António
Quadros, F. P., Vida,
Personalidade e Génio, pp. 78-79.
O
MODERNISMO POR ANTÓNIO QUADROS
É-nos
difícil, hoje, termos uma noção exacta do que o Orpheu
representou. Talvez que o mais fiel documento desse período
seja o artigo de evocação que o fino e inteligente
humorista que foi Augusto Cunha, amigo de Mário de Sá-Carneiro
e cunhado de António Ferro, escreveu para a revista Atlântico,
em introdução à sua página «Um serão paulista»
(contemporânea aliás ao lançamento do paulismo). Vale a
pena transcrever ao menos um excerto.
As
mais audaciosas e estranhas produções, umas
propositadamente
excessivas na forma e no conceito, outras premeditadamente
exageradas no seu destrambelhamento, preconcebidamente
irritantes e ofensivas da rotina e dos cânones literários
então correntes, nasceram desse movimento irreverente e
iconoclástico que perturbou a tranquilidade até aí
gozada na pacifica pacatez do nosso meio literário,
irritou os críticos e provocou a indignação do grande público,
habituado ao lirismo ingénuo e calmo e ao romantismo dos
folhetins.
Com
Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, constituíam os
mais assíduos elementos do grupo: Luís de Montalvor,
Pedro de Meneses, Almada Negreiros, José Pacheco e António
Ferro, que foi o editor do «Orpheu», apesar dos seus
19 anos - idade em que legalmente o não podia ser.
Por
vezes, no «Martinho», apareciam também Santa Rita
Pintor, chegado havia pouco de Paris e de quem se contavam
as mais estranhas blagues, as mais sensacionais boutades,
os mais espirituosos ditos.
Já
a sua figura, no meio apagado e morno do café, fazia
sensação. O seu ar fúnebre emergindo do fato preto, a
sua figura esguia e angulosa, o colarinho muito largo e
direito, meio coberto por um laço também preto, o chapéu
negro enterrado na cabeça rapada à navalha, o próprio
galgo hierático, que o acompanhava e ficava em atitude
submissa junto da mesa onde ele se concentrava a encher
largas tiras de papel, davam-lhe um aspecto estranho,
quase irreal, naquele ambiente banalíssimo e burguesmente
pacato do café.
A
ideia de uma revista literária de novos moldes e novos
ritmos, no propósito de «formar, em grupo ou ideias,
um número escolhido de revelações em pensamento ou
arte», partira de Luís Montalvor e de Ronald de
Carvalho que no Brasil tinham projectado criar uma publicação
- «Orpheu» - destinada a provocar uma renovação do
gosto e a reunir novos desejos e características de arte
e de beleza.
O
primeiro número da revista, em cuja introdução
Montalvor explicava os propósitos e intenções de «Orpheu»,
foi, para o grande público, a ruidosa e sensacional
revelação da nova escola literária.
O
poema «Os Pauis», de Fernando Pessoa, dera ao movimento
o nome de guerra: - o Paulismo.
Nas
longas conversas de café, nas digressões nocturnas pelas
ruas da Baixa, discutindo em voz alta por forma a
despertar as atenções e a curiosidade intrigada da
multidão, os componentes do grupo tinham criado uma série
de novas formas e de audaciosas expressões, procurando
todos, numa estranha competição, exceder-se a si próprios
e a cada um, em exotismos, em extravagantes conceitos e
opiniões, nas mais imprevistas e complexas frases
deliberadamente destoantes da vulgaridade corrente e,
quase todas, com o principal propósito de irritar.
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