I
TRIÁSSICO
O grande pilar ibérico, a
Meseta, soclo de formações arcaicas, agnostozoicas e paleozoicas,
contendo, além dos terrenos essencialmente cristalinos, muitas rochas
que experimentaram profundo metamorfismo, e onde ,os granitos vieram a
ter enorme expansão, começou a emergir, talvez, com os movimentos
caledónicos, no período devónico.
A Meseta constitui um vasto
maciço de forma mais ou menos triangular que se estende
ininterruptamente entre as costas da Galiza e o cabo da Nau no
Mediterrâneo, e abrange, no nosso país, quase três quartas partes da
superfície continental.
Na concepção de SUESS, é um
horst produzido pela evolução do velho edifício das Altaides
ocidentais.
Para muitos geólogos, os
movimentos orogénicos hurónicos, do Pré-câmbrico, e os caledónicos, não
se fizeram sentir na Península, mas sim, e apenas, os movimentos
hercínicos e post-hercínicos.
HERNANDES PACHECO diz serem
pouco prováveis os enrugamentos ante-câmbricos, mas esta sua afirmação,
como observa o Sr. Dr. CARRINGTON DA COSTA, tem sido criticada e é
contrariada, mesmo, por alguns dos trabalhos posteriores do ilustre
geógrafo e geólogo espanhol.
O Sr. professor FLEURY
admite os enrugamentos caledónicos. O que é positivo é que na fase
hercínica se produziram alterações periféricas. A arquitectura tabular,
ainda hoje bem
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patente nas cordilheiras espanholas, formou, assim, um horst de
que resultou o Planalto central. Nas depressões laterais depositaram-se
os terrenos sedimentares que hoje, com excepção de alguns retalhos no,
interior, afloram a nordeste na depressão basca e fossa do Ebro, a sul
na orla meso-cenozoica do Algarve . e na depressão andaluza, e a oeste
na orla meso-cenozoica ocidental portuguesa.
Na orla sedimentar
ocidental, há terrenos secundários, terciários, quaternários e
olocénicos ou modernos. Os terrenos secundários estendem-se ao longo da
costa numa faixa muito estreita desde a foz do Lima até Espinho. A
partir desta praia, alargam-se até ao cabo de Sines, seguindo uma
fronteira geral que forma com o Oceano um ângulo agudo cujo lado do
oriente vai por Estarreja, Angeja, Águeda, Anadia, Mealhada e Coimbra,
em direitura a Tomar. Ao sul há uma interrupção: a das bacias terciárias
do Tejo e Sado. Formações reputadas pliocénicas são frequentes nos
pequenos planaltos litorais das bacias do Lis, Mondego e Vouga, mas o
Mesozóico é sempre o seu subsolo, e o Quaternário preenche os vales e as
depressões, pertencendo ao Moderno a acumulação de areias da costa, as
vazas e os nateiros dos campos, dos esteiros e dos estuários a noroeste,
isto é, nos limites da Ria de Aveiro e suas dependências.
A parte da orla sedimentar
post-paleozoica ocidental que interessa ao distrito de Aveiro não
encerra, pois, somente Mesozóico. Parece ter havido uma transgressão
terciária, denunciada pelos depósitos superficiais arenosos e pedregosos
que formam o solo dos planaltos referidos e que na carta de 1899 vêm
indicados como pliocénicos com a notação P e cor amarela. Aceitemo-los
como tal, apesar das grandes dúvidas que nos podem oferecer. Eles não
são, evidentemente, secundários.
Trataremos hoje do
Triássico, entrando assim no estudo dos depósitos regionais da Era
Mesozóica.
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A sedimentação secundária ou
mesozóica começou nos tempos triássicos, tardiamente, apresentando
aspectos diferentes das do resto da Europa, em mares de pequena
profundidade, talvez lagos semelhantes aos schots africanos e
sempre em discordância com o ante-Câmbrico. Devemos recordar que a Era
Secundária corresponde no seu conjunto a um período de calma orogénica,
tendo, durante ela, a superfície do globo gozado de uma grande
tranquilidade.
As erupções são raras; pelo
contrário a extensão e possança das camadas argilosas e calcárias
demonstram uma deposição lenta e serena de sedimentos no seio de águas
de ínfimo
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movimento. O lugar proeminente das criptogâmicas vasculares da Era
Primária, é ocupado agora pelas cicádeas e gimnospérmicas. Aparecem as
angiospérmicas, as dicotiledóneas, e as primeiras representantes das
monocotiledóneas. É a diferenciação das estações, que se revela no
desenvolvimento da flora e sua evolução, tendendo para os tipos
terciários. Os vertebrados da família dos répteis atingem o seu auge,
com os grande sáurios terrestres e marinhos e os répteis alados, mas
surgem os primeiros mamíferos e as primeiras aves, estas ainda com
caracteres reptilianos, e os peixes teleósteos.
Nos invertebrados dominam os
cefalópodes e, entre estes, os amonitídeos que se apresentam sob um
extremo polimorfismo. No Triássico persistem, contudo, algumas formas
vegetais e animais do Paleozóico. Os grés vermelhos, os depósitos de sal
gema e de anhidrite, os recifes coralinos e os calcários dolomíticos,
indicam um clima seco e quente durante o período de cujo sistema nos
ocupamos.
Entre nós, litologicamente,
o Triássico é representado pelos grés rubros, típicos, com camadas
amarelas, esverdeadas e acinzentadas, mas predominância de matizes
vinosos, sanguíneos e purpúreos, que se assemelham aos do Pérmico. São
os materiais irisados ou bariolados dos franceses, de tons
quentes e cores vivas, acentuadamente avermelhadas por toda a parte.
Como o Triássico português não corresponde exactamente às divisões
estratigráficas do estrangeiro, CHOFFAT aplicou-lhes a designação de
grés de Silves.
Na região de Aveiro esses
arenitos são conhecidos por «pedra vermelha» ou «pedra de
Eirol» e encontram-se em Frossos, Loure, S. João de Loure,
Alquerubim, Eirol, Requeixo, Travassô a Águeda, Vouga-Marnel, Macinhata,
ao longo do baixo Cértima, em Avelãs de Caminho, ao longo do Vale de
Anadia, Monsarros, Vacariça e oeste do Buçaco.
A sua possança foi calculada
pelo Sr. Dr. CARRINGTON DA COSTA e por mim, junto ao Cértima, no
paralelo de Águeda, em cerca de 1.000 metros, mais do que CHOFFAT lhes
atribuiu no conjunto do complexo infraliássico.
Parece que, pelo alinhamento
dos afloramentos, a sedimentação foi condicionada por um fosso no
sentido do meridiano, embora desviando-se, ao norte de Anadia, para NO,
e penetrando no interior pelos vales do Águeda e do Vouga.
É possível que o desvio da
orientação meridiana dos depósitos seja devida à influência do anterior
enrugamento hercínico ou dos seus movimentos póstumos no sentido
persistente NO-SE, sentido do afundamento lateral, pela banda oeste do
horst primitivo, sendo provável que o Vouga tenha destruído e
arrastado os restos triássicos não só a N de Eirol e S. João de Loure,
mas também a N e NO de Angeja, pois na estrada de Estarreja vêem-se
vestígios triássicos, como igualmente se vêem alguns
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vestígios, com a coloração característica, no Vale do Vouga, a montante
de Serém e Macinhata.
Como o planalto de Angeja e
Albergaria-a-Velha não apresenta os arenitos vermelhos a norte e leste
da primeira povoação, pois na estrada de Estarreja, que margina os
campos do Vouga, apenas se notam os vestígios já mencionados, e como os
xistos algônquicos afloram sem a cobertura dos grés, que tomam notável
papel litológico e agrológico a sul de Frossos, e sempre à margem do
Vouga que os cortou até Macinhata, e como os xistos naquela zona norte
do referido planalto estão imediatamente cobertos por areias que se
ligam ao Terciário, e ainda porque esta formação arenácea, de afinidades
pliocénicas, cobre imediatamente os grés vermelhos a sul e oeste do
segmento do Vouga que vai de Macinhata a Eirol, é lícito concluir que no
Antracolítico, ou no post-Pérmico, o abatimento do oeste da Meseta
produziu um vale estreito com ramificações ou alargamento na direcção
dos actuais vales inferiores do Vouga, Águeda e Cértima.
A depressão produzida
preencheu-se durante longuíssimo tempo com as formações triássicas,
como, num curioso caso de recorrência, mais tarde sucedeu com o
Quaternário.
Passado o período do
Triássico, como este se depositou e encostou ao rebordo ocidental da
Meseta, veio o Cretácico depositar-se e encostar-se ao Triássico, mas
tão serenamente que se 'não encontra afloramento algum de conglomerado
de base, ao contrário do que sucede com o Triássico que apresenta, em
Frossos e nas proximidades do MarneI, grosseiríssimos conglomerados de
materiais volumosos atingindo as dimensões de cabeça humana, entre os
quais são bem patentes os calhaus xistosos arrancados ao bordo do maciço
oriental.
Onde os arenitos vermelhos
se tornam finos e compactos, passando a grés duros, micáceos por vezes,
susceptíveis de utilização em alvenaria, cantaria e enrocamento fluvial
e marítimo, é sempre no pendor ocidental e na parte superior e média do
afloramento, considerando-se essa parte superior e média, não na
aparência e localização actuais, mas sob o aspecto tectónico, levando em
conta a deslocação sofrida. Por tal, as boas pedreiras são as
subjacentes a Eirol, na margem ocidental do segmento inferior do Vouga,
as subjacentes a Travassô e as da margem esquerda do Águeda, na estrada
para Recardães. São frequentes as camadas argilosas e argilo-siliciosas.
As camadas e zonas compactas, não friáveis, são exploradas como material
de construção, dão mós de afiar ferramentas, capas de aquedutos, etc.
Os paredões da barra, a
defesa dos esteiros e muros das marinhas, os alicerces e paredes de
muitas construções importantes como a torre do Farol, o edifício do
Governo Civil, da igreja inacabada da Vera-Cruz, e o dos Correios,
empregaram os grés vermelhos que, debaixo de água ou sob revestimento
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sólido de argamassa, se comportam bem e oferecem uma grande resistência
ao esmagamento.
Já o grés das camadas
argilosas e arenáceas é totalmente desaconselhável por esboroadiço e
inconsistente, e mesmo o das camadas duras e homogéneas, quando exposto
ao ar, sem guarnição de argamassa ou sem cobertura de água, sofre uma
esfoliação muito perigosa e cospe os revestimentos parciais.
Numa região falha de rochas
utilizáveis na construção civil, onde o adobe de areia e cal é o
material corrente das edificações, o grés vermelho do Triássico
proporciona um valioso recurso que tem sido inteligentemente aproveitado
e em larga escala.
O interesse paisagístico,
não só dos afloramentos mas das aplicações industriais e espontâneas dos
grés e arenitos, não pode deixar de nos merecer atenção e referência.
No andar médio, a sudeste de
Anadia, no Freixial, entre Moita e Monsarros, encontra-se o manganez,
explorado em diversas minas, e o cobre, perto do Buçaco, aparecendo
também gesso nas proximidades do Liássico.
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Como se vê, o Triássico tem
no distrito de Aveiro uma grande importância geológica, litológica e
tectónica, e alguma importância mineralógica e industrial.
Foi-lhe já atribuída, até, a
mineralização das águas da Curia, visto que o sistema é, no estrangeiro,
eminentemente salífero, tanto mais que se notam as analogias com o
Keupper dos geólogos alemães.
Quer-me parecer, entretanto,
não dever perder-se de vista que as nascentes termais da Curia brotam
numa zona de possível contacto do Triássico com o Jurássico, mas em
cujas profundidades são prováveis fenómenos de pressão, compressão e até
metamorfismo, provenientes do jogo de elementos tectónicos diversos que
ali se encontram, ainda não totalmente mortos ou equilibrados.
É ali o sopé das anticlinais
de Anadia e Tocha-Mogofores e dali partem alguns arrancos do horst
de Cantanhede.
Não pensemos em velhas
explicações vulcânicas, mas podemos pensar já na instabilidade das
articulações teclares reflexas da isostasia e do permanente diastrofismo
das orlas continentais.
Em qualquer caso, é de
admitir que as águas da Curia denunciem uma actividade tectónica que no
exterior se revela pelo desencontro bem manifesto das inclinações das
camadas triássicas e jurássicas das proximidades.
O Triássico do distrito de
Aveiro, de Angeja ao Buçaco, é totalmente destituído de fósseis.
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Não quero encerrar este
artigo sem me referir à opinião do Sr. ERNESTO FLEURY sobre a tectónica
do nosso primeiro termo transgressivo da Era Mesozóica. O sábio
professor considera a transgressão triássica como determinada por
movimentos atlânticos devidos ao afundamento da cadeia hercínica,
enquanto que o recuo dos mares moscovianos tinha sido causado pela
formação das respectivas dobras.
A marcha da transgressão
triássica, diz o mesmo professor, foi certamente irregular. A orla
ocidental é um largo fosso que só se pôde produzir por uma série de
deslocações mais ou menos paralelas às que delimitaram o horst,
mas tais deslocações não foram sincrónicas, o que pode explicar a
ausência do Triássico inferior e médio a leste.
O Sr. FLEURY entende, ainda,
que a nitidez de certas grandes fracturas ou enrugamentos do Triássico
com o Paleozóico marinho, não é argumento em favor da idade recente das
deslocações marginais conhecidas, porque essas fracturas foram
refrescadas pela desnudação continental, ou mesmo pela abrasão marinha,
e foram rejuvenescidas por diversas vezes sob a influência de fenómenos
da mesma ordem que se continuam no Atlântico.
No distrito de Aveiro
constata-se o seguinte:
As camadas do Triássico
superior depositaram-se em discordância sobre o Algônquico e o
Paleozóico (Pérmico de Águeda e Silúrico e Pérmico do Buçaco) e sofreram
uma deslocação no sentido de Oeste, com todo o rebordo da Meseta e com
as próprias camadas do, cretácico que na mesopotâmia de entre o Vouga e
as Rias de Ílhavo e Vagos, imediatamente lhe sucedem. CHOFFAT notara o
facto de uma maneira geral para todo o sistema.
A interpretação tectónica
desta disposição particular excede, evidentemente, pela sua
complexidade, o âmbito de um golpe de vista meramente regional e de
intuitos sintéticos e descritivos.
Devemos advertir, ainda, e
para terminar, que na carta geológica de 1899 a cor roxa e a rubrica T
designam não só a parte superior do Triássico, mas o Infraliássico que
corresponde em Portugal ao Rheciano europeu. No distrito de Aveiro esta
observação só tem importância para a zona de Anadia − Buçaco onde o
Pérmico, o Triássico e o Liássico se encontram em contacto. Veremos a
razão deste critério do ilustre CHOFFAT, quando, em próximo artigo,
estudarmos o Jurássico da região.
ALBERTO SOUTO |