ambos reunir-se ao Vouga, pouco
abaixo da Ponte da Rata. O progressivo assoreamento do
leito deste último rio tem dado causa ao represamento das
águas no pântano, cujo fundo em extensa superfície se acha hoje
inferior de nível ao leito do mesmo Vouga.
Uma área proximamente de 230 hectares conserva-se
permanentemente inundada, e uma outra, de mais do dobro,
é todos os invernos coberta pelas águas das cheias, por
diversas vezes, ficando mais ou menos tempo submergida.
Por excesso de humidade, uma extensa superfície de terreno
contíguo pouco ou nada produz.
No verão, a decomposição dos seres orgânicos que
povoam uma grande parte do pântano, que fica a descoberto
e exposto à acção directa dos raios solares, é causa muitas
vezes do desenvolvimento de epidemias, e a existência deste
pântano tem, em alguns anos, sido de perniciosa influência
na salubridade de muitas povoações próximas.
Em 1868, sendo-me oficialmente pedidos alguns esclarecimentos
acerca dos três pântanos referidos, tive ocasião de
proceder a estudos sobre as suas condições de existência, e
já lembrei então a possibilidade de se conseguir o esgoto do
de Fermentelos, por meio de uma nova comunicação deste pântano com a
ria, por um canal que, seguindo por todo o
vale do Pano, e junto às povoações de Verba e da Vessada,
passasse na baixa do Fontão, cortando depois até à ravina, que fica
entre as povoações de Soza e Lavandeira, e indo
entrar no braço da ria para o Boco em frente de Vagos.
A extensão deste canal será muíto proximamente de 15 quilómetros, e a diferença de nível entre o fundo mais baixo da
pateira e a superfície das águas naquele ponto do braço da
ria, em que o desnível maior das marés não excede 0,30 m.
regula com muita aproximação por 3,5 m. Vê-se pois que o
novo canal se abriria facilmente em condições de navegação,
o que seria de muita vantagem.
Isolar-se-ia o rio Cértima do pântano de Fermentelos
por meio de uma mota, superior às cheias e encostada à qual
se dirigia aquele rio a juntar-se ao Águeda, mais ao norte e
abaixo da antiga ponte de Requeixo, que, por se achar assoriada, convém abandonar. Esta mota viria a servir de comunicação em todas as estações, entre as referidas povoações
de Requeixo e Fermentelos e outras dos dois lados do grande
pântano, e a navegação pelo Cértima aproveitaria muito com
semelhante obra.
Do dessecamento do pântano de Fermentelos resultam
pois outras vantagens, além das muito importantes do aproveitamento
/
226 / para a cultura de uma vasta superfície de terreno
de excelente qualidade, mas actualmente improdutivo, e do melhoramento
da salubridade pública.
Quando se não quisesse lançar mão do meio que proponho e julgo
preferível, poder-se-ia ainda conseguir o enxugo de uma grande parte do
mesmo pântano com o emprego de
bombas movidas a vapor, à semelhança do que se tem praticado noutros
países, como por exemplo no lago de Harlens, na Holanda, e em muitos
outros, que por semelhante meio se tem chegado a entregar à cultura.
Este importante melhoramento poderia com muita vantagem pública e
particular ser levado a efeito, por uma empresa ou companhia, à qual o
governo fizesse a concessão dos terrenos, permanentemente inundados, e
que por esse facto se devessem considerar propriedade do Estádo».
Neste plano, embora permitisse aumentar a área de cultura em cerca de
230 hectares, como o seu autor avalia a a área inundada, seria para
ponderar o seu resultado sob o ponto de vista económico.
As vantagens que dele resultariam, comparadas com o valor dos moliços da
pateira que vão fertilizar os campos da região, poderiam ser inferiores
aos encargos do capital dispendido com a obra e daí resultar uma
valorização para cada hectare cuja produção não atingisse os encargos
dessa valorização, tanto mais que os terrenos que iriam ser atravessados
pelo Canal também são produtivos e o Engenheiro Silvério decerto não
possuía os elementos necessários para fazer esse estudo e por isso
limitou-se à concepção da obra sob o aspecto da sua execução.
Aveiro, 1945.
PAIS GRAÇA
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