Uma carta de Oliveira Martins, Vol. IV, pp. 137-138.

UMA CARTA DE OLIVEIRA MARTINS

A SEGUIR, publicamos uma carta do grande escritor OLIVEIRA MARTINS, dirigida ao falecido antiquário de Aveiro, JOÃO AUGUSTO MARQUES GOMES, a propósito da elaboração das Lutas Caseiras, porventura o melhor trabalho do investigador aveirense. Devemo-la ao nosso bom amigo, sr. tenente Fernão Marques Gomes, filho do autor das Lutas, a quem neste lugar nos apraz agradecer a atenção.

                      Ex.º Sñr

Respondo com o maior prazer á sua carta do dia 11 acompanhando o summario da obra de que V. Ex.ª me annuncia a publicação.

As Luctas Caseiras, abrangendo o período que vae de 1826 até 1846, esmerilhando os diversos episodios d'esses quatro lustros tão eminentemente graves para todo aquelle que deseje possuir uma idéa exacta ácerca dos acontecimentos do regime em que vivemos hoje, compendiam os acontecimentos por uma forma lucida e, ao que se vê do Summario, com uma tal minudencia que farão da sua obra o repositorio indispensavel a todos os homens d'estudo.

Param no principio da guerra civil de 1846-47 e a meu ver param bem, porque essa guerra, apesar dos seus incidentes pittorescos, é, ja pelo deploravel imbroglio em que se agita, ja pelo modo tristemente desolador por que acaba, um episodio que pertence mais aos nossos tempos do que ás epochas em que se debateu a implantação do liberalismo portuguez.

A revolução que poz termo ao proconsulado restaurador do Sr. Conde de Thomar falhou completamente, mistér é dizel-o; e falhando, a força das cousas ajudada pela fraqueza / 138 / dos homens havia de trazer-nos inevitavelmente a um estado a que só por ironia amarga se pode chamar ainda Regeneração, pois de facto foi, tem sido e é o relaxamento de toda a virtude, de toda a nobreza, de todo o caracter − uma degeneração universal.

Hoje porem que, não sei se os meus olhos se a allucinação do meu bom desejo apenas, descortinam um vago anceio de sair d'este atoleiro em que chafurdamos: é hoje mais do que nunca a hora propicia da publicação de obras como a de V. Ex.ª, destinadas a generalisar o conhecimento da nossa historia contemporanea.

É nas angustias supremas, quando se corre um perigo de vida, que o homem cáe em si e faz um exame geral aos actos da sua vida: tal é a meu ver a situação actual da sociedade portugueza, e tal é tambem o merecimento que eu encontro em obras como as Luctas Caseiras.

Pensando assim, não posso deixar de applaudir a publicação do seu livro como obra interessante, opportuna e util a todos os respeitos; e pedindo-lhe que faça d'esta carta o uso que lhe aprouver, espero que me creia

De V. Ex.ª

Mt.º V.or e Obr.º

                            J. P. Oliveira Martins

C. de VEx.ª

Porto 15 de fevereiro


Não se sabe em que ano foi escrita esta carta. OLlVElRA MARTINS data-a, porém, do Porto, onde, como é sabido, viveu desde 1874 a 1888.

As Lutas Caseiras foram publicadas em 1894. Abre o único volume publicado, por uma introdução, em que se faz uma rápida resenha dos acontecimentos políticos que vão desde a implantação do liberalismo (1820) até 1834. O assunto principal da obra é a História de Portugal compreendida entre esta última data e 1837 (Quatro capítulos: 1−1834-1835; lI−A revolução de Setembro; llI−A Belemzada; IV−Conspiração das Marnotas). Na Advertência Preliminar, diz o autor que «fica para ser tratado em subsequentes volumes a epocha que decorre de 1837 a 1851, em que o movimento chamado da Regeneração fechou o cyclo das revoltas partidárias em Portugal»; mas nenhum outro volume foi publicado.

Vê-se, portanto, que o primitivo Plano do trabalho, − que abrangeria, segundo o que se lê na carta de OLIVEIRA MARTINS, de 1826 a 1846 −, foi posteriormente modificado e alargado.

J. T.

Página anterior

Índice

Página seguinte