O conceito de
teoria, como tem vindo a ser exposto, já reflecte uma ascese
unificadora do ser humano, enquanto ser vivo dotado de inteligência
e sentimento, procurando, em linguagem teilhardiana, «convergir para
um ponto de encontro do Universo» (Patrício, 1981, 30) – «o
único ponto verdadeiramente Ómega» (Teilhard Chardin).
A realização da «plenificação da Pessoa» (op. cit., 31)
exige, continuando no registo teilhardiano, que se preserve a
identidade de «todas as Consciências, permanecendo cada uma destas
consciente de si própria no termo da operação – e até, o que é
preciso bem entender, tornando-se cada uma tanto mais ela própria, e
portanto mais distinta das outras, quanto mais destas se aproxima em
Ómega» (Teilhard de Chardin).
A visão cósmica de Teilhard de Chardin procura «recolher o
crescimento irreversível da unidade na complexidade» (Leclercq,
1998, 444). O motor essencial do seu pensamento cosmológico poderá
ser sintetizado na «lei de complexidade-consciência, a convergência
ascendente em que a união diferencia» (Leclercq, 1998, 444. O
itálico corresponde a uma expressão do próprio Teilhard).
A filosofia é um
trabalho penoso, juntando embora o castigo do tripalium à
participação no acto criador pelo nosso work, cuja enERGia
provém do étimo indo-europeu werg. Na ascese para o Uno,
elabora sínteses adequadas a cada nível da realidade como esta é
apreendida, atendendo à compreensão e extensão dos
conceitos. É muito importante ser consciente da “precaridade” de uma
teoria – de outro modo cai-se no dogmatismo e na paralisação da
criatividade de cada pessoa. Este perigo é tanto maior quanto mais
uma teoria se apresenta escorada por “autoridades” reconhecidas,
acriticamente em voga no próprio meio científico.
O objecto
material da educação e a peculiaridade do processo educativo,
mormente se consideramos a educação in actu exercito, apontam
para a não inclusão da teoria educacional numa teoria estritamente
científica. Relembre-se, a propósito, o bom senso e perspicácia de
Aristóteles sobre o conceito de “exactidão” adequada a uma área de
saber como a de educação (Ética a Nicómaco, 1094b). O factor
de predição, no campo de saber em que nos movemos, é necessariamente
muito probabilístico, justamente na medida em que entra no “jogo” a
liberdade da pessoa humana. Portanto, quanto maior riqueza humana
for abarcada por uma teoria, menos predictiva esta será. O que não
põe em causa o valor do concurso de ciências mais ou menos afins ao
nosso tema, como a Biologia, Sociologia, Psicologia, etc.
Com estas
premissas, parece poder-se delinear o que cumpriria a uma teoria da
educação:
1)
Proceder ao reconhecimento de tudo o que possa ser
considerado como pertencente ao conjunto do fenómeno educativo.
Obteríamos uma teoria sistemática de tipo cartesiano, capaz de
facilitar uma visão panorâmica desse processo; concomitantemente,
proceder-se-ia a um levantamento cuidadoso dos conceitos chave e
elementos definitórios, a poderem ser utilizados fiavelmente pelos
estudiosos.
2)
Explicar a relação entre os fenómenos integradores do
conceito geral de fenómeno educativo.
3)
Explicar os processos da alteração de comportamentos visada
pelo processo educativo em geral e por alguns objectivos
considerados de primeira importância, estabelecendo hipóteses de
causa-efeito. Para tanto é necessário o concurso das várias ciências
auxiliares da educação.
4)
Implicar ou induzir um hábito filosófico de
complicação/explicação, questionante do porquê e para quê desse
estudo. Aqui nos acercamos do problema do Homem no Mundo, na sua
dimensão antropológica e cosmológica.
5)
Discernir as implicações deontológicas de toda a acção dentro
do processo educativo. Não apenas a deontologia profissional, mas
também a deontologia da acção humana como tal, que não pode ignorar
(podendo até perverter) o universo dos valores.
6)
Implicar e induzir um hábito filosófico de admiração e
atenção às “surpresas” que surgem do horizonte possível do ser
humano.
7)
Ponderar a adequação dos conceitos e nexos causais à
dignidade da pessoa humana (livre, contingente, em mutação contínua,
sujeito de um desejo nunca satisfeito, e sempre um “fim” em si
própria, concretização do valor supremo).
8)
Ser exemplo de consciência educacional, no sentido radical de
cum-scientia ou saber partilhado (“comum”). Consciência que é
a origem da verificação, organização e síntese, da inextricável
relação sujeito-objecto, da vida psíquica como unidade.
9)
Revelar consciência do dinamismo do próprio conceito de
teoria, do que se dará exemplo nas páginas seguintes.
A filosofia da
educação intricar-se-ia assim com a teoria do processo de
desvelamento das potencialidades do ánthropos, que, no
processo educativo, assume a forma de “construção” (Bildung)
do «homem educado» ou de actualização do telos próprio do ser
humano, a que se dirige o seu desejo profundo.
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