O
INTERESSANTE estudo sobre a Casa Solar da Oliveirinha, publicado no
último número do Arquivo
vindo no correio de hoje, dá-me um belo ensejo para
divulgar, neste repositório de notícias do nosso distrito um achado que tive a felicidade de fazer recentemente.
Nesse estudo, exposto com graça e beleza pouco vulgares em trabalhos genealógicos, inclui-se o texto seguinte
copiado dum manuscrito:
«...Ruy Pereira chamado o Conde Pay do 1.º Conde
da Feira D. Diogo
Pereira...
Seguem referências ao mesmo Conde Pay:
...o tinha feito o mesmo
Conde....
e
...na pendência que o dito Conde teve com o
Conde de Marialva, e como o dito Conde da Feira....
Em nota vem explicado:
Segundo D. ANTÓNIO CAETANO DE SOUSA (Hist. Gen.
da Casa Real, tomo 3.º, pág. 28) D. Afonso V fez conde
de Moncorvo a Rui Pereira, porém ele quis intitular-se conde da Feira e os linhagistas contam
este
como o primeiro. D. Diogo Pereira foi feito conde da
Feira por mercê de D. Manuel em 2 de Janeiro de 1515.
Trago neste momento entre mãos um trabalho abrangendo os condes da Feira e por isso, destrinço facilmente a embrulhada que envolve a criação deste título e os primeiros
titulares.
Justamente por isso ser muito incidental no criterioso
artigo do Arquivo, atrevo-me a aproveitar o ensejo para elucidar, com
dados precisos, os primórdios do condado da
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Feira.
D. Diogo Pereira não foi o
primeiro conde da Feira,
como o próprio manuscrito copiado diz, tratando por conde o Rui Pereira,
pai do D. Diogo e chamando-lhe até por extenso conde da Feira.
Quem teve a testilha com o conde de Marialva, iniciada nas cortes de
Évora, foi o Rui Pereira ou Rui Vaz Pereira,
primeiro conde da Feira. Foi aquele fidalgo soberbão e altivo de quem
ARNALDO GAMA nos conta os dissabores na Ultima Dona de S. Nicolau.
Os bons burgueses da beetria do Porto deitaram fogo à casa, onde se
hospedara por mais de três dias permitidos, aos fidalgos nos privilégios daquela cidade. Muito acertadamente lhe chama o manuscrito
conde, e conde da Feira.
Inventou-se, muito depois, que fora
conde sem licença deI rei, conde de Moncorvo, conde das suas terras,
conde da vila e do castelo da Feira e quanto repetiu inadvertidamente.
D. ANTÓNIO CAETANO DE SOUSA. Mas é tudo redondamente
falso e surgiu dois séculos mais tarde, por obra e graça do padre
mestre PEDRO DA CONCEIÇÃO, autor da
«colecção mais audaciosa de documentos falsos reunida e com inverosímil
ousadia divulgada no livro intitulado Allegaçam practica»...
como elucidou ANSELMO BRAAMCAMP FREIRE (Brasões da Sala de Sintra, livro
,I, págs. 312 e segs.). O padre mestre, falsário emérito, descendia
do Mulato, filho bastardo daquele Rui Vaz Pereira e falecido em vida do
pai.
Urdiu nada menos do que vinte e seis documentos, todos de completa
falsidade, autenticando mentiras e fábulas, para que a sucessão da Casa
da Feira pertencesse ao ramo bastardo representado por um seu irmão.
Quando D. Diogo Pereira obteve a confirmação das
terras e praças concedidas ao seu pai Rui Vaz Pereira, reconhecia-lhe a
carta régia de 7 de Dezembro de 1486,
registada a fl. 115 do livro 8.ç da chancelaria de D. João II e de fls. 106 v. a 108 do livro 13.º da Estremadura,
− o direito
«derdare auer todallas dictas terras e
graças e
outras cousas... tam compridamente como as o dicto
conde seu pay avia...
Logo aí se constatava oficialmente ter o pai sido conde.
Ora o Rui Vaz Pereira, segundo o costume da época, ao ser elevado a
conde, adoptou o dom e fez-se chamar D. Rodrigo Pereira, modernizando o
nome.
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O alvará de 16 de Maio de 1481,
− registado na chancelaria de D. João II, livro 3.º, fl. 43 v., −já se referia ao conde D. Rodrigo Pereira, ainda em vida deI rei D. Afonso
V, que só
morreu a 28 de Agosto desse ano. Autenticamente,
portanto, está demonstrado ser o título do primeiro conde da Feira anterior a Maio de 1481.
O filho deste D. Rodrigo Pereira, chamado D. Diogo, foi o segundo
conde da Feira; mas também se não sabe ao certo quando teve este título.
Tenho quase a certeza de já a 25 de Outubro de 1502
ser o D. Diogo conde, quando lhe notificaram uma sentença, estando el
rei D. Manuel no Castelo da Feira. Isto consta do processo guardado na
Torre do Tombo, gaveta X, maço 12, n.º 16. Na notificação e em actos
anteriores desse processo dá-se-lhe o tratamento de conde, confirmado
pela presença
à tal notificação de fidalgos da comitiva real.
Já não era sem tempo a confirmação do título dezasseis
anos depois de estar de posse da Casa da Feira.
Conhecem-se cartas régias chamando conde ao D. Diogo Pereira de 26 de
Setembro e 3 de Dezembro de 1503, de 15 e 23 de Janeiro de
1504. − registadas todas a fl. 24 do livro 21.º da chancelaria de D. Manuel,
− e de 15 de Abril de 1510, registada a fl.
104 do livro 13.º da Estremadura.
Não se sabe, porém, a data da carta que lhe conferiu o
título de conde.
Essa outra de 2 de Janeiro de 1515, citada na nota atrás transcrita,
não podia fazê-lo conde por uma razão de força maior: tinha morrido a
17 de Agosto de 1509, uns seis anos e meio antes.
Quem foi feito conde da Feira por essa carta de 2 de
Janeiro de 1515 foi D. Manuel Pereira, filho desse conde
D. Diogo e neto do conde D. Rodrigo, anteriormente chamado Rui Vaz
Pereira.
Como se vê a rectificação é pequena, mínima mesmo.
Estava trocado o filho pelo pai, em substituição do avô.
Um tal engano deve provir do dicionário
Portugal que traz essa informação falsa, copiada talvez de algum almocreve das petas. Há tantos por essa história de Portugal além, que costumo chamar-lhes
mentideros históricos.
Mas tudo isto digo para motivar a grata notícia que tenho de comunicar
aos leitores do Arquivo ainda com o excesso de paciência de ler alguma
coisa subscrita pelo carola impenitente do Castelo da Feira.
Não sei se os meus dois leitores (o tipógrafo e o revisor) estão no conhecimento dum alfarrábio publicado
«Em Nápoles por Novelo de Bonis no ano M.CX.lI.
com permissão dos superiores».
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Chama-se essa obra Theatro Genealógico pelo prior
D. TIVISCO DE NASAO ZARCO, Y COLONA.
Parece que o nome é tão falso como a data, uns anitos anterior à descoberta da imprensa: três séculos só.
Crê-se que tudo isto é modéstia do verdadeiro autor: Manuel de Carvalho
de Ataíde, pai daquele Sebastião José de Carvalho e Melo que ao depois
foi conde de Oeiras e marquês de Pombal.
O certo é que um alvará de 28 de Agosto de 1703, como rectificou o conselheiro EDUARDO DE CAMPOS DE CASTRO
AZEVEDO SOARES (CARCAVELOS) na sua Bibliografia Nobiliárquica, − mandou apreender o
Theatro por não ter fé nem crédito.
A essa apreensão escaparam, no entanto,
alguns exemplares quase todos
acrescidos com notas e ampliações manuscritas.
Na Biblioteca Municipal da Feira que, à falta de melhor, me encarregaram
de dirigir, existe um exemplar da obra do
D. TIVISCO, largamente cheio de notas em todas as folhas por uma letra
cursiva, firme e bem talhada, de quem escreve com esmero e cuidado e com
a concisão precisa e terminante, não nos deixando duvidar da boa fé com
que se lançaram esses apontamentos de ciência certa e de indubitável
convicção.
Na segunda folha referente aos Pereiras, a 173, para o lado da lombada, vê-se uma nota que começou no outro
extremo da página logo depois do nome de D. Álvaro Pereira:
«f.º de D. João Per. o Mulato F. C. com moradia
f.º B. do 1.º Conde da
Feira Rui Per.ª e S. desta Villa
por m.cê d'EI Rey D. Aff.º 5.º q.e o fes Conde p.r
Carta
de 12 de Jan.ro de 1472,»
Por mero acaso, aos 9 de Fevereiro, quando procurava
dados genealógicos dos ascendentes feirenses do grande marquês de
Pombal, deparou-se-me esta preciosa indicação, há tanto tempo rebuscada.
E eis como, pelo carnaval de 1945, fiz a grande descoberta da data em que foi instituído o condado da Feira.
Resta agora pesquisar o
registo dessa carta régia ou vestígio dela nos livros das chancelarias
para lhe confirmar a autenticidade.
Feira, 18 de Abril de 1945.
VAZ FERREIRA
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