No princípio
deste trabalho, expusemos a teoria da
formação das freguesias rurais, de harmonia com os
estudos de ALBERTO SAMPAIO. Viria agora a propósito
esclarecer especialmente as origens da freguesia de
Ovar no aspecto da sua organização religiosa, mas
não conhecemos documentos que possam ao menos servir de
base a sérias conjecturas. Não devem, aliás, ser mais felizes a
maior parte das freguesias anteriores ao século XIII.
Os súbditos duma paróquia designavam-se, em meados do
século XI, por filigreses (fregueses). Lê-se num documento do ano de
1064: «siue de nostros filigreses siue et de allios omines» (Diplomata,
pág. 275). No instrumento de delimitação duma
paróquia, feita pelo bispo de Lugo em 1155, dizia-se: «Hos
homines et supra dicta loca largimur huic ecclesiae pro filiis
spiritualibus, quos vulgus parrochianos vel feligreses vocare
consuevit». Informa FORTUNATO DE ALMEIDA, reportando-se a um
documento da España Sagrada, que já no século IX se empregava a mesma designação, Se os
feligreses provieram de filii
gregis ou de filii ecclesiae, não está ainda inteiramente averiguado. Num grupo de documentos do ano de
1117 relativos à
freguesia de S. Miguel do Mato, encontrámos uma doação ao
mosteiro de Paço de Sousa na qual Ramiro Alvares e seus irmãos se declaram «filiis ecclesie discipulos Michaelis que esse fundata
inter Paradela et inter uilla Beleci», decerto para significar que são paroquianos dessa igreja (Arquivo Dist. do
Porto,
Códice 79 do Cartório de Paço de Sousa, fl. 40 v.).
/ 62 /
Quanto a Ovar, já declarámos não aderir à hipótese dos
que atribuem categoria paroquial à igreja de S. Donato e
S. João, citada na doação de 922. Em compensação, fizemos recuar as suas origens ao tempo da pregação apostólica, identificando o S. Donato com um discípulo de Sant'Iago, segundo
tradição ainda viva no século XII.
Todos os documentos referentes à paróquia lhe dão por
padroeiro S. Cristóvão, e é certa a existência da igreja de
S. Cristóvão de Cabanões no ano de 1132. Importa fazer um
breve excurso histórico, se quisermos saber quando, por quem
e onde seria fundada esta igreja.
A organização paroquial suévica e visigótica, por certo
bem diferente da que nos aparece no século XII, mal poderia
subsistir no tempo da ocupação árabe. No ano de 716, Abdalazis, filho de Muça, chegou a avassalar
toda a Galiza e tomou,
entre outras, as cidades do Porto e Braga. Cerca de 30 anos
depois, Afonso I reconquistou essas cidades, exterminou os
ocupadores muçulmanos e internou os cristãos nas Astúrias
(Christianos secum ad patriam duxit). Mas só no reinado de
Afonso III, pelo ano de 878, se estendeu o domínio dos cristãos para
aquém Douro e foram por eles repovoadas as cidades de
Coimbra, Viseu e Lamego. No período que decorreu desde 716
a 878, por maior que fosse a tolerância dos invasores, não poderia
pensar-se em organização religiosa estável nesta região
da beira-mar e ainda menos em novas fundações. Note-se de
passagem que a persistência de topónimos de origem romana
permite concluir que a população cristã não chegou a abandonar inteiramente as suas terras.
Depois daquela primeira reconquista, o território de entre
Douro e Mondego foi frequentemente devassado pelas incursões
árabes que visavam a Galiza e recaiu na posse dos muçulmanos pelas famosas arrancadas de Almançor. Neste novo período (878-997),
já encontramos documentada a vida religiosa da nossa
região, mas sem qualquer referência a organização paroquial
propriamente dita. Em 897, aparecem-nos mosteiros nas vilas
de Azevedo e Sanguedo; em 922, os de Crestuma, Santa Marinha (Avanca ?) e Grijó; em 977, o de S. João de Ver; em 922,
as igrejas de Santa Cruz (Silvalde), S. Miguel de Cortegada
(Olival), S. Pedro de Vila Chã, S. Miguel de Dezanos (Milheirós ?), S. Tiago de Riba-UI, S. Miguel de Oliveira (de Azeméis), S. Paio de
OsseIa, S. Donato e S. João (em Ovar), etc.
Depois da incursão de Almançor, nomeiam-se mais: em 1002,
as igrejas de S. Vicente de Pereira, Santa Cristina e S. Martinho de Maçada; em
1037, o mosteiro de Anta; em 1050, os
mosteiros de Sá (em Mosteirô) e de S. Geão (em Souto),
etc. Talvez nessas igrejas e mosteiros, alguns dos quais seriam
modestas ermidas com um ou dois frades ao seu serviço, se
exercesse um ministério paroquial lato sensu, sem delimitação de
/ 63 /
território e sem designação especial dum sacerdote para determinado
grupo de fiéis.
É, porém, convicção nossa que grande parte das igrejas paroquiais da
Terra de Santa Maria (entre Douro e Vouga) só foram fundadas depois que
se tornou definitiva a reconquista territorial até Coimbra no reinado de
Fernando Magno (1064)(1). No meio
século a seguir, ocupar-se-iam os cristãos, com intensa actividade, em erigir ou reconstruir os padrões
da sua fé. E seria enfim o bispo D. Hugo (1114-1136) quem organizaria
definitivamente por freguesias a vida eclesiástica da diocese do Porto,
depois de lhe anexar o território da beira-mar até ao rio Antuã, outrora
pertencente ao bispado de Coimbra. A igreja de S. Cristóvão de Cabanões
talvez não contasse ainda um século em 1132.
Quem a fundou? Os investigadores de antiguidades históricas sentem-se às
vezes tentados a imitar os paleontologistas que, por um osso ou dente,
reconstituem o animal ante-diluviano. Riem os néscios, mas entretêm-se
os sábios... Para descobrir os fundadores da igreja de Ovar, podemos
agarrar pelos cabelos o Fernando Pelaiz e a Elvira Pelaiz que, em 1147,
doaram a parte que nela possuíam ao mosteiro de Grijó, e obrigá-los a
confessar toda a verdade. Dirão que a herdaram de pais e avós e
apresentarão como testemunhas os seus próximos parentes Gonçalo, Bona e
Garcia Pelaiz e a senhora Unisco Menendiz; nós, lembrando que poderiam
ser da prole de Pelágio Fromariguiz e Mendo Tructesendiz, subiremos por
Tructesindo Eriz e Egas Erotiz a um D. Ero
−
e, com os Eriz, Tructesendiz,
Fromariguiz, Menendiz e Pelaiz, entroncaremos nas principais famílias
que auxiliaram a erecção de templos por toda a Terra de Santa Maria.
Quando se fizer a história do repovoamento desta região e os linhagistas
aduzirem o seu testemunho, ver-se-á quanto vale esta simples sugestão
dos nomes de família.
Mas nem só os antepassados dos Pelaiz contribuíram para a igreja de S.
Cristóvão. Coube o principal esforço à coroa e aos outros proprietários
da terra, por isso que ficaram com o direito de apresentar o pároco.
Assim o indicam as inquirições de D. Afonso III em 1251: «lnuenimus quod
homines hereditatores de ipsa villa abbadauant cum uestro auo et cum
uestro uisauoo et modo nouiter inuenimus quod uester pater et uester
germanus et vos abbadauistis de quolibet clerico uos dedistis sine eis».
Por este passo se verifica, ainda, que esta igreja teve pároco desde o
tempo de D. Afonso Henriques (bisavô de D. Afonso IIl) e que, a partir
de D. Afonso II, os direitos da coroa absorveram os do povo em matéria
de padroado.
E onde ficaria a igreja, chamada
de S. Cristóvão de Cabanões
/ 64 / em todos os documentos até o século XVI? Como o nome de Cabanões
subsiste num lugar, facilmente se esquece que ele serviu outrora para
designar toda a freguesia, nas mesmas condições em que hoje serve o de
Ovar. Mas já vimos que no século XIII havia núcleo urbano no lugar de
Ovar, e não no de Cabanões. Para comodidade da população, a sede da
paróquia devia ficar central, e geralmente aproveitava-se a proximidade
dos cursos de água, onde os havia. Concorrem actualmente estas
circunstâncias na igreja de Ovar. Também por comodidade nossa, embora
haja outros argumentos, suponhamos que para a primitiva se não elegeu
lugar muito distante do da actual, enquanto não aparecerem documentos
mais convincentes que as frágeis hipóteses de JOÃO FREDERICO. É mais
fácil admitir que se mudou simplesmente o nome à freguesia, do que
terem andado os ovarenses «de casa mudada» à roda do ano de 1600.
O PADROADO DOS BISPOS E DO CABIDO
Volvido um século
sobre a primeira referência à igreja de
S. Cristóvão de Cabanões, temos no Censual do Cabido da Sé do Porto uma
série de documentos relativos ao seu padroado. Como esse cartulário se
encontra editado, dispensamo-nos de os reproduzir na íntegra. Trata-se,
em resumo, do seguinte:
O bispo do
Porto, D. Pedro Salvadores, mandou edificar uma igreja nas
herdades que possuía em Lamegal, termo de Pinhel. No ano de 1241, D.
Egídio, bispo de Viseu, erigiu-a em
sede duma freguesia com o título de Santa Maria do Lamegal, o que foi
confirmado em 1246 pelo papa Inocêncio IV. Por título de fundadores,
ficaram os bispos do Porto com o padroado dessa igreja.
Em 1261, a 8 de Agosto, celebrou-se um contrato de permuta entre D.
Afonso III e o bispo D. Vicente Mendes, recebendo o rei a igreja de
Lamegal com a sua aldeia e dando ao bispo e à igreja portucalense «ecclesia
in santi xpistoffori de Cabanoens cum omni iure patronatus et cum
omnibus iuribus et pertinentijs suis». O bispo deu ainda ao rei, «gratis
pro domno», as herdades que possuía em Codesseiro (Guarda).
A permuta não se tornou logo inteiramente efectiva, porque o bispo de
Viseu, não sabemos por que bulas, estava na
posse da igreja de Cabanões. Por isso, D. Afonso III, a 10 do mesmo mês
e ano, mandava uma carta a Simão Peres de Espinho, na qual lhe
comunicava o contrato e declarava ter acordado com o bispo do Porto que
este conservasse a igreja e
aldeia de Lamegal e a herdade de Codesseiro e recebesse os frutos para
o rei, «donec ego desembarguem sibi dictam ecclesiam
/ 65 /
[Vol. IV - N.º 18 - 1938] de Cabanoens et integrem illam sibi». Em Fevereiro do ano seguinte,
estava resolvido o caso. Mandava el-rei:
«Alffonsus dej gratia Rex Portugalensis. vobis ludicij de Cabanoens
Salutem. Mando uobis quod uissa carta. integretis Episcopo Portugalensi
ecclesiam de Cabanoens cum omnibus
hereditatibus et pertinentijs suis. Vnde aliud nom ffaciatis
−
Data
Colinbriae Rege mandante per Decanum Portugalensem. XX.º die Ffebruarij.
Alffonsus pellagij ffecit. Era Millesima Trezentessima».
Tudo parecia correr no melhor dos mundos, mas o bispo do Porto, ou
porque se visse logrado na permuta ou porque o papa o chamasse à ordem,
veio mais tarde a contestar a validade do contrato e conseguiu ficar com
Lamegal e Cabanões. Assim consta do seguinte documento, tão importante
em seus pormenores para a história geral, que já foi publicado na Monarchia Lusitana (Parte V, doc. 12, pág. 510).
«ln no mine ihu xpi. Nos dionisius dei gratia Rex portugal' et algarbij
notum facimus presentes litteras inspecturis, quod cum olim uenerande
memorie. dñs. A. pater ñr. port. et algarbij Rex illustris cum uenerabili p're dño.
V. port. ep'o eccl'iam
scti xpofori de cabanões eiusde dioc. cu iuribus et pertinentijs suis
cuius jus patronatus ad dictum patrem nrm spectabat pro uilla de lamegal
viseen. dioc: rum eccl'ia et suis pertinentijs permutasset. Tandem Eps.
ipse de Romana curia rediens. presenciam nr'am adiuit et a nobis humil'r
postulauit quod dictam villam de lamegal sibi restitui faceremus.
ostendens diuersas Rationes et causas propter quas dicta permutatio non
ualebat litteras etiã papales exibuit coram nobis per quas d'ns papa.
nram regalem excelentiam excitabat. ut ob ipsius et ap'lice sedis
reuerentiã. nec non quia facta permutatio de spir'alibus ad temporalia
improbatur maxime cum uergat in port' eccl'ie maximú detrimentum id quod
petebat ep's facere curaremus. Nos igitur id quod iuris est cuilibet. in
Regno nro et special'r ep'o antedicto qui patrem nrm et nos sibi
diuersis modis et seruitijs obligauit facere cupientes dictam villam de
lamegal cum eccl'ia et iuribus ac pertinentijs suis necnon terminis
nouis et antiquis ingressibus et egresibus eius et eccl'ie sue sibi
dimittimus et donamus et eumdem ep'm Domine suo et eccl'ie sue de ipsa
uilla et eccl'a cum iuribus suis ut permititur per nrm anullum inuestimus et in possessionem ville ipsius
ducimus atque mittimus.
Bona fide et sine maIo ingenio eidem ep'o promittentes quod postquam de
Romana curia redierit ad quam in seruitio dei et nro mitimus eum dictam
uillam sibi Domine suo et eccl'ie sue cautabimus per illa loca. et per
illos terminos per que et per quos pater n'r dño. p. Johanis et uxori
sue done Orrace cautauit eandem. Et hoc promittimus sibi facere uel
successori suo
/ 66 /
si ipse esset rebus humanis exemptus. infra mensem postquam ab eorum aliquo fuerimus requisiti. volumus etiam et mandamus
quod dictus ep's et eccl'ia sua habeant et possideant in perpetuum jus patronatus eccl'ie de cabanões. superius memorate
sicut ipsam habebant et possidebant et haberent et possiderent
si permutatio supradicta in suo robore permaneret. Et guia ep's
antedictus petebat a nobis sex milia librarum et sexcentas quas ratione asunade pater n'r habuerat de predecessore suo. dno
Juliano. Et sexcentos modios de centena quos de dicta uilla de
lamegal eidem episco ut dicebat filiauerat p'r n'r. Petebat a nobis sibi
dari castrú de marachic dioc. elboren. quod dicebat ex
donatione d'ni sancij patrui n'ri. et ex confirmatione sedis
ap'lice
ex çerta sciencia. ad suam port. eccl'iam pertinere. Petebat in
super quandã vallenam(2) quam in ciuitate port. a piscatoribus
vasallis eccl'ie sue habuerat p'r n'r. Petebat necnon sibi satisfieri de
morte michael' laurentij subpretoris nepotis sui. Et pascasij
ferrarij vasalli sui qui ambo per mandatum p'ris n'ri suspensi
in gaya fuerunt sine causa ut idem ep's aserebat. pro bono pacis et concordie. et etiã nos simus obnixius obligati renútiauit omnibus
et singulis petitionibus antedictis. Renutiauit etiam litteris ap'licis quas impetrauerat super eis. hoc adiciens quod si
forte nos síbi. uel successorij suo nomine port. eccl'ie non cautaremus
villam de lamegal ut superius est expressum. teneamur ei dare et
restituere predicta. sex millia librarum et sexcentas
atque secentos modios de centeno. Et hoc eidem bona fide promittimus obseruare. Et ut super premissis in
posterü nulla inter nos
uel successores n'ros et port. eccl'iam questio oriatur fecimus de omnibus suprascriptis fieri duas cartas per alphabetum
diuisas quarum unã sigillo ipsius ep'i consignatam nos debemus
habere. Et ipse ep's aliam sigilli n'ri munimine roboratam. Acta
sunt hec Elboren. XXbIlJ. die aprilis. E.ª M.ª CCC.ª XX.» (28 de abril
do ano de 1282). (Livro 2.º de Além-Douro) fls. 266; cf. Gav. I, m. 3, n. II).
Alguns anos depois, el-rei D. Dinis doou ao mesmo bispo D. Vicente e ao
seu Cabido a igreja de Santa Marinha de Vila Nova e a de Gaia com mais
dois casais no julgado de Gaia e, não se julgando ainda quite, confirmou
a doação de Cabanões. Diz textualmente o diploma, na parte que nos
interessa:
«E de mays outorgolhys a donaçom da Eygreia de Cabanões que lhys meu
padre auya dada en cambho polo lamegal.
E sse ata aqui os dictos bispo e Cabidoo ou seus antecessores ouueron
algúa ren de meu Padre ou dos Reys que foron antel ou de min en
herdamento ou en auer ou en outra causa qualquer todolho quito e
outorgoo por mjn e por todos meus successores pera todo sempre. E esta
lhes faço porque os dictos
/ 67 /
bispo e Cabidoo se quytarom amjn da demanda que mj fazian do Castelo
de Marachiqui e da vila do lamegal e de VJ. mil. VI. centas libras e de
VJ. centos moyos de pã e dos Casaaes da
Codesseyra e de todas outras demandas se as auiam contra mjm».
Foi esta carta dada em Elvas a 12 de Dezembro do ano
de 1291 (Doações de D. Dinis, liv. I, fls. 285); está reproduzida quase
«ipsis verbis» em outra dada no Porto em Junho de 1292 (Doações de D. Dinis, liv. 2,
fl. 34). A vila de Marachique citada nestes documentos
era, segundo J. P. RIBEIRO, situada no Alentejo junto a Almodôvar (Sobre a sua doação ao bispo do
Porto e outros
documentos, ver Reflexões Históricas desse autor, lI, pág. 189).
Resolvida a questão com o rei, teve D. Vicente de se haver com seus
cónegos, os quais lhe representaram que «tertia parte reddituum seu
prouentuum ecclesiae de Cabanoens de iure spectant ad eos» e que «para
utilidade da sua alma» lhos devia ceder, pois os recebia «contra
conscientiam». O bispo concordou, contanto que depois da morte lhe
fizessem aniversários pela alma, e lavrou-se o respectivo documento no
paço episcopal «in alpendrato viridarii» , a 26 de Abril de 1295 (Censual,
ed. de 1924,pág. 506).
Bispo e Cabido fruíram conjuntamente a igreja de S. Cristóvão de
Cabanões até ao ano de 1466. Sendo então bispo do Porto D. João de
Azevedo, celebrou a 18 de Setembro, com os seus cónegos, um contrato em
virtude do qual ficava a pertencer à Mitra o padroado das igrejas de
Campanhã e Queimadela e passava para o Cabido in solidum o padroado de
Cabanões (Arquivo Dist. do Porto, Livro 4 dos Originais do Cartório do
Cabido, fl. 4). Esta anexação à mesa capitular foi confirmada por uma
bula do papa Paulo 2.º, datada de Junho de 1468, na qual se sugeria a
António Gonçalves, último «abade e reitor da paroquial igreja de S.
Cristóvão de Cabanões» apresentado pelo bispo, que renunciasse ao
benefício. Resignou o abade em 27 de Outubro de 1470, e a 14 de Novembro
tomava o Cabido posse da igreja por procuração (Livro 21 dos Originais,
fls. lI, 14 e 21).
LISTA DE PÁROCOS - RENDIMENTO DA FREGUESIA
Do tempo em que Cabanões era do padroado real, apenas temos o nome dum
capelão: «Alfonsus Petri Capellanus» (1251). Diz VITERBO, em referência
a essa época, que o pároco se chamava prelado ou abade e «tinha um Presbytero ou Capellão, a que hoje chamamos Cura, que era ordinariamente o ministro dos
sacramentos» (Elucidário, Abbadia I). De fins do século
/ 68 /
XIII ao terceiro quartel do século XV, apurámos os seguintes
abades:
Lourenço Anes (doc. de 1299 e 1312).
João Martins (doc.
de 1354)
Gonçalo Afonso, que renunciou em 1426. Sucedeu-lhe:
Gonçalo Martins, cónego da Sé do Porto, apresentado pelo
Cabido em 7 de Abril de 1426; falecido em 1435. Sucedeu-lhe:
Vasco Gonçalves, também apresentado pelo Cabido, confirmado pelo bispo D. António Martins de Chaves em 31 de Dezembro de 1435.
João Pires, que permutou com o seguinte:
Luiz Anes, que era cónego da Sé de Lisboa e «perpétuo vigário de Santa
Maria de Motagraço». Confirmou a permuta o bispo D. Luís Pires, em 26
de Março de 1461.
António Gonçalves, que renunciou espontaneamente à paróquia quando ela se uniu à mesa capitular (1470).
Documentam-se os últimos seis nomes pelo Livro 21 dos
Originais, fls. 20, 16, 17 e 21.
Para a estimativa
dos rendimentos da paróquia, poucos elementos pudemos coligir. No século XIV, pagava esta igreja:
«Octo. morabitinos ueteres pro ornamentis et canpanis ecclesiae
Cathedralis. Item. C. nonaginta duobus morabitinos de Censu (Censual,
pág. 547). Em 1320, foi taxada em 50 libras para subsídio da guerra com os mouros, quando Válega devia pagar
150 e S. Vicente de Pereira 100 (Bibl. Nac. de Lisboa, ms. n.º
179 da Colecção Pombalina). O grosso dos rendimentos do Cabido provinha-lhe dos dízimos e foros. Foi talvez para recolher as
rendas que, em 15 de Setembro de 1488, comprou a Gonçalo Fernandes, morador em Ovar, umas casas com duas cubas
velhas, por 1500 reais brancos (Livro 21 dos Originais, fl. 22).
A 26 de Junho de 1503, emprazou a João Luís três casais da
igreja de Cabanões (Idem, fi. 23). E em 1525, a 12 e a 22 de
Maio, celebrou com D. Manuel Pereira, Conde da Feira, uma
composição sobre os dízimos que recaíam nas lezírias e pauis
de Ovar até à foz de Aveiro. É interessante este contrato, por
diversos pormenores. Andava o Conde ocupado em «afruitar e
tirar da agoa» várias terras para serem lavradas e semeadas e,
como nisso despendia muito dinheiro, pedia ao Cabido que lhe concedesse
a quarta parte do dízimo dos frutos que elas produzissem. Lavrou-se o documento «em a villa do Var dentro nos
Paços do muy illustre Senhor o Senhor Dom Manoel Pereira
Conde da Feira», e nele se diz que a terra de Ovar «he na freguesia da Igreja de São Christovão de Cabanões» (Livro 10
dos Originais, fls. 13 e 14).
No Arquivo da Torre do Tombo (Conventos Diversos
B 44
− 4), há uma Relação dos Bens da Mitra do Bispado do
Porto, feita em Fevereiro de 1770, na qual estão registadas as
propriedades que, depois do padroado do Cabido, ficaram a
/ 69 /
pertencer ao bispo em Ovar. Originariamente, eram só dois casais no Couto de S. Donato, chamados respectivamente da
Igreja e da Laranjeira. Deu-os de prazo a Gonçalo Anes o bispo D. Diogo
de Sousa, em 1497. Subdividiram-se depois por novos emprazamentos e rendiam ao todo, no século XVIII, 50 alqueires e meio de trigo, 8 alqueires de centeio, 8 galinhas, 3
capões e meio, além de lutuosa e domínio.
JOÃO FREDERICO transcreveu do Cartório do Cabido um curioso documento que não chegámos a conferir. Diz, em suma,
que o tesoureiro-mor da Sé do Porto era obrigado a apresentar
ao Cabido uma canastra de uvas no dia da Transfiguração do
Senhor e que cobrava anualmente da igreja de Cabanões a pensão de 330 réis com o ónus de dar corda para a garrida da
mesma Sé(3). Em 14 de Setembro de 1590, convencionou-se exonerar o
tesoureiro das uvas, mas não da corda, e receber o Cabido os 330 réis.
Baratas uvas...
Para concluir estas notas, advertimos que a «ecclesiam de
oluar» mencionada numa convenção celebrada em 1117 entre
D. Hugo bispo do Porto e D. Gonçalo bispo de Coimbra, e em
outros documentos, é a igreja do Olival (Gaia). Da semelhança
gráfica já resultaram alguns lapsos, como o da lista publicada
por FORTUNATO DE ALMEIDA na História da igreja em Portugal (tomo lI, apêndice
n.º I), em que aparece uma igreja de Ovar
e outra de Cabanões.
Padre MIGUEL
A. DE OLIVEIRA
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