M. R. Simões Júnior, Mosteiro de Arouca. Trasladação da rainha Santa Mafalda, Vol. VIII, pp. 174-177.

MOSTEIRO DE AROUCA

TRASLADAÇÃO DA RAINHA SANTA MAFALDA

No arquivo pertencente ao falecido Comendador Dr. António Teixeira de Brito, antigo advogado das Freiras do Mosteiro de Santa Maria de Arouca, foi encontrada, por seu neto, Dr. Alberto Carlos de Brito, digno assistente da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, a seguinte certidão que teve a amabilidade de me facultar:

Certidão do auto a que mandou proceder o Ex.º Snr. Bispo da trasladação das Relíquias da Rainha Santa Mafalda. Certifico eu o P.e Jozé da Fonseca Presbítero do hábito do S. Pedro Escrivão da Camara Ecleziastica deste Bispado de Lamego, e Notario Apostolico de Sua Santidade dos approvados na forma do Concilio, em como vindo o Ex.º Snr. D. João Antonio Binet Pincio, por mercê de Deos e da Santa Sé Apostolica Bispo deste ditto Bispado de Lamego a esta villa de Arouca, ao Real Mosteiro della, que he da Ordem ele Cister, e Congregação da Ordem de S. Bernardo de Religiozas, para effeito de serem trasladadas as Reliquias da Raynha Santa Mafalda que se achavão no mesmo Mosteiro, e declarada Santa por Bulla Apostolica, ahi mandou lavrar o auto seguinte cujo theor de verbo ad verbum he como se segue −: «Auto de abertura do cayxão de pedra e trasladação das Reliquias da Raynha Santa Mafalda» − Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Cristo de mil sette centos, noventa e trez annos aos desaseis dias do mez de Junho do ditto anno neste Real Mosteiro de Arouca, que he da Ordem de Cister aonde veyo o Ex.º Sñr. D. João Antonio Binet Pincio por mercê de Deos, e da Santa Sé Apostolica Bispo de Lamego do Conselho de Sua Magestade Fidelissima. Na Igreja do mesmo Mosteiro, achando-se ahí prezente o M. R. P. M.re Fr. Francisco Leytão D. Abbade Geral da ditta Ordem, Esmoller mor, e outro sim tãobem prezentes Dignidades, e M. M. Reverendos Conegos da Cathedral de Lamego, que por todos fazião o numero de dez; a Camara Secular da mesma Cidade encorporada, Communidade, alguns Abbades dos Mosteiros da mesma Ordem, e bem assim outras muntas pessoas Eclesiasticas e Seculares, fechadas as portas da Igreja se procedeo ao Exame do Cayxão, ou mauzoleo de pedra, em que se achavão encerradas as Reliquias da Raynha Santa Mafalda, e se achou ser hum Cayxão de pedra, tosco, e liso, que tem de comprido nove palmos e meio, e de alto no espigão da parte da cabeça tres palmos, e tres quartos, e da parte dos pez tres palmos, e hum quarto, e de largura da mesma parte dous palmos e hum quarto, e da cabeceira dous palmos, e tres quartos, e meio fechado de ambas as partes cabeceira, e pez com dous gatos de ferro achumbados, e os remates do ditto Cayxão da frente dourados com as Armas Reaes / 175 / antigas de cabeceira e pez com hũ ornato em figura de Cruz dourada, com sua tarja dentro da qual se achão escrittas com letras douradas as palavras da Consagração, e portanto, e pelas diligencias, e averiguaçoens feitas não ha duvida ser o mesmo Cayxão de que se tratou no processo da Canonisação da Santa Raynha, e nestes termos mandou o Ex.º Sñr. Bispo proceder a abertura do ditto Cayxão na prezença das mensionadas pessoas; e sendo logo arrancados os gatos de ferro, se achou sobre o Corpo hum pano de seda vermelha sem corrupção alguma, e somente em alguãs partes delle se achava perdida a cor debotando para amarella, tendo o mesmo pano hua espesie de quadrados espalhados por todo, e debaxo delle se achou o esqueleto, e ossos da Santa Raynha, tendo a cabeça inteira com o queixo de baxo com muntos dentes, e tãobem no de cima, não padecendo em osso algum corrupção, apparecendo todos os principaes, que compunhão o corpo dezorganisado, a excepção dos do antebraço, carpo, metacarpo, e dedos do lado direito, e esquerdo, bem assim, como os do tarso, metatarso, e dedos do lado direito, e esquerdo, os quaes / menos alguns que se tirarão para Sua Magestade, e Altezas, para os Mosteiros da Ordem, para a Cathedral de Lamego, e para outras justas distribuiçoens, que forão em pequena quantidade / reverentemente forão collocados em hum busto de vulto da mesma Santa, na acção de deitada, e ornada com vestidos, e calçado bordado, fecham o ditto busto com hũa chave de ferro, e a cabeça por ser pequena a capsula do busto para a receber foi mettida dentro do corpo do busto, e nella foi mettido hum osso que parecia ser de hombro, e lhe foi unido o capacete lacrado com quatro sinetes das Armas de Sua Ex.ª figurados em lacre vermelho. E nesta maneira foi collocada a ditta Imagem de vulto, dentro da qual estão as sobredittas Reliquias em hua Urna de pao Evano, munto polida, goarnecida de ornatos de prata e bronzes dourados com trez vidros, sendo o da frente emendado de ambos os lados junto as molduras, e goarniçoens, mas sem defeito perceptivel, e os dous da parte da cabeça, e pez inteiros, sendo fechada a ditta Urna pelos dittos dous lados com duas chaves de prata, ficando hua destas na mão, e poder do M. R. P. e D. Abbade Geral Esmoller mor, outra em poder da actual M. R.da Dona Abbadessa deste Mosteiro D. Anna Ignacia Cerqueira, ficando a outra chave que fecha o busto na mão do Ex.º Sñr. Bispo. De que tudo para a todo tempo constar se fez este auto de abertura do Caixão, estado das Reliquias, trasladação dellas, fechacão do novo busto, e Urna, e entrega das chaves, a que tudo mandou proceder o Ex.º Sñr. Bispo, e que eu o P.e Jose da Fonseca Escrivão da Sua Camara, e Notario Apostolico o escrevesse, e assignasse, conferido com o P.e João da Costa de Carvalho desta villa de Arouca, e tãobem Notario Apostolico, o que assim cumprimos e para maior validade de todo o referido portamos nossa fé tanto, quanto em direito he necessario, e vay assignado pelo mesmo Ex.º Sñr. Bispo, Muyto Reverendo D. Abbade Geral Esmoller mor, e muyto Reverendo D. Abbade Geral Esmoller mor, e Muyto Reverenda D. Abbadessa, que receberão as chaves, e tudo prezenciarão, sendo testemunhas presentes a este acto os Reverendos Doutores Joze Taveira da Fonseca, e Francisco Ignacio Correa, ambos Dezembargadores da Relação Ecleziastica de Lamego que aqui assignarão, e eu o P.e Joze da Fonceca Escrivão da Camara, e Notario Apostolico o escrevi e assignei com o outro Notario, que ambos assignamos com os nossos Signais, e Sinetes de que uzamos ubique terrarum − João Bispo de Lamego. − Fr. Francisco Leytão D. Abbade Geral. Esmoller mór. − D. Anna Ignacia Cerqueira D. Abbadessa Donataria. − Joze Taveira da Fonceca. − Francisco Ignacio Correa. In fide veritatis.. lugar do Sinete. − João da Costa de Carvalho. In fide veritatis.. lugar do Sinete o P.e Joze da Fonceca. E não consta de mais o ditto auto, que aqui trasladei bem, e fielmente do proprio a que em tudo me reporto, e que fica em poder do Ex.º Sñr. Bispo, que mandou a mim Notario Apostolico passasse esta certidão, que vay na verdade conferida com o P.e João da Costa de Carvalho tãobem Notario Apostolico, que ambos a assignamos com os nossos Signais publicos, e razos de que uzamos ubique terrarum, e em testemunho de verdade prestamos nossa fé. Arouca 20 de Junho de 1793, / 176 / e eu o P.e Jozé da Fonceca Escrivão da Camara, e Notario Apostolico o escrevi e assigney.

In fide − tem um selo a oleo com uma mitra e a inscrição á volta:

P. JOSEPHUS DA FONCECA NOT. APOST. − veritatis.

a) O P.e Jozé da Fonceca.

In fide − tem um selo a oleo com uma mitra e a inscrição à volta:

JOANNE. DA COST. DE CARV. − veritatis.

a) João da Costa de Carvalho.


No dia 15 de Agosto do corrente ano faleceu no Mosteiro, com 83 anos e 71 de vida dentro dele, Maria Rosa do Sacramento, modelo de virtudes, que apaixonadamente defendeu todas as preciosidades que hoje se guardam no Museu de Arte Sacra e que tinha em seu poder, dentro do velho baú de couro lavrado, bem conhecido de quantos, durante dezenas de anos, foram à sua cela comprar a sua especialidade − Morcelas de Arouca − vários documentos, sobre a Rainha Santa, que ninguém conhecia; entre eles está a seguinte Provisão, dada pelo Dr. José de Basto e Cunha, Protonotário Apostólico, quando em Arouca se encontrava como Juiz Delegado da Sagrada Congregação dos Ritos, a organizar o Processo de Beatificação da serva de Deus Mafalda, que foi reconhecida por beata, pela mesma Congregação, em sessão de 13 de Março de 1792, tendo o Breve de Beatificação, dado pelo Papa Pio VI, a data de 27 de Julho do mesmo ano, e não a de 10 de Janeiro de 1734 como afirma PINHO LEAL:

O DOUTOR JOZEPH DE BASTO E CUNHA Protonotario Apostolico de Sua Sanctidade Conego Penitenciario na Santa Igreja Cathedral da Cidade de Lamego, e na mesma cidade e seu Bispado Juis dos Cazamentos hebelitaçois de genere, e Provizor pello Ex.mo e R.mo Sñr. D. Fr. Feliciano de Nossa Senhora por mercê de Deos e da Santa Sé Apostolica Bispo de Lamego do Conselho de Sua Magestade, e seu Submilher da Cortina etc. A todos os q a prezente virem e a quem o conhecimento della pertencer Saude e paz para sempre em JESUS Christo Nosso Senhor q de todos he verdadeiro remedio, e Salvação: Faço saber, e attesto que perante mim foram reconhecidas em forma varias Reliquias da veneravel Serva de Deos Mafalda filha de EI Rey de Portugal D. Sancho 1.º Raynha de Castella, e despois Religiosa, e Reformadora do Mosteiro de Arouca, vulgarmente chamada Raynha Santa extrahidas particularmente do seu Sepulchro no anno de 1749 por algumas Religiosas devotas do mesmo Mosteiro, entre as quais Reliquias foi reconhecida parte de hum osso da ditta Santa Raynha, e para q a todo o tempo conste da sua identidade foi na minha prezença e de meu mandado ligada com fios de retroz cor de lyrio, e de prata em forma de rede, e roborada com o meu sello particular impresso em lacre vermelho sobre papel, e pendente por dois fios do mesmo retroz e outros dois de prata. Em fé do q mandei passar a prezente por mim assignada, e roborada com a impressão do mesmo sello. Dada em Arouca aos 8 dias do mez de Outubro de 1753.

a) Joze de Basto e Cunha. De mand.º do sobred.º M. R., Sñr. Dr. Provizor − o P.e Franc.º da Silva Notario Apostolico.

Tem um selo de lacre representando uma pomba com um ramo no bico e as letras P E A C E e as restantes ilegíveis. / 177 / [Vol. VIII - N.º 31 - 1942]

Este documento explica a falta de ossos notada no anterior, e cujo paradeiro, para nós, é ainda desconhecido.

Em 2 de Setembro de 1754, já se pensava em fazer «um caixão de prata para a Serva de Deos», pois D. Clara Inácia Osório, religiosa professsa, natural de Lobrigos, prometeu para o referido caixão «uma salva de prata e cinco moedas de oiro». (Depoimento da mesma no Processo de Beatificação).

Antigo registo representando o túmulo de Santa Mafalda

O seu túmulo, em ébano e prata, está colocado no corpo da Igreja, por cima do antigo túmulo de pedra que sucedeu a um de madeira, cujas tábuas ainda foram vistas no catre de uma freira, por Frei António Brandão, do lado da Epístola; com as festas da beatificação, realizadas de 12 a 19 de Junho de 1793, gastaram as madres − 28.755$435 reis (Tentativa Etymologico-Toponimica, de Monsenhor PEDRO AUGUSTO FERREIRA), o que representaria hoje cerca de três mil contos. Com o processo de beatificação gastaram as madres todo o dinheiro que tinham arrecadado, que não devia ser pouco, e como não chegasse, requereram a D. Maria I autorização para contraírem um empréstimo de 25.000 cruzados, que foi concedida por Aviso da mesma Rainha de 15 de Dezembro de 1791.

MANUEL RODRIGUES SIMÕES JÚNIOR

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