H. de Campos F. Lima, Pessoas e factos de outros tempos, vol. XII, pp. 209-212

A PROPÓSITO DO ARTIGO

«PESSOAS E FACTOS DE OUTROS TEMPOS»

LEMOS, com o maior interesse, no último número do Arquivo do Distrito de Aveiro, o artigo que, com o título Pessoas e factos de outros tempos, nele inseriu o sr. JORGE MANUEL COUCEIRO DA COSTA.

Há nesse artigo dois períodos que chamaram a nossa atenção.

Aqui os transcrevemos: «Em política foi (Francisco Manuel Couceiro da Costa) intransigente miguelista. Muito novo, acompanhou seu pai, o sr. Luís Estêvão da Costa, tenente-coronel de Voluntários realistas de Aveiro, nas lutas pele Liberdade, tomando parte em algumas acções feridas entre absolutistas e constitucionais, às ordens do marechal de campo José Cardoso de Carvalho, barão do Pico do Celeiro».

Na parte final verifica-se um lapso: José Cardoso de Carvalho nunca foi barão do Pico do Celeiro. Quem teve este título foi José António da Silva Torres, que, igualmente foi agraciado com o de Visconde da Serra do Pilar, em atenção à heróica defesa dessa importante posição contra os miguelistas.

Não podem confundir-se os dois personagens: o primeiro era miguelista, o segundo pertencia aos constitucionais.

Como no Arquivo Histórico Militar existem alguns curiosos documentos a respeito destes três personagens, para aqui os trasladamos acedendo, muito gostosamente, à amável solicitação do nosso amigo ROCHA MADAHIL, para escrever «uma notazinha que enchesse uma página (ou mais se o assunto desse)», segundo as suas próprias palavras em cartão postal, que se dignou dirigir-nos em 16 do corrente mês de Ouubro.

Começaremos por Luís Estêvão Couceiro da Costa, que, segundo os mencionados documentos, nasceu em Paço de Arcos por 1794. / 210 /

Eis as datas das suas promoções: a cadete, para o Regimento de Cavalaria n.º 11, em 10 de Junho de 1811; a alferes, para o mesmo regimento, a 10 de Julho de 1813; a tenente, para o corpo de cavalaria da Divisão de Voluntários Reais de El-Rei, em 1816. Foi demitido, pelo requerer, em Janeiro de 1817.

Passou, neste posto para a Companhia de Veteranos de Valença em 27 de Novembro de 1821 e foi transferido para a La Companhia de Veteranos do Partido do Porto em 28 de Janeiro de 1826.

Tomou parte nas campanhas da Guerra Peninsular durante três anos. Foi tenente-coronel do Batalhão de Voluntários Realistas de Aveiro.

Em 1832, em seguimento de uma devassa que lhe foi feita pelo Juiz de Fora desta, então, vila, foi, apesar de ser muito realista e ter sido uma das pessoas que os rebeldes (constitucionais) meteram num navio que pretendiam abandonar, submetido a um Conselho de Guerra.

Num documento protesta contra as calúnias propaladas pelos inimigos que lhe tem grangeado o seu génio forte.

No Arquivo Histórico Militar guarda-se um curioso documento, em que Francisco Manuel Couceiro da Costa, pai de de Luís Estêvão Couceiro da Costa, pede ao Marechal Beresford que não aceite o oferecimento de seu filho para ir para Montevideu, servir na Divisão de Voluntários Reais de El-Rei.

Aqui damos a cópia desse documento:

                                ILL.mo Ex.mo Snr.

Vou a prezensa de V. E.ª a Rogar lhe que queira expor ao ILL.mo Ex.mo Snr. Marchal Marquez de Campo Maior o que vou narrar.

Meu Filho chamado Luiz Estevão Couceiro da Costa Alferes do Regimento de Cav.ª n.º 11 talvez que induzido por alguns camaradas deo o seu nome ao seu Comandante p.ª o por na rellação dos que Voluntariam.te se ofressem p.ª hir p.ª America sem mais me partecipar anteriorm.te, porem como em toda a parte tem a onrra de servir a S. A. R. p.ª mim e para a minha caza vem a rezultar huã grande tortura por quanto o meu filho primogenito que he T.e Coronel de Milicias do Regimento desta Cid.e he cazado a m.tos annos sem sucessão, este he o seu emediatd suceçor, e não me resta mais nenhum era me nessessario ver se proquro algum estabaiecimento p.ª este em quanto D.s me concerva a Vida.

Os meus dezejos são que elle seja util ao serviço de S. A. R. porem como são m.tos os que se ofresserão, espero que V. Ex.ª se interesse p.ª que elle não seja dos escolhidos p.ª esta deligencia por cujo mutivo renovarei os meus respeitos como

De V. Exª
Subdito C.º Vend.or e Obg.do
Francisco Manoel Couceiro da Costa.

Aveiro 2 de Junho de 1815


/ 211 /

Por este documento se demonstra que o major Francisco Manuel Couceiro da Costa era pai do alferes Luís Estêvão Couceiro da Costa, ao contrário do que diz o articulista.

No Arquivo Histórico Militar existe uma carta, daquele oficial, datada de Évora em 15 de Novembro de 1807,dirigida ao Barão de Carové, em que «toma a liberd.e de lhe dizer que já por eu me não sentir capaz de continuar o serviço activo de cav.ª, e ao mesmo tempo não ter dezejos de deixar de todo o Real Serviço pedi alguns governos, suprevivendas, ou ainda o ser agregado a elles, pois a outros se tem concedido; mas talves o meu pouco merecimento prevaleça ao meu dilatado tempo de serviço, e ao meu grande atrazamento; e nestes termos não devendo eu estar ocupando hum posto no qual não posso como dezejo comprir com as m.as obrigaçoens, q.do o deve estar por official mais benemerito, requeiro a minha reforma na conformide da Lei, pois tanto por sincoenta e hum annos de serviço como pella m.ª idade, e molestias me persuado, que a mereso».

Deste documento se conclui que este Francisco Manuel Couceiro da Costa(1), tendo, em 1807, cinquenta e dois anos de serviço, não podia, na época das lutas liberais, ter prestado quaisquer serviços, nem viver ainda, como afirma o articulista, até 1913, mesmo com noventa e dois anos de idade, o que lhe daria para nascimento o ano de 1820, quando deve ter nascido por 1745.

O que deve ser, para estar certo o que afirma o sr. COU'CEIRO DA COSTA, é que tivesse havido outro Francisco Manuel Couceiro da Costa, filho de Luís Estêvão Couceiro da Costa, acerca do qual aqui não encontramos quaisquer documentos.

A respeito de José Cardoso de Carvalho, cuja filiação, naturalidade e outros elementos biográficos não conseguimos obter, sabemos que foi tenente do Regimento de Infantaria n.º 6; capitão da 2.ª Companhia do mesmo, segundo a portaria de 25 de Novembro de 1812; major graduado em combate; maior do Regimento de Infantaria n.º i8 e tenente-coronel do Regimento de Infantaria n.º 6. Desconhecemos as datas das suas diversas promoções. / 212 /

No Arquivo Histórico Militar guarda-se um atestado que, em 4 de Junho de 1824, lhe foi passado por Manuel Pamplona Correia Rangel, marechal de campo e Governador das Armas do Porto, que é assim concebido:

Regimento de Infantaria n.º 6

Informação

Tenente-Coronel de Infantaria n.º 6 Joze Cardoso de Carvalho, era Major do Regimento de Infantaria n.º 18 no infausto dia 24 de Agosto de 1820, duvidou reunir-se ao Regimento naquella madrugada, porem por fim reunio-se com repugnancia; foi por sua anteguidade promovido a Tenente Coronel do Regimento de Infantaria n.º 9, porem reconhecendo o intruso Governo a ma vontade com que aquelle Official servio e que tinha no dia 24 de Agosto mostrado do modo que lhe foi possivel, sentimentos Realistas, inteiramente oppostos aos que elles desejavão, o reformarão, não tendo mais que trinta e tantos annos, e sendo m to são e robusto; Conservou-se em sua casa, mostrando sempre o mesmo bom caracter; e pouco depois que o Marquez de Chaves, então Conde de Amarante, aclamou a S. Magestade restituido aos seus inauferiveis Direitos, foi mandado pelo Governador das Armas deste Partido sahir d'esta Cidade dentro em algumas horas, o que verificou, retirando-se para huma Quinta, e recolhendo se a esta Cidade logo que os felizes Successos do dia 4 de Junho proximo passado(2), lhe forão conhecidos: Foi depois promovido a Tenente Coronel do Regimento de Infantaria n.º 21 e teve passagem no mesmo Posto para o Regimento de Infantaria n.º 6, talvez porque eu por varias vezes assim o pedi, reconhecendo n'elle Sentimentos Realistas, e intimamente anticonstitucionais; porem no dia 4 de Maio proximo passado mostrou m.ta alegria, e mesmo entusiasmo pelos acontecimentos do dia 30 de Abril(3) nessa Corte, instando para que eu mandasse fazer Parada Geral; o que eu estou inclinado a acreditar, que foi tão somente por falta de comprehensão, e não entrou no verdadeiro espírito da Proclamação aos Soldados e mais papeis feitos em nome do Snr. Infante, pois não tenho motivo para acreditar que elle fosse complicado nos Successos daquelle dia. A sua conduta Militar tem sido boa, e sendo Capitão foi graduado em Major pelo seu valor em Combate.

Quartel General do Porto 4 de Junho de 1824

Manoel Pamplona Carneiro Rangel
M. de C. e G. das A. do P. do Porto


Finalmente trataremos do tenente-coronel José António da Silva Torres, natural de Santarém, onde nasceu em 17 de Março de 1774.

Aqui ficam as datas das suas promoções: a cadete de cavalaria em 9 de Abril de 1800; a alferes em 15 de Agosto de 1805; a tenente ajudante em 13 de Janeiro de 1809; a capitão em 11 de Abril de 1810; a major em 4 de Maio de 1814; a tenente-coronel em 24 de Junho de 1820; a coronel em 22 de / 213 / Junho de 1821; a brigadeiro em data desconhecida; a marechal de campo graduado e efectivo, respectivamente, em 5 de Setembro de 1837 e 2 de Julho de 1845 e a tenente-general em 3 de Julho de 1845.

Fez a Campanha da Guerra Peninsular de 1809 a 8 de Fevereiro de 1814, entrando nas batalhas de Albuera, Salamanca, Vitória e Pamplona e nas acções de Campo Maior, Uzága e Los Santos.

Recebeu as medalhas espanholas de Albuera e Vitória e a cruz de condecoração da Guerra Guerra Peninsular com o algarismo n.º 4.

Durante as lutas liberais tomou parte na revolução liberal do Porto de 1828; nos combates da Cruz dos Morouços, Marnel e Ponte do Vouga; na batalha do Pico do Celeiro; no cerco do Porto; nas acções de Ponte Ferreira e de Souto Redondo; na defesa da Serra do Pilar; nos combates de Santo Tirso e da Lixa e na tomada de Amarante.

Era Fidalgo da Casa Real, Conselheiro, oficial da Ordem da Torre e Espada e foi, tenente-rei da Torre de Belém.

No cemitério de Santarém, na sua sepultura, lê-se a seguinte inscrição(4):

AO HEROICO TENENTE GENERAL
JOZE ANTONIO DA SILVA TORRES
1º BARÃO DO PICO  DO CELLEIRO
1.º ViSCONDE DA SERRA DO PiLAR
OS    LIBERAES    RECONHECIDOS
NASCEU EM SANTAREM A 17 DE MARÇO
DE 1774(5)
E FALLECEU NA MESMA CIDADE A 4(6) DE SETEMBRO
DE 1848 TRASLADADO(7) EM 8 DE JULHO DE 1876

Aqui terminam os apontamentos que reunimos a propósito do artigo do sr. COUCEIRO DA COSTA.

HENRIQUE DE CAMPOS FERREIRA LIMA
Coronel de Artilharia
Director do Arquivo Histórico Militar

HENRIQUE DE CAMPOS FERREIRA LIMA

_________________________________________

(1) Dos documentos do Arquivo Histórico Militar constam as datas das suas promoções: praça de soldado em 29 de Dezembro de 1756, a cadete em 10 de Dezembro de 1759, a capitão em 5 de Agosto de 1762, a major graduado em 22 de Outubro de 1793 e a major efectivo em 13 de Maio de 1802, contando a antiguidade de 11 de Janeiro de 1790.

Nos mesmos aparece, no mesmo Regimento de Cavalaria de Évora e na mesma companhia, um António Couceiro da Costa, possivelmente irmão do anterior, que sentou praça em 13 de Julho de 1764 e foi sucessivamente promovido: a cadete em 9 de Agosto de 1764, a alferes em 27 de Junho de 1777 e a tenente em 13 de Maio de 1780 e deve ter nascido por 1750.

(2) Alude à Vilafrancada. 

(3) − Alude à Abrilada.

(4) Foi O sr. capitão Nunes Beja quem nos deu conhecimento desta inscrição.

(5) Não sabemos se esta data está exacta, pois, segundo documentos do Arquivo Histórico Militar, devia ter nascido por 1776.  

(6) Deve ser 6 segundo documentos do mesmo arquivo.

(7) Aquele ilustre oficial diz-nos ignorar onde estariam estes restos mortais antes da sua trasladação.

 

Página anterior

Índice

Página seguinte