Manuel Alte da Veiga, Um critério para a Educação?, Braga, 2004.


7 – Preparando uma síntese final

 

O conceito de teoria, como tem vindo a ser exposto, já reflecte uma ascese unificadora do ser humano, enquanto ser vivo dotado de inteligência e sentimento, procurando, em linguagem teilhardiana, «convergir para um ponto de encontro do Universo» (Patrício, 1981, 30) – «o único ponto verdadeiramente Ómega» (Teilhard Chardin)[1]. A realização da «plenificação da Pessoa» (op. cit., 31) exige, continuando no registo teilhardiano, que se preserve a identidade de «todas as Consciências, permanecendo cada uma destas consciente de si própria no termo da operação – e até, o que é preciso bem entender, tornando-se cada uma tanto mais ela própria, e portanto mais distinta das outras, quanto mais destas se aproxima em Ómega» (Teilhard de Chardin)[2]. A visão cósmica de Teilhard de Chardin procura «recolher o crescimento irreversível da unidade na complexidade» (Leclercq, 1998, 444). O motor essencial do seu pensamento cosmológico poderá ser sintetizado na «lei de complexidade-consciência, a convergência ascendente em que a união diferencia» (Leclercq, 1998, 444. O itálico corresponde a uma expressão do próprio Teilhard).

A filosofia é um trabalho penoso, juntando embora o castigo do tripalium à participação no acto criador pelo nosso work, cuja enERGia provém do étimo indo-europeu werg. Na ascese para o Uno, elabora sínteses adequadas a cada nível da realidade como esta é apreendida, atendendo à compreensão e extensão dos conceitos. É muito importante ser consciente da “precaridade” de uma teoria – de outro modo cai-se no dogmatismo e na paralisação da criatividade de cada pessoa. Este perigo é tanto maior quanto mais uma teoria se apresenta escorada por “autoridades” reconhecidas, acriticamente em voga no próprio meio científico.

O objecto material da educação e a peculiaridade do processo educativo, mormente se consideramos a educação in actu exercito, apontam para a não inclusão da teoria educacional numa teoria estritamente científica. Relembre-se, a propósito, o bom senso e perspicácia de Aristóteles sobre o conceito de “exactidão” adequada a uma área de saber como a de educação (Ética a Nicómaco, 1094b). O factor de predição, no campo de saber em que nos movemos, é necessariamente muito probabilístico, justamente na medida em que entra no “jogo” a liberdade da pessoa humana. Portanto, quanto maior riqueza humana for abarcada por uma teoria, menos predictiva esta será. O que não põe em causa o valor do concurso de ciências mais ou menos afins ao nosso tema, como a Biologia, Sociologia, Psicologia, etc.

Com estas premissas, parece poder-se delinear o que cumpriria a uma teoria da educação:

1)     Proceder ao reconhecimento de tudo o que possa ser considerado como pertencente ao conjunto do fenómeno educativo. Obteríamos uma teoria sistemática de tipo cartesiano, capaz de facilitar uma visão panorâmica desse processo; concomitantemente, proceder-se-ia a um levantamento cuidadoso dos conceitos chave e elementos definitórios, a poderem ser utilizados fiavelmente pelos estudiosos.

2)     Explicar a relação entre os fenómenos integradores do conceito geral de fenómeno educativo.

3)     Explicar os processos da alteração de comportamentos visada pelo processo educativo em geral e por alguns objectivos considerados de primeira importância, estabelecendo hipóteses de causa-efeito. Para tanto é necessário o concurso das várias ciências auxiliares da educação.

4)     Implicar ou induzir um hábito filosófico de complicação/explicação, questionante do porquê e para quê desse estudo. Aqui nos acercamos do problema do Homem no Mundo, na sua dimensão antropológica e cosmológica.

5)     Discernir as implicações deontológicas de toda a acção dentro do processo educativo. Não apenas a deontologia profissional, mas também a deontologia da acção humana como tal, que não pode ignorar (podendo até perverter) o universo dos valores.

6)     Implicar e induzir um hábito filosófico de admiração e atenção às “surpresas” que surgem do horizonte possível do ser humano.

7)     Ponderar a adequação dos conceitos e nexos causais à dignidade da pessoa humana (livre, contingente, em mutação contínua, sujeito de um desejo nunca satisfeito, e sempre um “fim” em si própria, concretização do valor supremo).

8)     Ser exemplo de consciência educacional, no sentido radical de cum-scientia ou saber partilhado (“comum”). Consciência que é a origem da verificação, organização e síntese, da inextricável relação sujeito-objecto, da vida psíquica como unidade.

9)     Revelar consciência do dinamismo do próprio conceito de teoria, do que se dará exemplo nas páginas seguintes. 

 

A filosofia da educação intricar-se-ia assim com a teoria do processo de desvelamento das potencialidades do ánthropos, que, no processo educativo, assume a forma de “construção” (Bildung) do «homem educado» ou de actualização do telos próprio do ser humano, a que se dirige o seu desejo profundo.

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[1] Chardin, Th. De (1996). La Place de l’Homme dans la Nature (p. 165). Paris : Éd. Du Seuil. Citado em Patrício (1981,  30)

[2] Chardin, Th. De (1970). O Fenómeno Humano (p. 285). Porto: Livraria Tavares Martins. Citado  em Patrício (1981, 30).
 


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