Manuel F. de Sá, Subsídios para a história de Fiães da Feira, Vol. V, pp. 155-160.

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA

DE FIÃES DA FEIRA

(NOVA ET VETERA)

SEGUNDO a opinião autorizada do Ex.mo Sr. Dr. JOSÉ LEITE DE VASCONCELOS, eminente filólogo, − Fiães é um nome de origem germânica: é o genitivo − Ulfilanis − de Ulfila, bispo germânico que converteu os visigodos ao arianismo, e faleceu em Constantinopla, no ano 383,

No actual lugar de Fiães possuiu Úlfila uma vila rústica chamada Ulfilanis villa (vila ou quinta de Úlfila).

De Ulfilanis derivou Ulfiães e Ufiães.

De Ufiães passou-se sem dificuldade, em obediência à lei do menor esforço, para Fiães, nome próprio por que veio a designar-se, com o rodar do tempo, não só a vila de Fiães, mas também as restantes villas e villulas (ou vilares), que no século XII vieram a constituir uma freguesia.

Há inúmeros exemplos análogos, diz aquele grande sábio.

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A terra de Fiães da Feira já tinha igreja, côngrua, passal e cura-de-almas, no século XI, muito antes da fundação do Condado Portucalense.

O testamento de D. Chámoa Soares (Flamula Suariz), do ano 1079, que se encontra nos «Diplomata et Chartae» sob o n.º 567, − não deixa lugar a dúvidas.

Aquela senhora nobre doou ao mosteiro de Pedroso o padroado «íntegro» da igreja de Fiães «ecclesiam de fianes ad integram», isto é, com seu passal e côngrua, o que pressupõe a existência dum sacerdote adstrito à dita igreja.

Ao culto dessa igreja ou ermida primitiva de Fiães, presidia em 1072 o Padre Rodrigo Tulfiz, como se depreende duma doação feita por este sacerdote ao dito mosteiro.

Não é, pois, temerário afirmar-se que a primeira igreja de Fiães é, como outras da Terra da Feira, anterior ao ano mil.
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A segunda igreja, demolida por 1880, era coeva da época das descobertas e conquistas, pois fora edificada no reinado de D. Afonso V (1471).

A matriz nova, de vastas dimensões, foi aberta ao culto em Fevereiro de 1884.

O padroado da igreja de Fiães pertenceu ao mosteiro beneditino de Pedroso até 1547, data em que passou, por doação, ao convento de Santa Cruz de Lamego, onde se conservou até ao triunfo da causa liberal (1834).

No Arquivo da Universidade de Coimbra, existe entre os pergaminhos do Cartório de Pedroso uma «Carta do Snr. Rey D. Diniz, dada em Coimbra a 31 de Mayo da era de 1326 (ano de 1288), pela qual mandou ao seu Meirinho daquem do Douro, João Roiz, que prohibisse que Cavaleiros, Donas e outros homens que se chamam herdeiros, não pouzassem na Igreja de Fiaens, que os Religiosos do Mosteiro de Pedroso diziam pertencer-lhe e se queixavam ao dito Snr. Rey − da fõrça e violencia que nisto lhes faziam; pelo que mandou que, ouvidas as partes, como achasse ser do dito Mosteiro, lhes prohibisse a dita apozentadoria por ser contra a prohibição do dito Snr.».

Já se referem à freguesia de Fiães as Inquirições de D. Afonso II (1220) e as de D. Dinis (1308). Estas mencionam o orago (Santa Maria) e dizem-nos que toda a «aldeya de feaães é honrrada» por existir aí a quintã que foy de dom lobo) talvez descendente de D. Chámoa Soares, e em todo o aI (resto) da freguesia entra o mordomo, por não gozar dos privilégios inerentes às honras.

O Foral da Feira (1514) faz também larga referência à freguesia de Fiães (Arquivo do Distrito de Aveiro) voI. 5.º).

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Fiães-da-Feira é, ao presente, uma das freguesias mais lindas e progressivas da comarca. Tem mesmo ares e aspecto de vila moderna e não virá longe o dia em que terá jus a esses fóros e pergaminhos.

A sua agricultura e comércio são importantes. As suas indústrias de calçado de luxo, rolhas, gigas, bordados, rendilha, etc., ocupam muitas centenas de braços e fornecem o pão de cada dia a numerosas famílias. Farmácia, talhos, padarias, consultórios médicos, advogados, luz eléctrica, telefone, são coisas que não faltam nesta terra progressiva.

Situada a norte das Caldas de S. Jorge, a freguesia de Fiães tem excelentes vias de comunicação e meios fáceis de transporte.

A sua área não é grande: porém, a sua população é muito densa e aumenta consideravelmente, de ano para ano.

Comprova-o este facto: − no século XVI, a média anual de / 157 / nascimentos não ia além de 7; no século XVII, foi de 13; no século XVIII, a média anual de nascimentos foi de 23; no século XIX, foi de 46, isto é, dobrou.

No primeiro quarteirão do século actual, a média dos nascimentos em Fiães foi de 86, e no último lustro (1934-1939) foi além de 130, em cada ano.

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Os três antigos braços − Clero, Nobreza e Povo − têm neste meio lídimos representantes.

Esbocemos apenas, a largos traços, a biografia do filho mais ilustre de Fiães que, sendo de origem plebeia, possui a plenitude do Sacerdócio, e brasão de armas, insígnia de Nobreza.

Refiro-me ao Ex.mo Sr. D. Moisés Alves de Pinho, venerando Bispo de Angola e Congo.

D. Moisés nasceu em Fiães, concelho da Vila da Feira, distrito de Aveiro, em 17 de Julho de 1882.

É filho da Sr.ª D. Teresa Ribeiro de Castro e do Sr. António Alves de Pinho (já falecido). Em 1899 deu entrada no antigo Seminário Missionário da Formiga (Ermesinde), onde concluiu preparatórios. Foi em seguida para França, a fazer o noviciado, em Chevilly, de 1904 a 1905, realizando a sua profissão na Congregação do Espírito Santo em 2 de Outubro de 1905.

Neste mesmo ano foi enviado para Roma, a fim de cursar a Universidade Gregoriana, onde se formou com altas distinções em Filosofia e em Teologia.

Recebeu a ordenação de presbítero, conferida pelo Cardial Vigário, Respighi, na Basílica de S. João de Latrão, em 19 de Dezembro de 1908.

Concluiu os seus estudos em Roma em 1910, depois de defender teses publicamente e com grande brilho.

Nesse mesmo ano de 1910, fez, em Chevilly, a sua consagração ao apostolado das Missões, vindo seguidamente para Portugal, para o Grande Escolasticado Missionário de Carnide.

Aqui devia exercer o magistério, o que não chegou a fazer em consequência do que se passou pouco depois, por ocasião da proclamação da República.

Chegou mesmo a estar preso, juntamente com outros membros da Congregação, retirando logo a seguir para França, por ter sido nomeado professor do Grande Escolasticado de Chevilly, onde leccionou Teologia até 1919.

Nesta data, D. Moisés de Pinho regressou a Portugal para reorganizar as casas de formação missionária da Congregação.

Em 1920 já tinha reconstruído uma residência em Braga, na rua Bento Miguel, que alguns anos depois transformou numa casa de formação mista de Clérigos e missionários auxiliares,
em Fraião, nos arredores daquela cidade.
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Em 1921 fundou a casa de Godim, Régua; em 1922 a casa de Viana do Castelo, onde funciona o Seminário Maior do Escolasticado, e por último a casa do Porto, destinada particularmente às vocações tardias. Em Agosto de 1919, foi nomeado Provincial da Congregação do Espírito Santo em Portugal. Embarcou, como visitador às Missões de Angola, em 1 de Novembro de 1931 e regressou em 23 de Março de 1932.

No dia 12 de Abril, publicava «L'Osservatore Romano» a notícia de que o Santo Padre Pio XI o havia escolhido para Bispo de Angola e Congo. O novo Prelado foi sagrado na igreja de S. Domingos, de Viana do Castelo, em 17 de Julho seguinte, sendo sagrante D. Luís Le Hunsec, Bispo titular de Europus e Superior Geral da Congregação dos Padres do Espírito Santo.

O novo Prelado fianense partiu para Angola em 8 de Outubro de 1932 e chegou a Luanda no domingo, dia 23, tomando posse no dia seguinte. Na recepção compareceu o Governador Geral da Província, as restantes autoridades civis e militares, todo o clero da cidade e muitos missionários do interior.

D. Moisés de Pinho, venerando Bispo de Angola e Congo.

O bispo sagrante pressagiou a D. Moisés «um episcopado glorioso e proveitoso para a Igreja e para Portugal».

E, na verdade, durante estes sete anos de intenso e fecundo Apostolado, D. Moisés Alves de Pinho revelou-se um grande Bispo missionário e um benemérito de Portugal. Assim o reconheceu / 159 / o Sr. Presidente da República, aquando da sua visita àquela província do Império, em Agosto de 1938.

Entre os coloniais que, a bem da Nação, quis S. Ex.ª galardoar com público testemunho de manifesta benemerência,  figurava, em primeiro lugar, o Prelado de Angola e Congo, ao qual foi imposta com geral aplauso a condecoração da Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo. D. Moisés descansa, agora, na sua terra natal.

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No Monte de Santa Maria de Fiães existiu um povoado luso-romano, muito importante. As escavações nele feitas em 1925, por iniciativa do Rev.º Abel Alves de Pinho, tio do Sr. D. Moisés, deram óptimo resultado e foram concludentes: Fiães-da-Feira possui a estação arqueológica mais importante de todo o vasto concelho.

Foram encontradas mós manuárias, afiadores, uma pequena estela, tegulae, imbrices, lateres, pondera, fragmentos de dolia, cerâmica micácea, cerâmica fumigada, louça de pasta amarela fina, terra sigillata, louça pintada e louça esmaltada fina, lucernas, fíbulas, algumas centenas de moedas dos séculos II, III e IV, um machado de bronze (que se encontra no Museu Municipal do Porto), enxós, govas, estoques, pregos, e outros objectos de ferro e de bronze.

Todo este importante espólio arqueológico foi adquirido, em Fevereiro de 38, pelo Prof. MENDES CORREIA para o Instituto de Antropologia da Universidade do Porto (museu arqueológico).

Este eminente homem de ciência, tendo visitado o monte de Santa Maria em 2 de Novembro de 1925, escreveu numa revista da especialidade (Revista de Estudos Históricos, ano lI, n,º 2) estas palavras:

«Por quase todo o alto do monte de Santa Maria de Fiães surgem vestígios de antiga ocupação humana: restos de muros e paredes, alguns fragmentos cerâmicos, etc. Na topografia havia as condições naturais para um velho castro.

O acesso em alguns pontos não era fácil, e na base do monte, entre este e o monte da Pedreira, serpeia um riacho, designado pelo povo com o nome de Rio Às Avessas, por se dirigir, não para O., para o mar, mas para S. E., desaguando no rio Ima, afluente do Douro».

E noutro passo das suas nótulas arqueológicas, o Sr. Dr. MENDES CORREIA refere-se à estação luso-romana de Fiães, nestes termos:

«...os achados agora feitos vêm demonstrar claramente que nos primeiros séculos da era cristã se agremiava no local (Monte de Santa Maria ou Redondo) uma população laboriosa e pacífica que na sua cultura bem revelava o papel da colonização romana, então muito adiantada e prestes a submeter-se ao poder dos invasores bárbaros. / 160 /

A louça arretina, os numismas, e outros detalhes da fisionomia arqueológica, facultam precisões cronológicas. Foi-me asseverado (e é um facto) que uma moeda de ouro, encontrada em tempos no local, era de Adriano (séc. II da era cristã); mas, como vimos, o maior número das agora encontradas é do séc. IV.

Vista parcial da freguesia de Fiães.

Não é despropósito supor, no entanto, que o rústico povoado de indígenas, ou vila de colonos cultivadores, que receberam, como aqueles, em certo dia, − a influência do cristianismo, tivesse sido antecedido por um velho castro, que na topografia tinha condições favoráveis.».

A Câmara da Feira, da digna presidência do Sr. Dr. Roberto Vaz de Oliveira, tendo criado há pouco o Museu Municipal, vai dentro em breve mandar proceder a escavações no dito monte de Fiães, onde espera descobrir um rico e variado espólio arqueológico. É digna do maior louvor esta iniciativa do Município da Feira.

Alguns arqueólogos localizam no monte de Santa Maria de Fiães a citânia denominada Lancóbriga, de fundação celta, e que muito floresceu na época romana. Segundo o ltinerário de Antonino Pio, a distância que separava Cale (Gaia) de Lancóbriga, era de 13 milhas, ou, quilómetros − 19,258.

Além disso, esta cividade não era afastada da grande via militar romana, que ligava Olissipo (Lisboa) a Bracara (Braga).

Ora, o monte de Santa Maria dista de Gaia cerca de vinte quilómetros, passando a pouco mais de mil metros dele a dita estrada militar de Antonino Pio.

Apesar de nos parecerem concludentes estas razões, − o Sr. Dr. Mendes Correia: e outros arqueólogos persistem na dúvida, sustentando a opinião de que não está ainda bem determinada a localização de Lancóbriga.

Fiães da Feira, Setembro de 1939.

P.e MANUEL F. DE SÁ

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