F. Ferreira Neves, Notícia de um busto de Jano no Museu de Aveiro, Vol. XI, pp. 48-50.

NOTÍCIA DE UM BUSTO DE

JANO NO MUSEU DE AVEIRO

EXISTE no Museu de Aveiro um busto romano do deus Jano bifronte, com vinte e seis centímetros de altura, e feito de mármore branco. Este deus era representado com dois rostos voltados em sentidos contrários. Não tem este busto qualquer indicação da sua proveniência e, por isso, poder-se-á julgar que tenha sido encontrado no local da cidade de Aveiro.

Se de facto tivesse sido aqui encontrado, seria um testemunho precioso da civilização romana neste local, tanto mais que nenhuns vestígios arqueológicos dos romanos aqui têm sido encontrados; nem uma inscrição, nem uma moeda, nem um simples pedaço de tégula. O mesmo se pode dizer dos povos anteriores e posteriores aos romanos, que dominaram a Península Ibérica.

É de estranhar que, tendo-se os romanos estabelecido nesta Península durante alguns séculos, não tenham deixado qualquer vestígio da sua presença em Aveiro.

Não se teriam fixado os romanos nesta região?

Parece que não. Se assim foi, qual a razão disto?

A pobreza da região? O seu mau clima? O afastamento do local das grandes vias romanas? A insalubridade da região? A falta de pedra para construções? Tudo isto devia ter concorrido para que os romanos não se tivessem fixado em Aveiro, cuja região em épocas distantes era verdadeiramente inóspita e selvagem. A identificação de Aveiro com a cidade luso-romana de Talábriga é pura fantasia.

Ora, para que a história e a arqueologia não venham a ser falseadas em virtude da presença do referido busto de Jano no Museu de Aveiro, vou deixar registada aqui a noticia da sua proveniência.

O busto de Jano não foi encontrado em Aveiro, nem mesmo perto daqui. Foi achado numa escavação feita perto da cidade de Portalegre, e trazido para Aveiro pelo falecido / 49 / [Vol. XI - N.º 41 - 1945] engenheiro João Honorato da Fonseca Regala, director de Obras Públicas, que depois o ofereceu ao Museu de Aveiro quando ele foi organizado, em 1911, pelo ilustre investigador aveirense João Augusto Marques Gomes.

Diremos agora algumas palavras sobre o deus Jano. Era o deus da Paz. Os romanos representavam-no por um homem com duas cabeças pegadas pela parte posterior.

Havia templos consagrados a Jano. O mês de Janeiro, em latim Januarius, era também consagrado a Jano. Nos sacrifícios aos deuses, Jano era invocado em primeiro lugar.

OVÍDIO, no primeiro livro dos Fastos, faz contar a Jano a sua história. Este diz: − Sou aquele a quem os antigos chamavam Caos. Reparai como fui velho.

Para explicar a razão do seu duplo rosto, disse:

Perfil do busto

«Eu exerço o meu império sobre tudo o que vós vedes, sobre o céu e sobre o ar, sobre o mar e sobre a Terra; tudo se abre e tudo se fecha quando eu o quiser. Só eu guardo a vasta extensão do Universo, e só eu tenho o poder de fazer girar o Mundo sobre os seus dois pólos. Quando me agrada dar a paz e fazê-la sair do meu templo, logo ela se espalha por toda a parte. Mas também se eu não lhe fechar as portas, a guerra se acenderá por todos os lugares, e a Terra será inundada de sangue.

Eu presido às portas do céu e guardo-as de acordo com as horas que decorrem lentamente. Os dias e o próprio Júpiter, que é o seu autor, não vão e não voltam senão por meu intermédio. É por isso que eu me chamo Jano. / 50 /

Agora sabei por que tenho dois rostos. Toda a porta tem duas faces, uma para o exterior e outra para o interior.

 

 
 

Uma das faces

 

A primeira olha para o Povo; a segunda, para a entrada da casa; e como o que guarda a porta vê quem entra e quem sai, do mesmo modo eu, que sou o porteiro do Céu, observo ao mesmo tempo o Oriente e o Ocidente, e tenho o poder de o fazer dos dois lados ao mesmo tempo, sem fazer nenhum movimento, para não perder tempo ao voltar a cabeça, ou para que não escape coisa alguma à minha vista».

Havia muitos templos dedicados a Jano. Numa, mandou-lhe construir um templo em Roma, que estava aberto durante a guerra e fechado durante a paz.

Aveiro, 8 de Janeiro de 1945.

FRANCISCO FERREIRA NEVES

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