L. de Miranda Melo, Novas expressões populares da região de Vouga, Vol. XI, pp. 210-213

NOVAS EXPRESSÕES DO LINGUAJAR

DO POVO DA REGIÃO DE VOUGA

Já anda a olhar prà sombra − «Pois pudera não!... Se a cachopa tem a quem sair... Ora não querem lá ver a delambida!... Já a formiga tem catarro... já anda a olhar prà sombra... um pirralho daqueles!... Sim, pois quem havera de ser senão a filha da ti Angelca!...» − Andar a olhar prà sombra quer dizer que, apesar de ainda novita, a rapariga já é vaidosa.


Gandaia
− «Aquilo é homem que anda sempre na gandaia» − Andar na gandaia é andar na pândega.


Está pra ter cria − «A minha vaca castanha, ou a loura, está pra ter cria»... ou «lá a mulher está pra ter cria»... são expressões vulgares de muitos lavradores da região quando as suas vacas ou mulheres estão pará «dar à luz». Ditos ingénuos, sem nenhum melindre para a mulher. E, em verdade se diga, alguns dão mais atenção e valor às crias das vacas do que aos filhos que estão para nascer porque... destes, se morrerem, arranjam-se outros, e, «coitadinhos, são uns anjinhos que vão pró céu, sem andar a sofrer por este mundo de Cristo»... mas as crias das vacas?! «credo, nem pensar nisso, pra longe vá o agouro...» − pois se o pobre homem desde que foi com a vaca ao boi anda de noite e de dia com aquilo na ideia... a contar mentalmente as notas que o bezerro há-de dar na feira... para comprar uma «soga» nova, e umas roupitas para a mulher e para os filhos, e pagar a 2.ª prestação das décimas das terras, e uma promessa que deve ao S. Geraldo, e os juros do dinheiro que ainda não pagou ao compadre, e uns tamancos, e uma foucinha, e uns cabos para as enxadas. . . «um ror de dinheiro!»
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Sangrar o lagar. Quando se deitam cachos demais e, ao pisar, o vinho sai pelas bordas, sangra-se o lagar, tirando um pouco de mosto.


Soga − a corda que anda presa à cabeça das vacas ou dos bois e que ajuda a guiar a parelha quando está ao carro.


Fornada − cozer a fornada e cozer as broas (boroas), pão de farinha de milho, para sustento da família, no forno apropriado, aquecido a lenha, que fica rubro de calor.


Broas e Bolas − Na ocasião de cozer as broas também é costume meter no forno uma ou duas boIas. As broas têm a forma abaulada, ao centro, altas de 10 centímetros; e as bolas são chatas e baixas, regulando de 3 a 6 centímetros de altura. E, dentro das bolas, é hábito meterem sardinhas gordas ou bom pedaço de chouriça de fumeiro, e, depois de cozidas e ainda quentes, servem de «conduto» para a ceia da família do lavrador, que já comeu o caldito e espera, em volta do borralho, o petisco do «conduto».


Conduto. − Depois do caldo, umas sardinhas ou chicharros, assados ou cozidos, um bocado de bacalhau ou carne de porco, mesmo gorda, da salgadeira... é o conduto... muito bom, «louvado seja Deus», com o bocado da braa, as batatas cozidas e a pinguita... porque no caldo já o lavrador deitou um bocado de vinho, para lhe saber melhor. E agora, o pandulho cheio, malgas, travessas, colheres e garfos de ferro, baratos, à espera de serem lavados, o lavrador limpa os beiços gordurosos às costas da mão e lá vai dormir um bocadito a sesta, se e no verão... porque se é no inverno «os dias são pequenos e não chegam p'ra nada... toca pró trabalho»... depois de ter dado a empalhada às vacas.


Empalhada − Quando há falta de erva ou outro pasto verde, o lavrador mistura palha na erva, para dar ao gado, e a isso chama «empalhada».


Borralho − Estar ao borralho é estar sentado em volta da lareira, onde ainda há lume, ou somente brasido. E a boca do forno do pão, via de regra, está virada para a lareira.


Meda da palha ou meda das agulhas − É a palha (de trigo, centeio, azevem, arroz) ou agulhas (rama de pinheiros) que se amontoa, em forma cónica, à volta de uma vara
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Embeiçado − «Está embeiçado pela cachopa» − Está apaixonado, ou gosta dela...


Arruma-te daí, rapaz.... − O mesmo que afasta-te daÍ.


A ninhada dos pitos − «A ninhada dos pitos golou quasi toda... o estafermo da galinha é de fraca raça»...


Golou − Na boa linguagem desta região quer dizer que os pintainhos (pitos) não nasceram.


O galispo novo já gala − Quer dizer que já pode substituir o galo velho no serviço que vinha prestando à economia do lavrador, portanto... no primeiro domingo de festa rija... uma boa arrozada de caçarola e o velho galo assadinho ou guisadinho... porque as galinhas já não lhe sentirão a falta. Lá está o outro.


A filha da ti Justina está com o «esprito» − «É verdade! Pois se a rapariga fala mesmo com a voz grossa do pai, que já morreu há dois meses; Credo! Dão-lhe uns ataques, atira-se pelo chão, que não há quem a segure!» − Esta coisa de espiritismo (mas um espiritismo grosseiro) está a espalhar-se, perigosamente, por todas as localidades da região, pondo em desassossego a vida de muitas famílias e a tranquilidade de muitos lares. Assim que morre alguma pessoa de mais destaque social logo aparece uma «atacada» (sempre mulher), onde o espírito do morto ou da morta se «mete», com exigências de rezas, de dívidas não saldadas, a pedir coisas e loisas, a ameaçar, a barafustar. E toda a gente vai ver os ataques «que dão à rapariga», e toda a gente fala naquilo, e todo o ritmo da boa harmonia e dos trabalhos diários se desorganiza. Entram em cena os «doutores de borralho», as beatas e as mulheres de virtude, que tudo podem, e até, muitas vezes, a valiosa ajuda dos senhores priores das localidades, com «práticas» muito discretas...


A Salgadeira − É uma caixa apropriada onde a mulher do lavrador conserva, envolvida em, sal, a carne dos porcos, que é o governo da família durante todo o ano.


Matreira − rapariga matreira é rapariga manhosa... cautela com ela!
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Sonsinha − «parece que não quebra um prato... uma sonsinha... mas arranjou aquilo e, pelo que se vê, já deve ir em cinco meses... adiantadito... Que Deus lhe dê uma boa horinha!»...


Fosquinhas − fazer fosquinhas é acirrar, provocar zangas.


Maneia-te − «maneia-te mulher» − «anda depressa, acaba com isso, mexe-te...»


Lazeira − Sinónimo de fome. «Estou com uma lazeira»... Também se emprega no sentido de preguiça.


Vai todo Pimpão − Bem posto, todo vaidoso.


A cabana da palha − São umas varas fincadas no chão, com 4 ou 5 m. de altura, e juntas, em cima, em forma de ângulo. Nestas varas, outras são pregadas em sentido paralelo. E ali, entre as varas paralelas, o lavrador mete a palha do milho, depois de escapeladas as espigas, e dali a vai tirando, conforme precisa, para dar às vacas.


Deus vos ajude − Esta saudação ouve-se por toda a região, quando as pessoas de trabalho passam por outras que estão a trabalhar.

Estes termos e fraseado do linguajar do povo da região de Vouga tornam mais completo o que sobre o mesmo assunto publiquei no n.º 40 deste Arquivo, embora, como é natural, haja outros termos e expressões a acrescentar ao que agora e então foi publicado.

LAUDELINO DE MIRANDA MELO

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