Soares da Graça, Eco das lutas liberais no concelho de Águeda, Vol. VIII, pp. 178-180.

ECOS DAS LUTAS LIBERAIS

NO CONCELHO DE ÁGUEDA

Pouco se sabe dos acontecimentos que por ocasião das lutas liberais se desenrolaram por terras de Águeda e bem poucas e imprecisas são as notícias que a tal respeito chegaram até nós.

Foi-me dado examinar há tempos um curioso manuscrito da época − processo de justificação − que foi organizado e seguiu seus termos no Juízo de Fora da Vila de Recardães em 1831, a requerimento de Joaquim Pires Soares(1), escrivão da Câmara, Orfãos e Almotaçaria da vila de Ois da Ribeira. Tinha o requerente em vista demonstrar, para se defender de acusações que lhe eram feitas e reputava injustas, que ele não era hostil à causa do rei D. Miguel, e, pelo contrário, fora o primeiro que propôs para ser feita na vila de Ois a aclamação daquele monarca; no processo, alega Joaquim Pires Soares que sofreu, por virtude dos seus sentimentos e «do seu bem conhecido affecto á Causa de Sua Mag.de» várias perseguições dos liberais a quem apoda de «Rebeldes», sendo a sua casa assaltada e andando ele fugido dela e da família por algum tempo; que lhe fizeram vários roubos e estragos, prendendo seus criados e pondo fora de casa sua mulher e filhos dizendo que iam lançar o fogo à sua habitação.

Porque do mencionado processo resultam elementos que podem ser aproveitados para traçar uma página bem expressiva da época tumultuária a que os factos respeitam, deixo aqui arquivado o requerimento do antigo Escrivão da Câmara de Ois da Ribeira, onde vêm explanadas as suas queixas pelos abusos cometidos contra sua pessoa, família e haveres, e que as testemunhas ouvidas confirmaram plenamente.

Depuseram no processo o Dr. Manuel Ferreira Coelho, do lugar da Piedade; o Capitão-Mor José Pinto Guedes de Almeida / 179 / Souto Maior, da Casa do Morangal, termo da vila de Ois, e António Pinto Guedes Osório de Almeida Souto Maior, também daquela Casa. A inquirição teve lugar no dia 14 de Maio de 1831, e as testemunhas, prestado o juramento dos Santos Evangelhos, todas afirmaram unanimemente que o justificante exercia de facto o cargo de escrivão da Câmara, sem que tivesse cometido erro algum ou disso fosse infamado; que era de boa moral e religião; que era muito afecto à causa da realeza e disso tinha dado provas, salientando-se que foi ele o primeiro a lembrar e a propor a aclamação do rei D. Miguel em terras de Ois. Tudo se provou sem sombra de dúvida, o que levou o Juiz de Fora − Doutor José Freire Temudo − a lavrar a sua sentença no mesmo dia 14 de Maio do dito ano de 1831, dando como provados todos os factos alegados pelo suplicante, conclusão a que se chegou em vista dos depoimentos categóricos e concordes que se produziram.

SOARES DA GRAÇA

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Diz Joaquim Pires Soares da VilIa de Oys da Ribeira, Escrivão da Camera, Orfaõs, Almotacaria da mesma VilIa q para instruir certos requerimentos q tem afazer pertende justeficar no Juizo desta VilIa de R.es os Itens seguintes:

1

It. que elIe Supq.e está servindo, e serve á quinze p.ª 16 annos os off.os de Escr.am da Camera, Orfaõs e Almotaçaria da ViIla de Oys da Ribeira com boa aceitaçaõ dos povos, e sem que tenha cometido erro algum nem diso tenho sido infamado.

2

It. que elIe supq.e he de boa moral, e de muita Relegiaõ he m.to affecto, e tem a mais devid.ª adhesaõ a Cauza da Realeza, e diso tem dado as provas mais decezivas pois foi o primeiro q propoz fazer-se a acIamaçaõ de ElRey o Senhor Dom Miguel Primeiro convidando para isso algumas pesoas q eraõ dos m.mos sentim.tos, e igualmente affectas ao Governo de S. Mag.de

3

It. que em conseq.ª do seu bem conhecido afecto e adhesão á Cauza de Sua Mag.de elle supq.e sofreo varias perseguicoens dos Rebeldes, ou constitucionaes e para escapar aos insultos e as prisoens com q estava amiacado elle se vio na nessecidade de andar fugitivo de sua casa varios tempos sendo a m.ma sua caza invadida, e asaltada por huma forca chamada / 180 / dos Rebeldes do B.am na alta noite, e lhe fizeraõ varias roubos, e estragos, prendendo-lhe seus criados, e mamdando por fora de sua casa sua mulher e f.as dizendo lhe queriaõ lancar afogo

4

It. que o supq.e tem huma boa caza, e estabellecim.to na dita Villa de Oys da Ribeira aonde pessue m.tos bens, e ahi rezide com sua Familia de m.er e f.os, e criados, tratando-se com honra e decencia, e vivendo a Ley da Nobreza

D. Justifique
Fr.e Themundo
(2)

P. a V. S. Snr. Dr. Juiz de Fóra seja servido admetir o Supq.e a justeficar o exposto, e justeficado que seja se julgue am.ma justeficaçaõ por boa e se m.de entregar ao Sup.e p.ª a poder aprezentar onde lhe convier

E. R. M. C.

SOARES DA GRAÇA

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(1) Ascendente do meu Ex.mo amigo e conterrâneo Dr. António Tavares da Silva, a quem pertence o manuscrito referido, por cuja cedência me confesso aqui muito agradecido.

(2) Rubrica do Juiz de Fora de Recardães, Dr. José Fortunato Freire da Fonseca Temudo.. 

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