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Pensar Aveiro... - II

(Onde se fala num Porto de Aveiro projectado para o Canal de São Roque…)

A primeira referência de que tive notícia quanto ao projecto de implantação do PORTO DE AVEIRO, de pesca e de comércio, a norte do Canal de São Roque, nas antigas marinhas de sal que constituíam o Quinhão de São Roque, como as gentes da nossa Beira-Mar tradicionalmente lhes chamavam, foi num livro contendo o “Relatório, Teses e Votos” de O III CONGRESSO REGIONAL DAS BEIRAS, (CONGRESSO DE AVEIRO), que eu comprei há anos num alfarrabista do Porto. É o repositório de tudo quanto se passou nesse Congresso, realizado na nossa cidade, de 13 a 16 de Maio de 1928. A sua cuidadosa organização ficou a dever-se ao saudoso Dr. Francisco Ferreira Neves, professor do então chamado Liceu Central de Aveiro, e, na ocasião, competentíssimo Secretário-Geral do mesmo Congresso. O comandante Silvério Ribeiro da Rocha e Cunha, à data capitão do porto de Aveiro, proferiu, nesse congresso, uma conferência intitulada O PORTO DE AVEIRO, com “um estudo profundo da história, evolução e possibilidades deste porto, e indicando, por meio de projecções luminosas, as obras projectadas para a formação de um bom porto de pesca e comércio”. Começou por definir a função local e regional do porto de Aveiro, afirmando que “a função regional liga o porto à capacidade de produção e de consumo da zona interior; a industrial liga-o à actividade e organização da indústria local e às facilidades de distribuição de que goza por via marítima e terrestre; a função comercial depende principalmente da situação geográfica e marítima. A função regional dum porto leva-nos a considerar a determinação da sua zona de influência; embora o condicionalismo geográfico tenha muita importância, essa zona não se pode considerar como uma expressão geográfica, mas sim num sentido mais amplo, como uma expressão económica, em que intervêm o valor das forças produtoras e das comunicações ferroviárias e fluviais”. Faz, depois um breve resumo histórico, de que mencionamos só os factos mais significativos, ligando o devir de Aveiro com a sorte do seu porto.

 “Até ao século X, quando ainda não existia a laguna aveirense, as populações que a colonização romana estabelecera nos territórios do baixo Vouga, utilizavam para as suas comunicações marítimas a foz do estuário em que desaguavam o Vouga, o Águeda e o Cértima”.

 Depois, e por força dos fenómenos que levaram à formação da Ria, surgiram fundeadouros favoráveis ao movimento marítimo. A formação do cordão litoral criou um porto lagunar amplo que garantiu a exploração da pesca lagunar e atlântica e o estabelecimento do comércio marítimo.

 No século XVI, Aveiro tinha cerca de 14.000 habitantes e com uma forte presença estrangeira. A indústria do sal, principalmente, era o suporte de uma frota mercantil de 150 barcos. E para a pesca do bacalhau na Terra Nova armavam-se localmente 60 navios. Acrescia para a importância do porto a frequência de muitos navios de bandeira francesa, inglesa e holandesa, que transportavam ferro, aduela, madeiras, chumbo, tecidos, esparto, papel, linho, breu, pólvora, vidro, etc., tudo importação para consumo local e regional. A exportação era constituída principalmente por sal, peixe salgado e bacalhau.”/…/A função comercial do porto manteve-se em plena prosperidade até aos princípios do século XVII.

 A partir de 1600 começa a decadência /…/. A extensão do cordão litoral para o sul do cabedelo da Gafanha estreitou a barra, diminuiu os fundos /…/. O acesso à navegação tornou-se cada vez mais difícil; a falta de marés salgadas no interior da laguna aniquilou a indústria salineira, e a indústria da pesca ficou restringida às águas interiores, perdendo o contacto com o mar; os armamentos para a Terra Nova decaíram rapidamente, e o mesmo sucedeu ao armamento comercial.

 /…/ No princípio do século XIX a cidade de Aveiro estava reduzida a 900 fogos, com cerca de 3.000 habitantes /…/. De 1756 até 1802 /…/ foram impostos à população empobrecida duros sacrifícios para custear estudos, planos e obras, destinados à abertura duma nova barra. Sucedem-se, sem resultados positivos, os trabalhos dos engenheiros Mardel, Polchet, Rêgo, Allincourt, Elsden, Cabral, Isepi, Valleré. Os poderes públicos chegaram a considerar para sempre perdida a cidade e toda a região lagunar.

 Em 1801, a miséria geral era tão aflitiva que se tornou necessária mais uma vez a intervenção do Estado. O ministro de D. João VI, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, encarregou dois notáveis engenheiros, Reinaldo Oudinot e Luís Gomes de Carvalho, de elaborar o projecto das obras a realizar para salvar a região de Aveiro. Os seus estudos tiveram princípio em Janeiro de 1802, e poucos meses decorridos apresentaram os seus projectos em separado, sendo preferido o de Luís Gomes.

 /…/ Luís Gomes escolheu para abrir a barra nova o local em que, em 1500, se abria a barra à qual a laguna e Aveiro deveram a sua maior prosperidade /…/. Para tal fim, de 1802 a 1808, construiu um dique com a extensão de 1.210 braças. /…/ Aproveitando habilmente a grande cheia de Abril de 1808, /…/ Luís Gomes conseguiu cortar o cordão litoral às 7 horas da tarde do dia 3 desse mês, e três dias depois estava aberta uma barra com 6 metros de profundidade e 264 metros de largura. Em 1812 esta barra tinha a profundidade de 15 pés no baixa-mar e 26 pés no preamar de águas vivas.”

Tínhamos finalmente de novo a barra de Aveiro aberta no sítio em que hoje a conhecemos. Quase se poderá dizer que Luís Gomes de Carvalho é o segundo pai da nossa cidade. E, no entanto, a ingratidão falou mais alto, como poderemos ver em próximo escrito, no qual continuaremos a respigar da comunicação do saudoso Comandante Rocha e Cunha, feita no III Congresso Regional das Beiras, em 1928.   >>>
 

Gaspar Albino,  12 de Novembro de 2006

 

04-05-2018