EXISTE
no Museu de Aveiro um busto romano do deus Jano bifronte, com vinte e seis centímetros de altura,
e feito de mármore branco. Este deus era representado com dois rostos voltados em sentidos
contrários. Não tem este busto qualquer indicação da sua proveniência
e, por isso, poder-se-á julgar que tenha sido encontrado no local da
cidade de Aveiro.
Se de facto tivesse sido
aqui encontrado, seria um testemunho precioso da civilização romana
neste local, tanto mais
que nenhuns vestígios arqueológicos dos romanos aqui têm
sido encontrados; nem uma inscrição, nem uma moeda,
nem um simples pedaço de tégula. O mesmo se pode dizer dos povos
anteriores e posteriores aos romanos, que dominaram a Península Ibérica.
É de estranhar que, tendo-se os romanos estabelecido nesta Península
durante alguns séculos, não tenham deixado qualquer vestígio da sua
presença em Aveiro.
Não se teriam fixado os romanos nesta região?
Parece que não. Se assim
foi, qual a razão disto?
A pobreza da região? O seu mau clima? O afastamento do local das grandes vias romanas? A insalubridade da região? A
falta de pedra para construções? Tudo isto devia ter concorrido para que
os romanos não se tivessem fixado em Aveiro, cuja região em épocas
distantes era verdadeiramente inóspita e selvagem. A identificação de Aveiro
com a cidade luso-romana de Talábriga é pura fantasia.
Ora, para que a história e a arqueologia não venham a ser falseadas em
virtude da presença do referido busto de Jano no Museu de Aveiro, vou
deixar registada aqui a noticia da sua proveniência.
O busto de Jano não foi encontrado em
Aveiro, nem mesmo perto daqui.
Foi achado numa escavação feita perto da cidade de Portalegre, e trazido
para Aveiro pelo falecido
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[Vol. XI -
N.º 41 - 1945]
engenheiro João Honorato da Fonseca Regala, director de
Obras Públicas, que depois o ofereceu ao Museu de Aveiro
quando ele foi organizado, em 1911, pelo ilustre investigador aveirense
João Augusto Marques Gomes.
Diremos agora algumas palavras sobre o deus Jano. Era o deus da Paz.
Os romanos representavam-no por um
homem com duas cabeças pegadas pela parte posterior.
Havia templos consagrados a Jano. O mês de Janeiro, em latim
Januarius, era também
consagrado a Jano. Nos sacrifícios aos deuses, Jano era invocado em
primeiro lugar.
OVÍDIO, no primeiro livro dos
Fastos, faz contar a Jano a sua história. Este diz: − Sou aquele a quem os
antigos chamavam Caos. Reparai como fui velho.
Para explicar a razão do seu duplo
rosto, disse:
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Perfil do busto |
«Eu exerço o meu império sobre tudo o que vós vedes, sobre o céu e sobre
o ar, sobre o mar e sobre a Terra; tudo se abre e tudo se fecha
quando eu o quiser. Só eu guardo a vasta extensão do Universo, e só eu tenho o poder
de fazer girar o Mundo sobre os seus dois pólos. Quando me agrada dar a
paz e fazê-la sair do meu templo, logo ela se espalha por toda a
parte. Mas também se eu não lhe fechar as portas, a guerra se
acenderá por todos os lugares, e a Terra será inundada de sangue.
Eu presido às portas do céu e guardo-as de acordo
com
as horas que decorrem lentamente. Os dias e o próprio Júpiter, que é o seu autor, não vão e não voltam senão por
meu intermédio. É por isso que eu me chamo Jano.
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Agora sabei por que tenho dois rostos. Toda a porta
tem duas faces, uma para o exterior e outra para o interior.
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Uma
das faces |
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A primeira olha para o Povo; a segunda,
para a entrada da
casa; e como o que guarda a porta vê quem entra e quem
sai, do mesmo modo eu, que sou o porteiro do Céu, observo ao mesmo
tempo o Oriente e o Ocidente, e tenho o poder
de o fazer dos dois lados ao mesmo tempo, sem fazer nenhum
movimento, para não perder tempo ao voltar a cabeça, ou para que não
escape coisa alguma à minha vista».
Havia muitos templos dedicados a Jano. Numa, mandou-lhe construir um
templo em Roma, que estava aberto durante a guerra e fechado durante a
paz.
Aveiro, 8 de Janeiro de 1945.
FRANCISCO FERREIRA NEVES
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