A. G. da Rocha Madahil, Estação luso-romana do Cabeço do Vouga. I terraço subjacente à ermida do Espírito Santo ou da Vitória, Vol. VII, pp. 227-258.

ESTAÇÃO LUSO-ROMANA

DO CABEÇO DO VOUGA

I

TERRAÇO SUBJACENTE À ERMIDA DO ESPÍRITO SANTO OU DA VITÓRIA

Ao Ex.mo Senhor Joaquim Soares de Sousa Batista, pelo seu nobre desinteresse posto ao serviço da Ciência, e do melhor conhecimento da sua Região, custeando de pronto ânimo as escavações do Cabeça do Vouga e também pela honrosa confiança com que delegou em mim o seu estudo,

O. D. C.
ROCHA MADAHIL


O Cabeço do Vouga − vasta formação triássica do arenito predominantemente vermelho, muito comum a toda a região − flanqueado ao Norte pelo Vouga e da parte Sul pela vala e lamaçais do MarneI, com disposição natural defensiva muito impressionante, foi notado arqueologicamente desde remotos tempos.

A quem, pela estrada Lisboa-Porto, toma a direcção desta última cidade, fica-lhe, passado Águeda e Mourisca, sobranceiro ao lugar do Vouga, imediatamente antes da ponte que atravessa o rio do mesmo nome e leva ao alto de Serém; uma outra estrada que das casas altas do referido lugar do Vouga conduz a Arrancada, constitui o mais prático acesso ao Cabeço.

Do seu valor estratégico e posição relativa na serena paisagem local, escreveu um dia o Sr. Dr. VAZ FERREIRA no seu romance regional de interessante recorte histórico − Os Senhores do Marnel − esta página modelar que não deve ser esquecida:

«O Cabeço sobressai entre o Vouga e o pântano às proeminências vizinhas: o monte de Pedaçães para lá do MarneI, e o morro de Bêlhe com a sua pedreira cortada a pique na margem direita do rio. / 228 /

Se ali fora a muito antiga basílica de Santa Maria, na encosta da esquerda, e junto dela o mosteiro, muito perto e no alto devia ter existido o castellum Marnelis, defendendo os santos edifícios e a civitas Marnelae adjacente. Os senhores do Marnel ali deviam ter tido o seu altivo paço solarengo, e decerto sucedendo ao castelo ou reedificado sobre os escombros dele.

O corte arredondado e profundo do morro terminal do Cabeço, sobre que se eleva a ermida da Vitória e uns restos de muralhas por ali sobreviventes teriam constituído as defesas exteriores da fortificação. Infanções antigos de Santa Maria, soberbos e poderosos mais que todos os nobres daquelas redondezas, deviam os senhores do Marnel construir o ninho de águias no viso daquele cabeço, dominando os vales do Vouga e do Marnel e aquela chave da passagem de sul para norte. Não podia agachar-se tão grande 'predomínio entre os casebres amontoados às bandas da calçada de lajes de grés vermelhusco que sobe da velha ponte, lá em baixo no extremo da laguna, se ali pousou a remota vila do Marnel. Não. Tinha de alcandorar-se no mais elevado cerro, a vigilar em torno as algaradas dos moiros, as acometidas dos apaniguados de fidalgos da facção inimiga.

Mais tarde, sim, quando a paz se tomou duradoira e do Marnel se transferiu para Lamas a mais preponderante população, lá teriam suas casas apalaçadas, cujos vestígios perduravam em carcomidas pedras, revelando terem sido trabalhadas em estilo gótico.

...admirável o panorama em torno, espraiando-se ao poente numa larga bacia cortada pelo Vouga até a confluência do Águeda e circundada por colinas verdejantes onde ressaltam os povoados, também com tradições históricas, de Alquerubim, da Trofa, de Segadães e do Ameal.

Ao norte domina-se a ponte na longa fita da estrada real e a antiga vila do Vouga, banhando nas águas do rio a vetusta ascendência da romana cidade de Vacca ou Vácua, cortando o horizonte uma extensa floresta que serve de fundo à velha Albergaria de D. Tareja estendida para lá da mata de Serem. Mais para o nordeste vêem-se ao longe as povoações montesinas de Vila Nova de Fusos e Senhorinha, na serra de Cambra, e, olhando mais ao nascente, Sever expõe as suas casarias e quintas caprichosamente semeadas na encosta que desce até ao Vouga.

Aos pés ficam-lhe, como no fundo de vasto anfiteatro, a lagoa estendida até à velha ponte de arcos caracteristicamente românicos e mais ao lado até à ponte nova, e os pântanos do Marnel no lodaçal esverdeado, reverberando a espaços a luz na água estagnada entre a vegetação exuberante / 229 / que se eleva esguia nos choupos e freixos aprumados para o céu.

Da estrada para a banda do rio assenta a vila de Lamas.

Para o oriente abrange a vista as vinhas e margens do Vouga, as férteis terras de Valongo e do Brunhido, o vale onde corre o Alfusqueiro e a encosta graciosa de Macinhata, perdendo-se o rio estrangulado entre montanhas para lá de Jafafe e de Açores e rodeando o horizonte a lomba gorda do Arestal, os dentelados e agudos cumes da serra das Talhadas e os vultos grandiosos do Caramulo e do Buçaco que fecha ao sul o quadro, depois de extensos pinheirais.»(1)

O indispensável cruzamento da estrada com o Vouga em nenhum outro ponto se poderia obter tão vantajosamente como no local onde ao presente se faz; e que esta passagem decalca a da antiga via militar Aeminium-Calem, referida no Itinerário, chamado de ANTONINO PIO, demonstra-o à saciedade o extenso troço de estrada antiga, muito provavelmente romana, que ainda hoje se vê cortada na rocha viva e fundamente sulcada por milenário rodado de carros, trepando ao alto de Serém, perfeitamente ao lado da actual, partindo sensivelmente do mesmo ponto do rio, e à qual, não obstante, nenhum arqueólogo ainda, que eu saiba, fez referência. Considero também a ponte velha do Marel, cujas siglas de construção mais duma vez pessoalmente tenho estudado, sobreposição medieval duma outra, romana. A meu ver, a via militar Aeminium-Calem passava, pois, rigorosamente ali.

Compreende-se e justifica-se perfeitamente assim a localização dum povoado de altura no monte que ficava sobranceiro ao cruzamento da estrada com os dois cursos de água acima referidos que o ladeiam, isto é, no Cabeço do Vouga; povoado logicamente pré-romano, castrejo, romanizado depois.

Documentos, e observação directa de antiquários, conservaram-nos memória desse povoado; a interpretação de itinerários e de notícias de geógrafos romanos ajusta-se grandemente ao local e imediações.

Vejamos, de tudo isso, o essencial e o que nos foi possível reunir; é bibliografia bastante difícil de compulsar, de que muitos falam sem, contudo, jamais a terem visto; a nossa maneira de trabalhar, porém, é diferente; aqui a deixamos, portanto, lealmente coleccionada, para quem deseje estudar conscientemente a arqueologia do local; traz-se até 18 de Setembro do corrente ano, data em que à 2.ª Sub-Secção da 6.ª Secção da Junta Nacional de Educação apresentei um relatório pessoal sobre uma parte da estação luso-romana do Cabeço do Vouga: justamente o / 230 / primeiro que a tal respeito deu entrada naquela estância superior. A isso me considerei obrigado por duas razões: pela minha qualidade de delegado da referida 2.ª Sub-Secção e pela parte que tomei nas escavações metódicas que, pela primeira vez, este verão ali se realizaram. Desde há muito que a arqueologia do distrito, sobretudo a que possa esclarecer o problema da perdida Cidade de Talábriga, me interessa; posso, felizmente, documentar que já em 1922, quando publiquei, para regularizar um problema que na Câmara Municipal de Ílhavo se desejava resolver correctamente, o meu opúsculo Illiabum -1- Um projecto de brasão de armas concelhio, anunciei, no ante-rosto, como trabalho que trazia em mãos, Talábriga, cidade da via militar romana de entre Aeminium e Calem.

Perdoe o leitor o que haja de pessoal nesta breve lembrança; ela não é tão impertinente como à primeira vista parecerá, e tem, também, a sua justa razão de ser, que neste lugar, no entanto, se omite.

Supomos ter sido GASPAR BARREIROS o primeiro arqueólogo português a tentar explicar, por meio da observação directa e do confronto actualizado, as referências dos clássicos latinos − nomeadamente da Historia Naturalis, de PLÍNIO, e do chamado Itinerarium ANTONINI AUGUSTI − a localidades que vieram a ser incluídas na área geográfica do nosso país; é de 1561 a sua chorographia de alguns Lugares que stam em hum caminho, que fez Gaspar Barreiros ó anno de M . D . xxxxvj . começãdo na cidade de Badajoz em Castella, te á de Milam em ltalia, cõ algüas outras obras... Aí nos aparece o problema de Talábriga, e de Vouga também.

Para melhor compreensão do raciocínio de BARREIROS, fundamental porque inspirou muitos antiquários subsequentes, transcreveremos o trecho que se segue, preferindo dá-lo na íntegra a resumi-lo; supomos também nunca ter sido transcrito todo:(2)

«Talavera dela Reina

Esta vilIa dizem algũs será q os Geographos chamam Talabrica. Entre os quaes é Claudio Mário Aretio, mouido tã somente por á semelhança dos nomes, como muitos costumam, sem oulhar ó sitio onde os authores assentam os lugares. E esta inadvertencia os fez cair em algũs erros, hum dos quaes ê este.

Porque todos os que d'elIa fazem mençam a situam na Lusitania. E Antonino como screve caminhos nos mostra mais particularmẽte em que parte d'esta provincia stava este lugar, screvendo ó caminho da cidade de Lisboa â de Braga per Alanquer, Sanctarem, Condexa á Velha, & d'ali em diante por toda aquelIa strada Coimbraã, concordando / 231 / tanto os seus passos cõ as nossas legoas, que mui pouca ou quasi nenhua discrepancia mostram, ó que poucas vezes acontece antre os passos & as legoas, como em algüas partes direi adiante. Porque de Lisboa á Gerabrica que ê Alanquer, conta. xxx. mil passos, que fazem sete legoas & mea. De Gerabrica á Scalabis, q ê Sanctarem . xxxij . mil passos, q sam as oito legoas q ao presente cõtã d'Alanqr [com til no q = Alenquer] á Sãctarë. De Scalabis á Celiũ, q nos por algũas conjecturas sosppeitamos ser á Villa de Ceice juto á Tomar, outros xxxij mil q tambem concordã cõ outras tantas legoas, que assi mesmo contam de Sanctarem á Ceice. E por me nam deter em todos os lugares, conta em todo este caminho − cc . xxxiiij . milhas, as quaes faz em numero de lxj . legoas, q comunmente contam de Lisboa á Braga. E situa Talabrica . L . milhas de Conimbriga, em q â xij . legoas & mea.

O qual lugar de Talabrica avemos de ser á Villa de Cacia, que permanece nas ribeiras do rio de Vouga, junto da Villa de Aveiro, specialmente onde ora sta á igreja de Sanct . Iuliam, por as razões q adiãte darêmos.

E para melhor declaraçam d'isto cõtarêmos estas. I . milhas, de Condexa á Velha onde Conimbriga foi, & assi darêmos alguas razões perq [til em cima do q] se prova ser ó dicto lugar de Condexa á Velha Conimbriga, para os q d'estas cousas não teverê algüa experiëcia, & para outros que por á semelhança dos nomes se moverem á cuidar q Conimbriga ê á cidade de Coimbra. Hü dos quaes argumëtos ê a computaçam d' este dicto caminho de Antonino (q acima disse) em ó qual conta de Sanctarem á Conimbriga . lxvj . milhas, q faze xvj . legoas & mea. As quaes nam quadram cõ as . xx legoas, q oje, comũmente contã de Sanctarem á Coimbra, & quadram cô á distancia de caminho que â de Sanctarem á Condexa á Velha, em q contã . xvij . legoas, nã ficando mais differẽça antre as milhas & as legoas q mea legoa, de q nam faço conta, porq. ssempre ó dicto Antonino faz esta computaçam cõ hũa salva de plus minus, como nos dizemos pouco mais ou menos. E tambem os passos & milhas nam concordam sempre com as legoas, como largamẽte direi no titulo de Guadalajara a que remeto ó lector. . Alem d'isto cõta de Conimbriga á Calem que é villa de Gaia . lxxxj . milhas, q fazem. xx . legoas & mea que contã de Condexa á Velha ao Porto ou á Gaia, que tudo é hũa mesma cousa, & nã quadrã com as xviij legoas q contam de Coimbra ao Porto. Acha se tambem inda oje no dicto lugar de Côdexa muros, aqueductos, sepulturas, pedras scriptas de letras Romanas, em q stá ó nome de Conimbriga, algũas das quaes stam ao presente na põte da Atadoa, q por star perto de Condexa á Velha ali foram trazidas por nobreza da dicta ponte, como por esta se pode ver q fiz trasladar, indo de / 232 / caminho ver as dictas ruinas antigas de Condexa á Velha. A qual deve escusar outras muitas que no dicto lugar se acham, por nam occuparmos tempo & papel & causarmos enfadamento ao lector.

       D. M.
VALERIO AVITO
VALERI MARINI
FIL, ANN. XXX.
VALERIA, FVSCILLA
MATER, FIL, carissimo et
pientissimo,
et OpseQVEN
tissimo .
P.

SCRIBI, IN TITVLO, VERSVCVLOS VOLO QVINQVE DECENTER, VALERIVS AVITVS, HOC SCRIPSI, CONIMBRIGA NATVS, MORS, SVBITO, FRIPVIT, VIXI TERDENOS ANNOS SINE CRIMINE VITAE, VIVITE VICTVRI MONEO, MORS OMNIBVS IUSTAT.

A qual cidade de Conimbriga querem algũs dizer q foi despois mudada abaixo onde ora ê Coimbra, retendo ó seu mesmo nome, por causa do rio Mondego, de cuja navegação & outros proveitos dos rios caudalosos podia ser ó pouo melhor servido q em Cõdexa, polIo q diriuã ó nome de Condexa de cousa deixada, como q deixârã hũa por povoar outra. Mas por serẽ derivaçoẽs de povo nã faço d'ellas muito fũdamẽto. Porê quãto â observaçã do nome antigo de Coimbra, & se ê a cidade Eminiũ q Plinio cõ hũ rio n'esta mesma parte situa & Antonino assi mesmo duas legoas & mea de Conimbriga, de q parece se faz mẽçã no cõcilio Toletano: i i j . onde sta sobscripto Posidonius Eminiensis episcopus, nã ê d'este presente lugar senã d'outro onde ó nos tractamos mais largamẽte. Tudo isto dissemos para q ó lector nam estranhe contarmos estas. I . milhas de Antonino de Cõdexa á Velha & nã de Coimbra, as quaes se contã per esta maneira. Da dicta Condeixa á Coimbra . i j . legoas & mea. De Coimbra â Mealhada hiã tres & mea, porq [til sobre o q] a legoa da vẽda da Serra â Mealhada ê muito grãde na qual a legoa & mea.

Da Mealhada á Avellãs sam . ij . De Avelãs á Águeda ij . De Águeda â ponte de Vouga hũa & mea, por ser tam grande como todos sabe de q â proverbio no povo.

Da ponte de Vouga á Cada hũa legoa, q somam todas . xij . legoa & mea, conforme as . I . milhas de Antonino.

N'a qual villa & igreja de Sanct . Juliã nas ribeiras de Vouga situadas, se acham vestígios antigos. ƒ . os fundamẽtos / 233 / da hũa torre que na memoria dos homẽs inda stava quasi inteira, onde em outro tẽpo segundo ficou fama de hũs em outros chegaram navios da foz do mar, porque inda ali se achâram pedaços d'elles & anchoras juncto da dicta torre em hũa lagoa. Afora muitos vestigios & ruinas de argamassa que dentro em seu ambito cõprehende hũa milha pouco mais ou menos. Ha hi outro argumẽto para cõfirmaçam d'este, ó qual ê á descripçam q Plinio faz da Lusitania do rio Douro té á cidade Eburobritium, per toda aquella strada dizendo per esta maneira. A Durio Lusitania incipit, Turdoli veteres, Pesuri, flumẽ Vacca, oppidũ Vacca, oppidũ Talabrica, oppidũ et flumẽ Miniũ, oppida Conimbrica, Colippo, Eburobritiũ. De maneira que nomea despois do Douro ó ria Vacca q ê Vouga, & ô lugar de Vacca q nos avemos ser á que ora chamã Ponte de Vouga . ƒ . Põte de Vacca, nam por causa do rio senam por causa do nome do lugar, como dizemos Põte do Arcebispo ou Ponte d'Alcantara, E logo nomea Talabrica por star nas ribeiras do dicto rio & perto do lugar do mesmo nome Vacca. E seguindo á dicta strada nomea Minium âquem de Conimbriga, côforme â descripçã do dicto Antonino q situa Minium . x . milhas da dicta Conimbriga, q sam . ij . legoas & mea. E mais auãte nomea Conimbriga, & depois d'ella Collipo que foi hũa cidade jũto de Leiria, onde ora chamam Sanct. Sebastiam, em q â vestigios & ruinas antigas, & pedras em q stá scripto ó dicto nome de Collipo q temos em nosso põder. E avante de Collipo nomea Eburobritiũ, ó qual nõme anda depravadamente scripto nos exẽplares Plinianos, & partido n'estas duas dições Eburo & Britium por Eburõbritiũ, como inda oje se acha em pedras em que ó dicto nome Eburobritiũ stá scripto inteiro & nã partido.

A qual cidade antiga nos avemos ser á Villa que oje chãmã Evora de Alcobaça. Assi q n'este tracto de caminho q chamamos strada da Coimbraã, á qual Plinio screve per descripcã Geographica successiva, do rio Douro te este Iũgar Eburobritiũ, nomea Talabrica junto do rio Vouga, & do lugar da Ponte de Vouga como dixe. E por q em algũs exemplares de Plinio nã sta scripto ó lugar de Vacca, Somẽnte o rio de Vacca per esta maneira, flumen Vacca, opidum Talabrica, saiba o lector q em hum archetypo Toletano sta scripto da maneira q dixe . ƒ . flumen Vacca, oppidum Vacca, oppidum Talabrica. A qual liçam Fernando Pintiano cõmendador de SaIamanca cita nas suas castigações Plinianas.

Por as quaes razões consta claramente serem mui differẽtes os sitios de Talabrica & de Talavera de la Reina, porq esta tem ó seu sitio junto do Tejo, & Talabrica ó tinha / 234 / junto de Vouga, como fica declarado, que é hũa distancia mui grande de hum rio á outro, specialmente á d'aquella parte onde Talavera stá. Nem á outro lugar que os geographos nomeem d'este mesmo nome, para podermas sospeitar que fosse este de Talavera de la Reina.

Diz ó Arcebispo dom Rodrigo que ó nome antigo d'esta villa foi Aquis n'estas palavras: Decimo nono regni sui ãno obsedit oppidũ quod olim Aquis, nunc Talavera Vocatur in dioecesi Toletanensi. » ...........................................................................

De 1593 é a 1.ª edição da obra doutro arqueólogo, que discute PLÍNIO e ESTRABÃO: Libri Quatuor de Antiqvitatibvs Lusitaniae à Lucio Andrea Resendio olium inchoati, & à Jacobo  Menoetio Vasconcello recogniti, atque absoluti.

Tal como GASPAR BARREIROS, aproveita-se da códice toletano de PLÍNIO anotado por FERNANDO PINTIANO, e doutro da biblioteca de Salamanca, transcrevendo o passo já nosso conhecido «A Durio Lusitania incipit», etc.

Propriamente do problema de Vouga, escreve assim:

« ¶ De Vacca Flvvia.

¶ Medio fere inter Mũdã, & Duriũ interuallo, vacca in mare influit & ipse, vt Strabo ait, quemadmodum, & Munda paruas habens nauigationes: Nec longe ortus, alosarum, lampetrarum, troctarumque ferax. Vacuam illum Strabo vocat, Vacum Ptolemaeus. Oritur non peregre, sed paulo supra Alcobam montem collectus, indeque leni aluea illapsus multos, nec exíguos fluuios, ac fere parem Agatham in se condit. Iamque intra modum magnus miscetur mari.

¶ Errore putauere quidam vaccaeos populos ab eo denominatos, quum intra Lusitaniam ortus, latissimis Vaccæorum Tarraconensis prouinciæ populis dare nomen non potuerit. Potius igitur a Vacca oppido, quod fuit iuxta Pyrenæum, vt refert nono etymologiarum libro Isidorus, Vaccæum nomen est factum, & late per citeriorem Hispaniam propagatum.

¶ Sed de Vaccæ fluminis ostio, maritimoque tractu, inter recensendas vrbeis, quod ad rem faciat non omittemus.» (op. cit., pags. 71-72).

DIOGO MENDES DE VASCONCELOS, comentador das Antiquitates de LÚCIO ANDRÉ DE RESENDE em seus scholia, propõe que se corrija o Itinerário, e identifica Eminium com Águeda e Talábriga com Aveiro; importa arquivar a sua opinião e conhecer os argumentos de que dispunha, extraídos da mesma 1.ª edição de RESENDE, par ele comentada:

«¶ Æminium Ptolemæo oppidum est in Lusitania, Plinio oppidum & flumen libro 4. cap. 21. & 22. Fit etiam illius / 235 / mentio ab Antonino in ltinerario, cum illud iter describit, quod ab Olisipone Bracaram Augustam ducebat. Fuit autem Æminium eo loci vbi hodie est oppidum dictum, vulgo Agatha seu Agueda, quod flumine eiusdem nominis alIuitur, & recepta hac sentencia, in qua etiam fuerunt Vasæus & Barrerius, emendari debet codex Antonini hoc ordine, Conimbrica Æminium quadraginta millia passuum, Talabricam decem millia passuum. Est autem Conimbrica oppidum illud antiquum, quod dirutum cernitur & vulgo Condexa vetus dicitur. Talabrica vero fuit prope oppidum maritimum, quod hodie Aueiro dicitur, & sic bene quadrat passuum numerus a me restitutus, nam a Condexa Agatham sunt decem circiter leucæ, & ab Agatha Talabricam duæ cum dimidia. Erat autem in codice Antonini numerus transpositus, & præpostere mutatus. Hinc apparet reijciendam esse illorum opinionem, qui existimarunt idem esse oppidum Æminium, & illud quod hodie Conimbrigam seu Colibriam appelIamus, & eundem fluuium Mundã, & Æminium. Nam vt cætera argumenta breuitatis caussa omittã, id aperte Plinianis verbis repugnat, qui in alIegato c. 22. libri quarti cum prius Æminium flumen & oppidum nominasset, statim hæc verba adiecit. A Durio Tagus ducentis millibus passuum, interueniente Munda» (op. cit.,págs. 248-249).

Frei BERNARDO DE BRITO glosou o assunto escrevendo na sua Geographia antiga de Lusytania, que imprimiu em 1597, o seguinte, com o que, aliás, nada se adianta:

...«Seguia se logo Conimbriga, cidade principal, & muy bem fortalecida, como dão a entender as famosas ruynas, que se vem junto a Condeixa a velha, & em seu lugar temos oje Coimbra, aças conhecida, & nomeada em toda Europa. Auia mais a cidade Euminio, junto a Águeda, que algũs crem ser Micinhate: Talabriga, de cujas ruynas se leuantou a VilIa de Aveiro, com muitas outras pouoações, que por serem de menos conta em aquelIes tempos antigos deixo de contar, dado, que a meu parecer, Laconimurgi, que he Lamego, também cabia no destricto destes Turdulos, & Vacca, que algũs querem que seja Viseo. Bem me lembra, que contando as guerras de Viriato, disse que inda Viseo não era naquelIe tempo fundada, & conta la agora aqui entre as pouoações antigas, he, porque em hum Plinio escritto de mão, que ha na liuraria de Alcobaça, faz menção do rio Vacca, que he Vouga, & da pouoação Vacca, que pelIa semelhança do nome parece ser Viseo. A propria lição de Plinio refere nosso Resende em suas antiguidades.» (op. cit. fls. 7, v.º e 8 ). / 236 /


A Descripção do reino de Portugal... de DUARTE N UNES DO LEÃO é já de 1610; reivindica para Cacia a localização de Talábriga, dizendo:

«Talabrica foi junto com Aueiro na ribeira de Vouga onde agora ha hum lugarinho que se chama Cacia na parte onde stâ a igreja de sam Iulião de que não ha mais que esta memoria» (Pág. 28 da 2.ª ed.).

E, no capítulo XVII, escreve, sob a influência manifesta de RESENDE:

«Do rio Vouga.

Vouga he hum dos rios de Portugal, que entrão no mar, & de que os Geographos fazem menção entre os maiores rios de Hespanha. Plinio lhe chama vacca, Strabão vacuam, Ptolomeo vacum. Seu nascimento he junto á serra de Alcoba: sua nauegação he curta, & despois de recolher alguns rios de pequena conta, & entrar nelle o rio Águeda que leua tanta agoa como elle, se mette no mar em Aueiro, spojando do nome, & das agoas ao Águeda que antigamente se chamaua Eminium, assi como tambem se chamaua huma cidade por a qual elle passaua, que ja foi Episcopal, como se lee no Concilio Toletano que se celebrou no anno de quinhentos oitenta & nove em tempo de Flauio Ricaredo, em que se achou Possidonio Bispo Eminense. Esta cidade Eminium cuidauão alguns que era Coimbra, como aponta Ioam Vaseo na sua Chronica de Hespanha, & Diogo mendez de Vasconcellos Conego na sancta Sê de Euora nas addiçoẽes, & Andre de Resende nas antiguidades da Lusitania, onde por mui efficazes razoẽs mostra ser AEminium o nome do rio de Águeda, & da pouoação que junto do mesmo rio staua » (ed. cit. págs. 82-83).

A identificação da cidade luso-romana de Emínio, intimamente relacionada com os problemas de Talábriga e do Cabeço do Vouga, está julgada definitivamente pela arqueologia a favor de Coimbra e em prejuízo de Águeda; isso, porém, não é motivo para se não deixar aqui registada a posição do antiquário DUARTE NUNES DE LEÃO, e dos outros, perante o problema; noutra ocasião nos ocuparemos das razões invocadas por Águeda a seu favor, de que foi grande paladino o jornal local Escola Popular, de 1870, em debates de JOSÉ MARIA VELOSO, D. M. SOTOMAIOR, e JOSÉ CORREIA DE MIRANDA, nos quais, hoje ainda, muito há que admirar e aprender.

Adiante veremos, continuando a ordem cronológica que vimos seguindo, como num desses artigos JOSÉ CORREIA DE MIRANDA encarava o caso de Vouga. / 237 /

As Anacephalacoses id est summa capita actorum Regum Lusitaniæ, do padre ANTÓNIO DE VASCONCELOS, de 1621, seguem na esteira de DUARTE NUNES DO LEÃO; documentam, no entanto, a opinião erudita do século:

«VOVGAM antiqui Geographi majores inter Hispaniæ fluvios, meminere. Plinius Vaccam nominat, Strabo Vacuam, Ptolomæus Vaccim. Scaturiginem habet prope montem Alcobam: brevi suo cursu spatium conficit, & alios cursim parvi nominis excipiens fluvios, Aguedam tandem, sibi æqualem, tam nomine, quam aquis, spoliat, quo ditior, & non contemnendo agmine, ad Aveirum oppidum mare ingreditur. Agueda fluvius, qui Vougæ immixtus amittit nomen, olim Eminius audiebat, nomenque civitati, quam intersecabat, indidit. Eminium olim civitas erat Episcopali sede insignis, cujus Toletanum Concilium meminit, ætate Flavii Recaredi, cui Possidonius Eminiensis Episcopus interfuit.» ( págs. 49 e 50 do 2.º vol. da ed. de 1793).

São igualmente de mencionar as Antiguidades de Portugal, editadas em 1625 pelo respeitável GASPAR ESTAÇO; principiando por dizer que «Talabriga foi hum lugar de Lusitania junto da villa de Aueiro, de que Plinio faz mençam, e Antonino Pio en hum caminho, que escreue de Lisboa a Braga» (pág. 163) discute, adiante, a localização de Porto e de Gaia negando a identidade desta vila com aquela cidade, e disserta deste modo:

«O que nam era en tempo de Ptolomeo, menos era en tempo de Plinio, que o precedeo per alguns annos, e foi en tempo de Vespasiano, e morreo no anno do Senhor 112. pola conta de Eusebio Cesariense (Euseb. in chr. anno D. 112 .). Mas pera maior proua de nosso proposito, digo, que Plinio escreueo (Plinius . l. 4 cap. 21.) hum pedaço daquelle mesmo caminho, que escreueo Antonino, começando nam de Condeixa pera o Douro, senam pello contrario do Douro pera Condeixa. E porque o doutor Resende nas Antiguidades da Lusitania traz este mesmo lugar (Resend. in Antiq. Lus. I . foI. 7.) de Plinio a outro proposito, mas mais emendado do que està no meu liuro de Plinio, d'elle o referirei, e ê o seguinte. A Durio Lusitania incipit . Turduli veteres . Pesuri . Flumen Vacca, oppidum Vacca, oppidum Talabriga, oppidum et flumen Æminium . Oppida Conimbriga, Colippo, etc . Quer dizer. Lusitania começa do Douro, e logo estam os pouos, Turdulos antigos, e Pesuros, cujos lugares sam os seguintes, O rio Vouga, e o lugar de Vouga, o lugar de Talabriga, o lugar, e rio Eminio . Os lugares Conimbriga, e outros, que vai dizendo. Na qual descripçam de Plinio vemos nam estar ali en seu tempo a / 238 / cidade Portugale, nem ainda o lugar de Cale, que ou nam era ainda, ou era tam pequeno, que d'elIe nam fez caso. Mas o que primeiro achou. digno de nomeaçam, foi o rio Vouga, o lugar de Vouga, o lugar de Talabriga, que foi junto da uilla de Aueiro, o lugar, e rio Eminio, que ê Agada, e rio de Agada . O lugar de Condeixa, etc.» ... (Pág. 255)

Mais adiante (Pág. 305) estabelece para equivalência que

... «quatro mil passos fazem hũa legoa das nossas, como dizem Resende, Barreiros, e Morales, e se vê por experiencia cotejando as milhas com as legoas, de que hoge vsamos»...

Transcreve o itinerário e discute-o, repetindo:

... «De Conimbriga a Eminio, que Vaseo, Barreiros, e Diogo Mendes de VasconcelIos dizem ser Agada, quarenta mil passos, que sam dez legoas pouco mais ou menos, que este caminho tem.

De Eminio a Talabrica, que Barreiros diz ser a villa de Cacia nas ribeiras do rio Vouga junto a Aueiro, dez mil passos, que sam as duas legoas e meia, que fazem de Agada a Aueiro».

Necessário é também, para a relacionação do Cabeço do Vouga com a arqueologia local, registar as considerações seguintes de Fr. ANTÓNIO BRANDÃO na Monarchia Lvsitana, de 1632 (fl. 153, v.º, da 3.ª Parte)

«Foi o seruo de Deos Martinho Portugues natural de hũa villa, a que o autor de sua vida nomea Auranca, & diz estar distante de Coimbra vinte & seis milhas que saõ pouco menos de noue legoas. (à margem:) Archiuo de S. Cruz de Coimbra li. dos test. fo. 46.

PelIa semelhança do nome parece a villa de Arouca se a distância de quinze legoas que ha delIa a Coimbra o consentira. Porem era sem falta outra pouoação não longe do rio Vouga, & perto do monte, que se chamaua Aurancha, donde deuia tomar o nome. Em escritura de Pedroso faz Paio Gõçalves doaçaõ âquela casa da herdade que possuia em Osseloa, abaixo do monte Aurancha pelIa corrente do rio Vouga, no termo da cidade de Marnel. São as palauras formaes. Facio donationem de hæreditate mea propria, quam habeo in villa Osseloa subtus monte Aurancha, discurrente riuulo Vouga, territorio ciuitatis Marnel. E he a data a quatro das Calendas de Março da Era de 1171. que he anno / 239 / [Vol. VII - N.º 27 - 1941] de 1133. O lugar de Marnel (que antigamente foy cidade) he bem conhecido entre Águeda, & Vouga. A villa de Osseloa ficaua no mesmo limite, & era o celebrado Ossel aonde acõtecia o milagre da agoa baptismal em vespora de Pascoa, do qual trata Gregorio Turonense. E aonde esteue cercado S. Herminegildo, como hũa & outra cousa proua doutamente Antonio de Tauares de Tauora, Esmoler mór de sua Magestade, em particular liuro q tem composto.»

Também o Agiológio Lusitano, de JORGE CARDOSO, de 1657, continua a tradição e regista em 28 de Março:

«Em Auranca, villa banhada do rio Vouga, no territorio da antiga cidade Marnel, a jornada da terra para o ceo do Eremita Ayres Manoel, varão mui pio, & deuoto, pai que foi d'aquelles dous celebres Priores de Soure, S. Martinho, & Mendo Ayres, em tempo do Conde D. Henrique»...

explicando, no comentário a este dia, que

«A villa de Auranca, Pátria do Eremita Ayres Manoel, distaua 26. milhas de Coimbra, q são pouco menos de 9. legoas. Ficaua não longe do rio Vouga, & de hũ monte, assi chamado, de que julgamos tomou o nome. O q tudo destruïo o furor de Marte, & consumio o tempo co as entradas, & correrias que os Mouros fazião por aquellas partes. Achamos feita menção d'elle, na vida de seu filho S. Martinho de Soure, composta por Saluiato, seu contemporaneo, a qual se conserua no cartorio de S. Cruz de Coimbra, em o 1. dos Testamentos foI. 46»...

                                            (Tômo II, págs. 335 e 344).

Propriamente do Vouga afirmara ele que:

«Das ruinas da antiga cidade Vacca, & de seus habitadores, situada (segundo tradição) onde hoje vemos a caua de Viriato (por ser patria sua) se erigio a de Viseu, não no mesmo lugar, mas no eminente sitio, em que agora perseuera à sua vista.» (loc. cit, pago 65).

A Europa Portuguesa(3) de MANUEL DE FARIA E SOUSA, registava, em 1678, que

«Prosiguiendo los Griegos su camino con nuestros Lusitanos, antes de llegar aI Rio Vouga fundaron a Eminio / 240 / (es la Villa de Águeda entre Aveyro y Coimbra) ciudad entonces populosa, que en tiempo de Godos y Romanos tuvo Iglesia Cathedral de las ilustres de España. Fueron tambien fundadores de Talabrica, agora Villa de Aveyro, por grandeza, por gente, y por trato bien noble. De Lavara, ciudad notable por differentes memorias; mas falta la deI sitio que occupava: el nombre permanece en una Aldea que junto a la marina dista dos leguas de la ciudad deI Porto.»... (Tomo. l, pág. 95)

Narrando, mais adiante, as empresas de César e de vários capitães romanos na Lusitânia desde o ano 57 até o de 44 antes de Cristo, regista uma inscrição epigráfica encontrada Entre las Poblaciones de Herminio, y Talabrica, que dizia:

«Los Centuriones y Tribunos, levantaron en la Via militar esta colunna al vitorioso y felice Quinto Cassio Longino, Proconsul de la Provincia Ulterior, por la vitoria que alcanció de los de Talabrica. AI Vencedor Pio se den triunfos, tripudios, oraciones, suplicaciones, y coronas.

La causa de que Longino procurasse vencer a los moradores de Talabrica, fue averle ellos quitado con un socorro la vitoria de los de la ciudad de Eminio que tenia casi en las manos, y dadole una gran rota.»... (Págs. 214-215).

Do período que vai de 42 a 27 antes de Cristo arquiva FARIA E SOUSA a lápide encontrada não longe de Idanha-a-Velha, do tempo de Gneyo Domício, legado de Marco Lépido, que acudira em socorro dos povos Vaceos:

«M. LEPIDO VICT. LUSIT. COHORT. FORTISS. COH. MEIDOBRIG. COH. LACONIMURGEN. COH. TALABRICEN. COH. AEMINIENS. TRIUNV. MER. PP. E. IN OMNES LIBERALITATEM. D. D.

Vale. Los Lusitanos de las Cohortes Fortissima, Midobrigense, Lamego. Aveyro, Águeda, dedicaron esta memoria a Marco Lepido victorioso, dignissimo dei Triunvirato por la liberalidad que usó con todos. » (Pág. 228).

Volta FARIA E SOUSA a ocupar-se da nossa região, agora historiando o período que vai do ano I da era de Cristo ao ano 46:

...«Por este tiempo los Portugueses habitantes de Vouga, o Vacca, hizieron una expedicion de que resultó / 241 / llegar a las ciudades Assotá, y Lacedemona, en cuyo destrito fundaron aquella a que dieron el nombre de Vacca en memoria de su Patria; pero agradados de la amenidad deI sitio, le añadieron la diccion Chara, por amable; y quedaron deziendo Charavacca.

Llegó la muerte aI Emperador Otaviano Augusto, y el sentimiento della a nuestra Provincia, adonde no fueron menores que las de Roma las ceremonias funerales; en observancia de quanto siempre los Portugueses por sus difuntos Príncipes, supieron purificar el amor con que los veneraron vivos. Hállase dello un testimonio en el Valle de Ossela cerca de la Villa de Arouca. Es una piedra traída de ciertas ruinas, vestígio no pequeño de poblacion grande en la eminencia de un monte que se levanta sobre las orillas deI rio Cambra. Su letura;

IMP. CAES. D. AUG. INTER
DIV. REL. COHORT. PRAESID.
VACE. OSCEL. LANCO. CALEN.
AEM. LEG. X. FRETENS.
EJUS. NUM. SPECTACULA
ET. LUD. GLADIAT. E. V.
URBES. LUSIT. L. A.
EXP. ET. HECATOMB. D. D.

Vale esto: Las Cohortes, o Compañias de la Legion decima, llamada Fretense, que alojavan, o presidian en Vouga, Oscela, Lanco, Cale, y Agueda, offrecieron Espectaculos, y juegos de Gladiatores aI Emperador Cesar, Divo Augusto, ya relatado en el numero de los Dioses: y estas ciudades de Lusitania hizieron el dispendio, y dedicaron Hecatombes.

De essa Escritura se infiere la manera de Presídios que el Imperio sustentava en los lugares fuertes de Portugal, para conservar los animos quietos, con tres leguas de distancia entre uno y otro Presídio, notoria señal de lo mucho que en Roma se hazia temer el orgullo Lusitano.

Tanta prevencion pedia el pensamiento de que aun de aquella ceniza se podia exalar alguna peligrosa llama. Vense los nombres de Poblaciones antiquas. Vacca, oy Vouga, indícios de magnificencia en un sitio alto, y fuerte por naturaleza, sobre el rio deste propio nombre. Oscela, donde se halló la piedra referida. Lancobriga, que a la parte deI Austro dista poco de la ciudad del Porto, y de que oy se ven ruinas en la extremidad de un monte, a que sucedió la Villa de Feyra notorio Titulo de Condado posseido de la ilustre Familia de Pereyras. Calense, Cale, o Gaya, agora vestigios de Poblacion sobre el Duero; a que sucedió la / 242 / celebre ciudad deI Porto sobre el propio rio de la otra parte deI Norte. Eminio, que es la VilIa de Águeda.» − (Págs. 251-252).

Passemos agora à famosa Corografia Portuguesa, do P.e CARVALHO DA COSTA (1708), já mais chegado a nós, revelando-se bem informado e não se limitando a decalcar os anteriores corógrafos:

«A Villa de Vouga está em sitio plano junto do rio Vouga, de que tomou o nome, & ao pè de hum cabeço, que tambem assim se chama, ficando a Villa, & o cabeço entre dous rios; o Vouga da parte do Norte, & Marnel da parte do Meyo-dia; os quaes se encontraõ logo abayxo do lugar de Lamas, que está ao pè do dito cabeço. Tem sobre o Vouga huma ponte de pedra de muitos olhaes, mas já tam areada, que em tempo de cheas se passa em barcos, & he estrada publica de Coimbra para o Porto, que passa por dentro da Villa. Ha tambem outra ponte de arcos sobre o rio Marnel, que no tempo de Inverno, & cheas se não passa. He tradiçaõ, que no cabeço de Vouga esteve antigamente huma Cidade, chamada Vacca, & ainda hoje se achaõ tijolos, & pedras lavradas, & outros vestigios de edificios. NelIe está agora huma Ermida do Espirito Santo, & na Villa huma CapelIa do Santissimo Sacramento. Tem esta Villa quinze visinhos.» (2.º Tomo, pág. 105, ed. de 1868).

A Geografia histórica, de D. LUÍS CAETANO de LIMA, de 1736, estabelece apenas que Viseu

«Entende-se, que foy fundada das ruinas da antiga Cidade Vacca, por ordem do Pretor, ou Pro-Consul, Decio Bruto.». (T. 2.º, pág. 112).

O conhecido e apreciado Mapa de Portugal, do Padre JOÃO BAPTISTA DE CASTRO (1745, a 1.ª ed.) não ignora o Vouga e os seus problemas, desta sorte se exprimindo:

«Eminio. Hoje é o logar de Águeda no termo de Aveiro. Foi povoação notavel da Lusitania, e cidade episcopal. Teve prelados, de que se acha a memoria de Gelasio pellos annos 411 de Christo, e de Possidonio pelos annos 589. Ortelio lhe dá tambem o nome de Colubria. O academico ManoeI Pereira da Silva Leal(4) pertende mostrar que não tivera bispos, como alguns affirmaram. Fallam d'ella Plinto e Ptolomeu apud Cellarium I. 2 . C. I § 9. (Págs. 11-12 da 3.ª ed.).

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(1) VAZ FERREIRA, Os Senhores do Marnel − Lisboa, 1925; págs, 43 a 45.

(2) − Os actuais sistemas informáticos não permitem reproduzir rigorosamente os grafemas dos textos antigos tal como eles se encontram registados. Poderíamos optar pela reprodução integral deste extenso artigo com 88 páginas no formato PDF. Mas perder-se-iam as hipóteses de pesquisas rápidas que os modernos sistemas nos permitem. O pronome relativo, por exemplo, o que é grafado com q, tendo sobre ele um til, impossível de reproduzir informaticamente. Por isso, q vai registado sem o til. Outras impossibilidades de registo ipsis verbis serão devidamente indicadas. Todavia, iremos procurar resolver estes problemas com os caracteres especiais do sistema informático  (HJCO).  

(3) − «Segvnda Edición correta, ilvstrada, y añadida en tantos lugares, y con tales ventajas que es labor nueva». A 1.ª edição intitulava-se Epitome de las Historias portuguesas; Madrid, 1628, e também: Lisboa, 1663. Tivemos presente a edição de 1628, onde encontrámos muitas destas mesmas referências da Europa Portuguesa à região que nos ocupa. Demos preferência a esta última obra, mas deixamos esta nota para quem se interesse pela cronologia rigorosa do assunto.

(4) (4) «Dissertaç. Exegetic. not. 5 . n . 28. » .

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