EÇA DE QUEIRÓS nasceu na
Póvoa de Varzim no dia 25 de Novembro de 1845 e faleceu em Paris, com
menos de cinquenta e cinco anos, em 16 de Agosto de 1900.
Foi seu avô paterno Joaquim
José de Queirós, natural das Quintãs, concelho de Aveiro, filho de
Marcelino Próspero de Queirós, de Amarante, e de sua
mulher D. Joana Leonor, das Quintãs(1).
Do casamento de Joaquim José
de Queirós com D. Teodora Joaquina de Almeida, de Fornos de Algodres,
resultaram seis filhos: Joaquim Augusto de Almeida Teixeira de Queirós,
magistrado como seu pai; Bernardo de Almeida Teixeira de Queirós, que
foi director do correio de Aveiro; José Maria de Almeida Teixeira de
Queirós, pai de EÇA, também magistrado, que veio a falecer em 1901;
João de Almeida Teixeira de Queirós, militar; D. Maria
Emília de Queirós e D. Ana Libânia de Almeida Teixeira de Queirós(2).
A mãe de EÇA DE QUEIRÓS, D.
Maria Carolina Augusta Pereira de Eça, era filha do coronel José António
Pereira de Eça, falecido em 1833, e de D. Angélica Clementina de Abreu e
Castro.
Seguindo agora EÇA DE
QUEIRÓS na sua carreira académica, de advogado, de empregado público e
de escritor, fixaremos as principais datas, desnecessárias para muita
/
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de utilidade para os leitores do Arquivo que
andam menos a par destes assuntos.
EÇA DE QUEIRÓS sai de Vila do Conde, onde
fora baptizado, para a companhia dos pais, em 1851. Segue-se o período
da sua vida em que principalmente terá passado largas temporadas em casa dos avós paternos, em Verdemilho(3). Feito o seu exame
de instrução primária, aos treze anos, e os preparatórios para o
ingresso no curso superior, Eça matricula-se em 1861 no primeiro ano da Faculdade de Direito da Universidade,
e sai de Coimbra, formado, em 1866. Datam
desse ano os seus primeiros escritos, na Gazeta de Portugal.
Havendo iniciado o exercício da advocacia, vai para
Évora em princípios de 1867 e aí funda, dirige e redige o jornal − Distrito de
Évora −, que abandona em Agosto para
de novo se fixar em Lisboa, onde continua a colaborar na Gazeta.
Abre banca de advogado e entra com JAIME BATALHA
REIS e ANTERO DO QUENTAL no célebre Cenáculo.
Em fins de 1869, viaja pelo Egipto e Terra Santa com o
Conde de Resende, e em princípios de 1870 está na capital.
Dentro de pouco tempo, porém, é nomeado administrador do concelho de
Leiria, donde foi enviando para Lisboa a sua
colaboração no Mistério da Estrada de Sintra, que com
RAMALHO ORTIGÃO publicou no "Diário de Notícias", em
folhetins. Foi em Setembro do mesmo ano que fez concurso para cônsul, no qual foi o primeiro classificado.
Em 1871, está pronto o primeiro esboço de
O Crime do
Padre Amaro, cuja acção, como é sabido, se passa em Leiria
e proximidades. Nesse mesmo ano, inicia o escritor a sua colaboração nas
Farpas, e é um dos conferentes do Casino Lisbonense (Junho), já depois
de haver sido exonerado do cargo de administrador.
Tendo sido nomeado cônsul de primeira classe para as
Antilhas Espanholas, em Março de 1872, chega à Havana
(Cuba) em fins desse ano. Em 1873, viaja pela América
Central e do Norte, e é transferido para o consulado de Newcastle
(1874).
De Fevereiro a Maio de 1875, publica-se, na
"Revista Ocidental", a primeira redacção de O Crime do Padre Amaro. Não tinha ainda acabado
essa publicação, e já o autor tratava de remodelar a obra para a
publicar em livro, o que de facto aconteceu em 1876.
Em 1878 (Julho), é transferido para o consulado de Brístol.
Nesse ano, sai O Primo Basílio, e em 1879 sofre O Crime do
Padre Amaro, nova e última remodelação, dada a lume
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em 1880, ano em que também aparece O Mandarim, em folhetins do "Diário de Portugal".
EÇA DE QUEIRÓS casou-se em 1886, na idade de quarenta e um anos, com a irmã do Conde de Resende, D. Emília de Castro e
Pamplona. Desse consórcio nasceram três filhos (José Maria, António e
Alberto) e uma filha (D. Maria de Castro Pamplona Eça de Queirós).
Em 1887 aparece A Relíquia, primeiramente publicada em folhetins da
"Gazeta de Notícias", do Rio de Janeiro.
Os Maias, começados em 1880, só oito anos depois
vêm a lume. Nesse mesmo ano de 1888, é o escritor colocado no consulado de Paris. Na
"Revista de Portugal", por ele fundada
pouco depois, é publicada a Correspondência de Fradique Mendes
(1888-1892).
De 1890 a 1899 aparecem A Ilustre Casa de Ramires e os variadíssimos
artigos que mais tarde haviam de constituir os volumes das Cartas
Familiares e Bilhetes de Paris, Ecos de Paris, Notas Contemporâneas e
Últimas Páginas, além doutros.
É também dessa fase da vida do escritor
A Cidade e as Serras, trabalho
que só postumamente foi trazido a público (1901). − Devemos ainda citar
a colecção dos Contos, postumamente recolhidos das publicações
periódicas em que primeiro haviam aparecido, e a notável tradução de As
minas de Salomão, de RIDER HAGGARD, publicada pela primeira vez na citada
"Revista de Portugal".
Entre 1925 e 1929, publicaram-se os seguintes volumes,
reprodução de
manuscritos encontrados no espólio do autor: A Capital, romance;
O Conde
de Abranhos; Alves & Companhia; Cartas Inéditas de Fradique Mendes;
Correspondência (cartas), e Egipto
(4).
A morte de EÇA DE QUEIRÓS
ocorreu, como já ficou escrito, em Paris, no
dia 16 de Agosto de 1900. Um mês depois, foram os restos mortais do
autor de tantas obras-primas transportados para Portugal e depositados
no cemitério do Alto de S. João, em Lisboa.
Não sabemos como a imprensa portuguesa se referiu ao acontecimento. Dos
jornais da época, só conhecemos a homenagem, simples mas eloquente, que
prestou à memória do
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romancista o jornal de caricaturas − A Paródia −, onde pontificava o habilíssimo e não menos irreverente lápis de Rafael Bordalo Pinheiro.
No número de 29 de Agosto de 1900, na primeira página, ornada de crepes,
entrevê-se, à direita,
o busto do escritor; folhas de louro inclinam para ele as extremidades,
e por baixo delas vêem-se, cruzadas, duas penas.
No fundo da página, estas palavras − «A Paródla abre um
parêntesis na sua alegria para uma singela comemoração
ao glorioso Mestre que passa inanimado, ao invólucro do
gentilíssimo espírito do grande ironista, que deixa em
páginas inconfundíveis o traço indelével do seu talento e uma boa parte
da herança que recebemos do século XIX intelectual». − As duas páginas
centrais do número de 26 de
Setembro são dedicadas ao finado homem de letras: em cima,
avulta um grande caixão, coberto de flores e sustentado pelos
ombros de indistinta multidão, por baixo do qual figuram estas
palavras: − «Como ele é grande! Como ele pesa! E dizermos que está morto!»
− Algumas figuras caricaturais, ao fundo,
mostram-nos os oradores, entre eles o Conselheiro
Acácio e o Paula dos Móveis, personificação, por certo, de
homens públicos da época; mas o mais expressivo da página
é a representação, à direita, do encontro do espectro do morto
com o Zé Povinho. O artista esbateu admiravelmente a
figura do escritor, que aparece curvado, a assestar o monóculo para melhor observar a passagem do próprio funeral; e o diálogo
travado entre as duas figuras está bem à altura do
humorismo do homem a quem se prestava homenagem:
− «Quem morreu? Algum burocrata, algum comerciante,
algum banqueiro? De quem é o enterro?
− É o seu.
− O meu?
− Como lhe digo. Pois não reconhece os seus
colegas?
− Os meus colegas?! São
todos cônsules?..
Tem-se pensado em trasladar os restos
mortais do escritor para o túmulo do cemitério do Outeirinho (Verdemilho),
onde jazem os do seu avô paterno. Essa aspiração, já antiga,
ainda há poucos anos tentaram realizá-la os Drs. LUÍS DE
MAGALHÃES e ALBERTO SOUTO, e outros. O nosso colaborador Sr. ACÁCIO ROSA, em valioso artigo publicado no volume VIII do
Arquivo (1942, págs. 89 a 92), desenvolvidamente historiou as
diligências que para isso se fizeram.
Parece que a única dificuldade está na prévia erecção, naquele
cemitério e no local da sepultura de Joaquim José de Queirós,
de mausoléu ou jazigo condigno, ou na restauração do mausoléu ali
existente, que custam muito dinheiro...
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Ali ficariam muito bem, com efeito, os despojos do
excelso escritor. Como afirmou ACÁCIO ROSA, era justo que em Verdemilho,
onde viveram seus avós paternos e onde passou parte da sua vida, viesse
enfim repousar aquele cujas
reminiscências infantis o levaram a confessar-se, em Carta
dirigida a OLIVEIRA MARTINS (1884), «filho de Aveiro, educado na Costa
Nova, quase peixe da ria».
Será difícil a satisfação dos desejos da meia dúzia de intelectuais de
Aveiro, que para isso apenas dispõem de boa vontade. Perdida a última
oportunidade, o centenário, e desaparecidos os derradeiros defensores da
trasladação, nunca mais ninguém tomará semelhante iniciativa, e EÇA DE QUEIRÓS continuará a dormir no cemitério de Lisboa o seu eterno sono. Se
assim for, reste aos seus amigos de hoje, aqui residentes, a esperança
de que o jazigo que lhe guarda as cinzas venha a ser, no futuro, lugar
de peregrinação para os seus admiradores, nacionais e estrangeiros −
talvez mais para estes do que para aqueles −, se o futuro não vier a
trazer para esses venerandos restos a mesma indiferença que o rodar dos
anos já trouxe para os despojos de GARRETT, de CAMILO e de outros
escritores da mesma ou semelhante estatura.
Estamos convencidos de que tudo esquecerá, talvez mais depressa do que se julga. Tudo, menos a enorme herança que o gigante
das letras nos deixou!
Aveiro, Janeiro de 1945.
JOSÉ PEREIRA TAVARES |