NAVEGANDO
huma caravella de hum dos portos do «Reino de Galliza para Setubal,
avistou no mar hum navio, que foi observando sem suspeita de ser inimigo
por lhe não ver lançar lancha fóra, porém quando menos o imaginava, se
vio cortada, e accommettida pela parte da terra, e do Sul por huma
lancha com dezoito homens bem armados, e hum pedreiro na prôa. A
caravella vendo-se entre a náo, e a lancha foi retrocedendo para o
Norte, e se chegou tanto a terra, que encalhou, e receando-se os que
nella vinhão (ainda depois de encalhados) do navio, e da lancha, que os
vinhão accommettendo, se lançárão no bote, e se salvárão em terra na
praia de Esmoriz da Villa da Feira no dia 10 de Julho [do ano de 1738].
Os Muuros entrárão logo á sua vista na caravella, de que tirárão algum
fato, com que huns voltárão na lancha para o seu navio, ficando os mais
na caravella para a porem em mareação, com ajuda do seu navio, porém
neste tempo veio hum mar tão rijo, que lhes voltou a lancha, e como
ainda estávão mui chegados á caravella, se afogou só hum, e se salvárão
nella os outros, que logo começárão a atirar para a terra contra os
caravelleiros, e algumas pessoas, que vierão correndo para a praia.
Tocou-se logo a rebate na terra, soárão os sinos das Freguezias de
Esmoriz, Paramoz, e Silvade, e concorreo muita gente á praia.
Pascoal Pimenta Soares, Alcaide Mór de Barcellos, que se achava
casualmente na casa do Abbade de Esmoriz seu irmão, montando logo a
cavallo se chegou ao sitio da peleja, e deo calor ao povo, de modo que
os Mouros vendo-se em secco, sem lancha, e que o seu navio se tinha
feito ao mar, se rendêrão captivos em numero de dezesete, e forão
levados para casa do dito Abbade, que os tratou caritativamente,
provendo-os de sustento, e de roupa. Entre estes dezesete
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havião oito Turcos, e tres que fallavão bastantemente a Lingua
Portugueza, e a Castelhana. Confessárão que o navio era casco Inglez,
que jogava vinte e quatro peças, que sahírão do porto de Argel, e que
chegárão á altura das Ilhas Terceiras, e passárão depois áquelles mares,
sem haverem feito preza alguma. Forão levados para a Cidade do Porto por
hum destacamento de Soldados, commandados pelo Sargento Mór do
Regimento, com hum Capitão de Granadeiros, e mais Officiaes subalternos,
que marchárão toda a noite por ordem do seu Coronel, para virem acudir
ao rebate de que o Castello de S. João deo aviso, pela noticia que teve
da peleja por alguns pescadores. He para admirar a promptidão e zelo com
que acudírão á defensa do Paiz, não só os homens, mas ainda as mulheres
carregadas com cestos de pedras, por não as haver na praia, que he toda
de area, e até entre ellas concorreo huma com a pá do seu forno para
entrar com ella na peleja.»
(Gabinete Histórico
de Fr. CLÁUDIO DA CONCEIÇÃO, tomo IX, págs. 132-135).
Pela cópia,
P.e MIGUEL
A. DE OLIVEIRA
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