Pouco se sabe dos
acontecimentos que por ocasião das lutas liberais se desenrolaram por
terras de Águeda e bem poucas e imprecisas são as notícias que a tal
respeito chegaram até nós.
Foi-me dado examinar há tempos um curioso manuscrito da época
− processo
de justificação − que foi organizado e seguiu seus termos no Juízo de
Fora da Vila de Recardães em 1831, a requerimento de Joaquim Pires
Soares(1), escrivão da Câmara, Orfãos e Almotaçaria da vila de
Ois da
Ribeira. Tinha o requerente em vista demonstrar, para se defender de
acusações que lhe eram feitas e reputava injustas, que ele não era
hostil à causa do rei D. Miguel, e, pelo contrário, fora o primeiro que
propôs para ser feita na vila de Ois a aclamação daquele monarca; no
processo, alega Joaquim Pires Soares que sofreu, por virtude dos seus
sentimentos e «do seu bem conhecido affecto á Causa de Sua Mag.de»
várias perseguições dos liberais a quem apoda de «Rebeldes», sendo a
sua casa assaltada e andando ele fugido dela e da família por algum
tempo; que lhe fizeram vários roubos e estragos, prendendo seus criados
e pondo fora de casa sua mulher e filhos dizendo que iam lançar o fogo à
sua habitação.
Porque do mencionado processo resultam elementos que
podem ser aproveitados para traçar uma página bem expressiva da época
tumultuária a que os factos respeitam, deixo aqui arquivado o
requerimento do antigo Escrivão da Câmara de Ois da Ribeira, onde vêm
explanadas as suas queixas pelos abusos cometidos contra sua pessoa,
família e haveres, e que as testemunhas ouvidas confirmaram plenamente.
Depuseram no processo o Dr. Manuel Ferreira Coelho, do
lugar da Piedade; o Capitão-Mor José Pinto Guedes de Almeida
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179 /
Souto Maior, da Casa do Morangal, termo da vila de Ois, e António
Pinto Guedes Osório de Almeida Souto Maior, também daquela Casa. A
inquirição teve lugar no dia 14 de Maio de 1831, e as testemunhas,
prestado o juramento dos Santos
Evangelhos, todas afirmaram unanimemente que o justificante
exercia de facto o cargo de escrivão da Câmara, sem que tivesse cometido
erro algum ou disso fosse infamado; que era de boa
moral e religião; que era muito afecto à causa da realeza e
disso tinha dado provas, salientando-se que foi ele o primeiro a
lembrar e a propor a aclamação do rei D. Miguel em terras de Ois. Tudo se provou sem sombra de dúvida, o que levou o
Juiz de Fora − Doutor José Freire Temudo − a lavrar a sua
sentença no mesmo dia 14 de Maio do dito ano de 1831, dando
como provados todos os factos alegados pelo suplicante, conclusão a que se chegou em vista dos depoimentos categóricos
e concordes que se produziram.
SOARES DA GRAÇA
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Diz Joaquim Pires Soares da VilIa de Oys da Ribeira, Escrivão da Camera,
Orfaõs, Almotacaria da mesma VilIa q para instruir certos requerimentos
q tem afazer pertende justeficar no Juizo desta VilIa de R.es os Itens
seguintes:
1
It. que elIe Supq.e está servindo, e serve á quinze p.ª
16 annos os off.os
de Escr.am da Camera, Orfaõs e Almotaçaria da ViIla de Oys da Ribeira
com boa aceitaçaõ dos povos, e sem que tenha cometido erro algum nem
diso tenho sido infamado.
2
It. que elIe supq.e he de boa moral, e de muita Relegiaõ he
m.to affecto,
e tem a mais devid.ª adhesaõ a Cauza da Realeza, e diso tem dado as
provas mais decezivas pois foi o primeiro q propoz fazer-se a acIamaçaõ
de ElRey o Senhor Dom Miguel Primeiro convidando para isso algumas
pesoas q eraõ dos m.mos sentim.tos, e igualmente affectas ao Governo de S.
Mag.de
3
It. que em conseq.ª do seu bem conhecido afecto e adhesão á Cauza de Sua
Mag.de elle supq.e sofreo varias perseguicoens dos Rebeldes, ou
constitucionaes e para escapar aos insultos e as prisoens com q estava
amiacado elle se vio na nessecidade de andar fugitivo de sua casa varios
tempos sendo a m.ma sua caza invadida, e asaltada por huma forca
chamada
/
180 /
dos Rebeldes do B.am na alta noite, e lhe fizeraõ varias roubos, e
estragos,
prendendo-lhe seus criados, e mamdando por fora de sua casa sua mulher
e f.as dizendo lhe queriaõ lancar afogo
4
It. que o supq.e tem huma boa caza, e
estabellecim.to na dita Villa de
Oys da Ribeira aonde pessue m.tos bens, e ahi rezide com sua Familia de
m.er e f.os, e criados, tratando-se com honra e decencia, e vivendo a Ley
da Nobreza
D. Justifique
Fr.e Themundo(2) |
P. a V. S. Snr. Dr. Juiz de Fóra seja servido admetir o Supq.e a justeficar o exposto, e justeficado que seja se julgue am.ma justeficaçaõ por boa e se
m.de entregar ao Sup.e p.ª a poder
aprezentar onde lhe convier
E. R. M. C. |
SOARES DA GRAÇA |