TODA a faixa
compreendida entre a ria e o mar, a norte da foz do Vouga, pertenceu
desde antigos tempos ao termo de Ovar. O deslocamento gradual da barra
para sul deu lugar a que se dilatasse por esse lado o senhorio administrativo e eclesiástico da vila, até entestar
com Mira.
Em princípios de Dezembro de 1757,
abriu-se um regueirão «pelo sítio do
forte velho em direitura ao mar», «e porque poderia em algum tempo ser
ou parecer Barra», houve o cuidado de exarar em documento público que o
termo de Ovar ia até cerca de três léguas mais ao sul, e
assinalou-se-lhe o limite com um marco de pedra de esquadria. Nesse
documento, ficou também ressalvado «o direito que a todos os lavradores
assiste da sua gelfa». Não tardou, porém, que fosse arrancado o padrão e
que se proibisse aos lavradores de Ovar trazerem os gados da gelfa para
além da ermida de Nossa Senhora do Bom Sucesso da Torreira. Eram os
primeiros passos para a redução dos domínios ovarenses, castigada em
duras palavras por JOÃO FREDERICO, nas Memórias e Datas.
Interessam-nos estes pormenores para a identificação da
Gelfa dos
antigos documentos, pois aquela faixa litoral veio a mudar de aspecto e
os gados tiveram de procurar outro campo de pastagem.
Era a Gelfa propriedade reguenga que os reis aforavam a particulares. A
propósito aqui vai mais um documento em latim,
para desconto dos pecados de alguns leitores pouco devotos da língua-mãe.
É de 4 de Fevereiro do ano de 1283 e diz, em resumo, que D. Dinis afora
a Gelfa a Pedro Bermudes (ou Vermuiz) por cinco libras anuais.
/ 126 /
KARTA DUUM MONTE QUE
IAZ EM TERMHO DE CABANÕES O QUAL
CHAMAM GELFA.
− Nouerint uniuerssi quod ego domnus Dionisius
dei gratia Rex Portugaliae et Algarbij do et concedo ad forum
Petro uermudij illum meum montem qui iacet in termino de Cabanoes qui uocatur Gelfa tali pacto quod ipse teneat illum in
uita sua et det mihi per montado de conelio et per pascuis de
ganatis annuatim quinque libras in denario et non possit illum
alienare ullo modo. ln cujus rey testimonium do ei istam cartam.
Data Elbore .iiijª. die Februarii Rege mandante per domnum
Nunum suum maiordomum et per cancellarium. Jacobus iohanis not. Eª. Mª.CCCª.XXlª (Livro
I de Doações de D. Deniz, fl. 64)
O mosteiro de Grijó tomou depois a Gelfa pelo mesmo foro
anual de cinco libras, e lá trazia a pastar numerosas cabeças de
gado, éguas, bois, vacas e porcos, em que fez grosso desbaste
a epidemia de 1348, chamada «a mortandade grande». Essa epidemia, que em Portugal durou uns três meses, causou grandes
estragos nesta região (Arquivo do Distrito de Aveiro, tom. I,
pág. 154). Em 1355, foi o mosteiro demandado por 35 libras de foros atrasados desde «o tempo da pestelensa», mas conseguiu
compor-se com o almoxarife de el-rei, pagando apenas uns tantos soldos por cabeça (Tombo do Mosteiro de
Grijó, I, fl. 242-245).
Já então fora a Gelfa invadida por gados não pertencentes
ao mosteiro, e talvez desde aí começassem os lavradores de
Ovar a considerá-la como logradouro comum. Apesar de prolixo, é extremamente curioso o «stromento» de composição entre
o Prior de Grijó e o primeiro invasor, no ano de 1354.
«Sabham todos quantos este stromento virem que demandas e contendas
heram e esperavam aa ser perante Affonço Domingues Juis de Cabanões antre Dom Domingos Bertollameu Priol
do Moesteiro de Igrijoo por si e pello dito seu Moesteiro da huma parte e Roy Coelho escudeiro morador em Rollaães dapar
de affeira terra de Santa Maria da outra parte por razam que ho
dito Priol dizia que el e o dito sseu Moesteiro haviam e pessuhiam
pouzadas e companhas degoas e de poldras que el e o dito sseu
Moesteiro tragiam e que pessuhiam todalas que andavam nos
lugares que chamam a Reelva e Estromeira e Porrida e Vimas
e em todolos outros lugares delafos de Vouga ataa ho Huradoiro que hera no julgado de Cabanães que passava por des e
vinte e quarenta e secenta annos estes mais chegados chamadas e
havudas e nomeadas por do dito Moesteiro andando por ssuas
e dizendo ho dito Priol que hora novamente o dito Roy Coelho
per sa outoridade em este anno que hora anda da era de mil
trezentos e noventa e dous annos ffora correr por si com seus
homeins e amigos aas ditas gelfas as ditas Egoas e Poldras e
as correra e enserrara e tomara ende e mandara ende thomar
/ 127 /
dellas tres Poldras e as ouvera em si. E o dito Roy Coelho dizia que verdade hera que el por si e com seus homens e
amigos fora aas ditas gelfas hu as ditas Egoas e Poldras andavam
e que correra e mandara correr as ditas egoas e poldras que nas ditas
gelfas andavam e que tomara as ditas poldras mais dizia que as correra e
tomara ende as ditas tres poldras porque
dizia que as ditas Egoas e poldras heram suas e havia em ellas
direito e tinha a posse dellas e outras muitas rezois que por cada huma
das ditas partes heram rezoadas e as ditas partes por
partirem dante si muitos preitos e demandas e perdas e damnos que se pellas ditas rezois se poderiam recrecer vieram aa tal
avença e amigavel compoziçom que ho dito Priol e o dito seu Moesteiro
hajam pera todo sempre a ameatade das ditas egoas
e poldras que hora nas ditas gelfas andam e que hi Deos der daqui em diante sem embargo nenhum e que outro si o dito Roy
Coelho e todos seus sucessores hajam pera todo sempre ha outra meatade
das ditas egoas e poldras que hora nas ditas gelfas andam e Deos hi der
daqui em diente e demais as sobreditas
partes quizeram e outorgaram que quando cada huma das ditas
partes por si ou por seus mandados certos e sucessores adiante quizerem
correr ou tomar as ditas egoas e poldras ou alguma
parte dellas que o fezecem saber ante aa outra parte e que a tomada e custa das ditas egoas e poldras foce de permeyo e acontecendo
que cada huma das ditas partes quizece correr e tomar
as ditas egoas e poldras ou parte dellas e a outra parte nom quizece alIo hir que a parte que as quizece correr e thomar que
vaa e corra e tome por tal giza que fique igualdade aa outra
parte doutro tanto que quando as quizer thomar que haja igualdade e entrega doutro tanto. E outro si as ditas partes quizeram e
outorgaram que se pella ventura em algum tempo algumas
pessoas quais quer ffaçam ou queiram fazer algumas demandas
pera haverem as ditas egoas e poldras ou parte dellas por qual
razam quer que seja que ambalas partes ou seus sucessores sse
pararem aas ditas demandas e as defendam aas custas dambalas partes e de permeyo e se algumas pessoas vencerem alguma
parte das ditas egoas e poldras que ho que vencerem que ho
aja tambem da huma parte come da outra, e de permeyo asi
como as ambalas partes partem e as ditas partes e cada huma
dellas prometerom a teer e a guardar estas coussas sobreditas e
a cada huma dellas e a nom hirem contra ellas em parte nem em todo so
pea de quinhentas libras de dinheiros portuguezes em
nome de pea que aquel que as nom tever nem guardar as peite
aaquel que as tever e aguardar a qual pea pagada ou nom todavia este
stromento estar em sa firmidom como de susso dito
he e pera esto o dito Roy Coelho por si e por todos seus sucessores obrigou todos seus beês movis e rais havidos e por haver
e o dito Priol por si e pello dito seu Moesteiro pera esta obrigou todos seus beês movís e rais e os do dito seu
Moesteiro
/ 128 / tambem movís come rais havudos e por haver e as ditas partes e
cada uma dellas pediram ao dito Affonço Domingues Juis que a esto
prezente estava que por sentença julgace e afirmace estas
coussas sobreditas e cada uma dellas e o dito Juis de prazer das ditas
partes asi o julgou como de susso dito
he conteudo: feito foi esto em Cabanões sinque dias de Dezembro era de mil e trezentos e noventa e dous annos testemunhas Joam
Martins Abbade do dito logo, Fernam Paes cavalleiro, Nicollaao Ramos do
Porto, Francisco Pires doVar, Bertollameu Affonço, e Martim Annes homens
do dito Priol, Gonçalo Pires vestiairo do dito Moesteiro e outros e eu
Francisco Annes taballiam de nosso Senhor EIRey no dito logo que a esto
prezente fui e por mandado e outorgamento e requerimento dos ditos Priol e
Roy Coelho este stromento e outro de tal theor escrevy pera cada huma
das ditas partes e aqui meu sinal fis que tal he // Lugar do sinal
publico // Pagou des soldos com seu registo» (Tombo do Mosteiro de Grijó,
III, fls. 94 v. a 96).
DIVERSAS PROPRIEDADES DE GRIJÓ
Pelos documentos anteriormente publicados, vê-se que era o mosteiro de
Grijó um dos que possuíam mais extensas propriedades no termo de Ovar. O cuidado que seus cónegos tiveram de lhes guardar o registo, se já
hoje não aproveita ao mosteiro, volveu-se para os investigadores de
antiguidades em preciosa colaboração. Percorrendo os livros agora
guardados no Arquivo Nacional, encontrei mais alguns elementos sobre
pessoas e lugares, de que vou dar sumária nota, por ordem cronológica,
porque podem ser úteis a quem se proponha fazer a monografia da vila de
Ovar, para a qual são apenas contributo estes «subsídios».
Ano de 1143
− «Uniscu menendiz» doa ao mosteiro metade duma herdade que
tinha ganhado com seu filho «Garsia pelaiz», «in uilla cabanones subtus
mons recarei discurrente riuulo Ouar territorio portugalensi», «et
sexta de ipsa uinea de illo auteiro».
− Era de 1181, mês de abril (Baio
Ferrado, fI. 28).
− «Gunsaluus pelaiz et uxor mea bona pelaiz»
doam ao mosteiro metade
«de hereditate quam habenus in uilla cabanones de parte auorum
parentumque nostrorum seu de gaantia». − Era de 1181, mês de maio (Baio
Ferrado, fI. 28 v.).
Ano de 1147.
− «Fernandus pelaiz» faz doação a Grijó «de omni illa mea
hereditate quam habeo in ouar et de mea parte illius ecclesie sancti
christofori de cabanoes». − Era de 1185, mês de abril (Baio Ferrado, fI. 24
v.).
− «Eluira pelaiz» faz idêntica doação, na mesma data (Baio
Ferrado, fI. 22).
Ano de 1240. − «Jullianus Juliani et
uxor mea Donna Sancia»
/ 129 / vendem a D. Pedro, prior de Grijó, a herdade que possuem «in terra
Sanctae Mariae in uilla quam uocitant Cabanões in loco qui dicitur Sandi», «et illam leiram quae uocatur de Bernalda
pro precio quod a uobis accepimus scilicet qúinque libras et dimidiam
denariorum portugalensis monete». − Era de 1278, mês de janeiro (Tombo
do Mosteiro de Grijó, I, fl. 261).
Ano de 1312.
−
«Eu Joham Vermois doVar conosco e confesso que deve aaver
ho Moesteiro de Grijoo do Moyo (moinho) doVar sinco soldos cada
anno e
de toda a vinha de so esse Moyo e da almoya e de toda essa cortia o dito
Joham Vermois
dice que era ende o quarto do dito Moesteiro». Feito o documento «na Eigreja de Cabanois», a 5 de setembro da era de 1350.
Entre as testemunhas, «Lourensi Annes Abbade da dita
Eigreja» (Tombo ref., I, fl. 235).
Ano de
1317. −
Gomes Peres escudeiro e sua mulher desistem duma demanda
que traziam com o mosteiro por bens herdados de Martim Rodrigues cavaleiro da Torre. Fala «no logar que chamam
Cortegassa, e no Logar que chamam Cabanães e no logar que chamam Ovar e
no Logar que chamam o cazal e gondezinde e a mamoa». −
Era de 1355, 3 de junho (Tombo
ref., I, fls. 237-239 v.).
Ano de 1324.
−
«Domingos Johanes dito cego vezinho de Cabanões emsembra
com mha mulher Maria Peres» fazem doação a Grijó «do nosso terreyo que
jas no cortinhal que trage o gago em sauia da villa de Cabanões». «Feita
foi esta carta em Cabanões na estrada», 9 de julho da era de 1362 (Tombo ref., I,
fl. 246).
Ano de 1327.
−
«Sentença porque consta que Martim Nogueira cavalleiro e
seu Irmão Gonçallo Gonçalves demandaram ao Mosteiro por huns serviços
que lhe tinha deixado Martim Rodrigues da Torre e o Mosteiro lhe largou
os de Ovar e de outros lugares». −
Era de 1365, a 30 de janeiro (Tombo ref., I,
fls. 235-237).
Ano de 1368. −
«Sentenças por onde forão condemnados Francisco Arrigo a
que pagace ao Mosteiro hum dia de geira cada anno porque trazia huma
herdade chamada a cortinha morta no Lugar da Arruela e outros três
homens a que tambem pagacem geiras na marinha do Mosteiro ou thomacem
as Egoas». Na referida herdade morava Stevam Caambres, e os três homens
chamavam-se Joam de Silvalde, Domingos de Parada e Christovo doVar. −
Era de 1406, a 2 de fevereiro (Tombo
ref., I, fls. 240-241).
−
«Sentença porque se mandou thirar humas tapaduras com que se empedião
as entradas e sahidas de dous cazais do Mosteiro no lugar da Arruela».
Foi o caso de Stevam Caambrees ter mandado «fazer hum emcortinhado»
para semear cebolas, tapando a entrada aos casais de outros foreiros do
mosteiro. −
Era de 1406, a 10 de fevereiro (Tombo
ref., I, fls. 241-242).
/ 130 /
Ano de 1444, a 14 de Maio.
−
«Sentença sobre as tapagens da Agra e Lavoura
de Cabanões em demanda que houve entre o vestiairo deste Mosteiro e hum
homem que trazia cazais delle. Julgouce que os ditos cazais e não a
pitansa focem obrigados às ditas tapagens». O homem era um tal Rodrigo
Ayres ou Ayrras e recusava-se a tapar com sebes terras do mosteiro e a
roçar os matos (Tombo ref., I, fls. 246-248).
Ano de 1458, a 15 de novembro.
−
«Sentença que o Mosteiro alcansou
contra o concelho de Cabanões pera que este fizesse tapar as herdades do
Mosteiro como antigamente se tapavão». Foi o caso de alguns moradores
de Cabanões mudarem as tapagens das terras do mosteiro, que antes eram
«per hu chamam a do Rebollo casi a redor», e as fazerem mais pequenas «per
hu chamam a correga que parte pella carreira como vai ataa Sande»,
deixando algumas terras de fora (Tombo ref., I, fls. 248-250 v.).
−
Sentença de el-rei D. Afonso V, da qual consta que o mosteiro de Grijó
tinha «na freiguezia de Cabanões quatorze casaais isentos e hum alfouve
de terra, e huma vinha e duas leiras de lavrar pam e hum chaão e na dita
freiguezia na aldea da Arruela tres cassaais isentos e em os ditos
cassaais avia pescadores que pagavam a nos (ao Rei) nossos direitos e
aviam de pagar de cada barca hum cambo de peixe ora trouxecem pouco
hora muito» (Tombo ref., I, fls. 374-379 v,).
Ano de 1598.
−
«Carta de rematação de
hum meyo cazal que rematou Diogo
Vallente por divida que Catharina Antonia devia ao Mosteiro e este o
thomou pera si tanto por tanto».
Este casal era «no lugar da Granja termo da vila doVar». −
Outra
semelhante, no mesmo lugar, por dívida de Isabel Fernandes (Tombo ref.,
I, fls. 250 v. −
260 v.).
Ano de 1634. −
«Sentença dada entre o Mosteiro e os cazeiros dos seos
cazaes de Ações sobre huns montados que elles tinhão tomado e os
lavravão sem delles pagarem foros e se
compozerão e o Mosteiro thomou posse daquellas tomadias»
(Tombo ref., I, fls. 261 v.-267 v.).
OVAR NOS SÉCULOS XII A XIV
Os elementos até agora reunidos permitem bosquejar, a
traços embora largos, o quadro da vida ovarense nos séculos XII a XIV.
A freguesia e o julgado chamam-se ainda de Cabanões, designação que só
no séc. XV começará a ser substituída pela
de Ovar. Tirante a redução da Gelfa, a área da freguesia corresponde à actual. Além da igreja paroquial, dedicada a S. Cristóvão (doc. de
1147), há, pelo menos, duas capelas: a de S. Donato,
cuja origem é licito atribuir aos primeiros séculos cristãos, e a
de S, Miguel, Conhecemos os nomes de dois abades: Lourenço
/ 131 /
Anes (doc. de 1299 e 1312) e João Martins (1354); menciona-se também um
Afonso Pires, capelão (1251). Veremos, porém, mais adiante, os
documentos que especialmente respeitam à igreja e à vida religiosa da
freguesia.
Dos juízes da terra, estão documentados os seguintes nomes: D. Bermudo
(1251), falecido antes de 1260; João Juiães, falecido cerca de 1257,
decerto aquele que, com sua mulher D. Sancha, vendeu propriedades a
Grijó em 1240; Pedro Domingues (1260); João Pires Leigado (antes de
1284), que fez uma marinha em Matelas; Estêvão Pires (1284), que ainda
vivia em 1292; Afonso Domingues (1354). Na inquirição de 1284,
mencionam-se três mordomos: Domingos Ferreiro, Pedro Martins e João Vermuiz (este ainda vivia em 1312); e um almoxarife: Tomé Fernandes.
Afora aquele D. Bermudo, só nos aparece um D. Tomé
(1284), um D. Nicolau e um D. Estêvão Furtado (1260). Os outros não usam
senhoria, e a repetição de muitos nomes entre os jurados de diversas
inquirições mostra a crise de «homens bons». Convém fixar os apelidos da
gente desta época, para os confrontar com os do Foral, no séc. XVI.
Certas minúcias, ao
parecer insignificantes, também servem para a história. Não
deixa de ser curioso saber-se, por exemplo, que na Arruela moravam
pescadores, e que lá se semeavam cebolas no séc. XIV, e que por esse
mesmo tempo havia em Ovar um moinho e uma vinha, e que na Gelfa pastavam
as éguas e poldras de Grijó...
Nos documentos deste período aparecem já os lugares mais importantes da
freguesia: Cabanões, Ovar, Sande, Ações, Granja de Ações, S. Donato,
Guilhovai, Arruela, Figueira, UIvar
(Olival ?), Furadouro.
Ao lado dos reguengos, há numerosas propriedades eclesiásticas e de
ordens religiosas: os bispos do Porto têm o couto de S. Donato, com a
capela e vários casais; Grijó é grande
proprietário de casais; campos e marinhas; a Ordem do Hospital
e a de Avis, o mosteiro de Pedroso e o de S. João de Tarouca marcam
também a sua presença. Outros se fariam representar: sabemos, por
exemplo, que João Guilherme, cónego da Sé de Coimbra, em princípios do
séc. XIV legou ao cabido conimbricense uma herdade «in cabanões e en
ouar», com a obrigação dum aniversário em dia de Santa Maria de Março
(Livro das
Calendas, «VI cal. decembris»).
Temos ainda as quintas honradas por pessoas nobres ou ricas: a quinta de
Guilhovai, adquirida por Fernão Fernandes Cogominho e sua mulher D.
Joana Dias, a qual, junta às de Pereira Jusã e S. Vicente de Pereira,
veio a dar origem ao concelho de Pereira Jusã, como se verá em outro
estudo; a quinta do Paço, pertencente a Fernão Gonçalves e a Rui
Gonçalves Bifardel; a quinta da Arruela, de Rodrigo Afonso da Torre, cavaleiro, talvez residente em Esmoriz. Algumas propriedades
pagam foros a fidalgos de Dagarei (Válega) e de Tonce (Loureiro).
/ 132 / O povo a custo suporta ver-se na
dependência de cavaleiros e
homens poderosos; prefere pagar os costumados foros ao mordomo de
el-rei.
As marinhas parecem estender-se desde perto da capela de S. Miguel para
sul e poente até à Ria. Alguns topónimos dificilmente se poderão hoje
identificar: onde ficariam as marinhas de Longara, Vermuim, Talhadoiro,
Toussa, Ermelo e Sapa? Esta última pertenceu a Pedroso e era
privilegiada por haver sido de Paio Airas; origem deste privilégio? Há
em Válega, perto da Ria, uns pinhais ainda chamados de Matelas; herdaram
talvez o nome das marinhas de João Pires Leigado e do mosteiro de
Tarouca.
Os documentos especificam os foros das marinhas e os direitos de
pescado, e aludem também à caça de coelhos.
A inquirição de 1260 cita os sucessivos donatários da Terra de Cabanões:
rainha D. Mafalda, D. Martinho Afonso e Nuno Peres; a de 1284 diz que
«essa terra anda de rico-homem por 200 libras»; não sei bem o que deva
compreender-se na posse dos primeiros e no contrato do último.
Na inquirição de 1284 vem, enfim, um pormenor importantíssimo, relativo
a Ovar: o dos cabaneiros que dão «por Razom
das casaryas» cinco soldos cada ano a el-rei. Temos aqui nada menos que
a origem do núcleo urbano de Ovar. A essas «casaryas» do séc. XIII
foram-se juntando muitas outras, de modo que no séc. XVI já nos aparece
no Foral um «titollo dos portados das casas douar», com a designação
dos respectivos possuidores. Os cinco «soldos» de 1284 encontram-se em
1514 traduzidos
em «reais»
−
geralmente 9 ou múltiplo de 9: 18, 27, 36. E lá vêm também no
Foral as nossas conhecidas vinhas e alfobres e cebolas, e até o moinho
de João Vermuiz...
Para que não reste dúvida de que o direito dos portados, sucessor do das
casarias, incidia apenas no núcleo urbano da vila, temos no Tombo da
Casa da Feira a «Sentença dos Portados da vila de Ovar», grosso volume em que se mencionam
e descrevem todas as casas existentes em 1768, com os nomes dos seus
moradores, medição da frente, número de janelas e andares, e foro,
devidamente actualizado, que são obrigadas a pagar. Ovar tinha então
1762 casas, quase todas térreas. A Sentença dos Portados é, para o séc.
XVIII, o mais minucioso roteiro da vila, que se podia desejar ou
imaginar.
As Inquirições, o Foral e o Tombo da Casa da Feira dão-nos, pois, três
panoramas da terra ovarense, distanciados uns dos outros pouco mais de
200 anos. Vimos agora o primeiro que, por mais antigo, é naturalmente o
menos nítido.
Padre MIGUEL
A. DE OLIVEIRA
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