CHAMAM-ME
de Aveiro, minha terra espiritual, para que colabore com meia dúzia de
linhas neste festivo número de aniversário.
Raul de Sá Seixas
1º Secretário da Assembleia Geral |
No meio do
rumorejar constante e intenso duma grande metrópole como hoje é
Lisboa, na labuta diária da maratona absorvente do jornalismo tão
diferente da calma vida provinciana, que saberei eu dizer que possa
interessar ao público Aveirense, ou à simpática Associação
Humanitária dos Bombeiros Voluntários que comemora os seus 75 anos
de altruísta actividade? Contar-lhes como se envelhece depressa
neste rodopiar alucinante das cidades modernas, apesar dos
cosméticos de beleza e dos artifícios com que a moda nos ajuda a
encobrir os estragos do tempo, e de todos os males da malfadada era
atómica que nos ultrapassa? Falar-lhes da minha saudade profunda da
recuada época em que Aveiro não tinha réclames a «néon» nem
cafés, e só íamos ao cinema uma vez por semana ver fitas em 2, 3, e
4 episódios, que levavam um mês a correr e reuniam no Salão Nobre do
antigo Teatro a fina flor da sociedade da terra em simpática e
alegre cavaqueira? |
A minha saudade, bem
entendido, não é das ruas escalavradas de então, do silêncio sepulcral
que se observava às 11 da noite quase de uma ponta à outra da cidade, da
escuridão em que os nossos olhos mergulhavam e os nossos passos faziam
eco ao sair de restrito serão familiar, ou das «bichas» de caneca à
cabeça em redor das fontes que haveriam de enchê-los num enervante
«pingue pingue», que consumiu horas de vida a muita mãe de família! Não,
gosto de luz, do movimento, do Progresso, e respiro fundo, em verdadeira
satisfação, sempre que chego a Aveiro e descubro uma nova rua, o esboço
de um futuro bairro ou um bairro novo já a caminho, de bonito traçado,
no qual predominam as casas elegantes, de boa
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arquitectura, sobretudo de bom gosto, como sucede, por exemplo, na nova
zona do Liceu. Sigo a evolução de Aveiro de olhos enternecidos como se
seguem os passos de um filho que começa a andar, primeiro cambaleante,
depois firmando bem os pés no chão, já consciente e senhor de si. E a
cidade faz tal diferença nos últimos 15 anos, que por vezes dou comigo a
querer reconstituir na minha memória, um ângulo duma rua, ou tal e tal
sítio, sem conseguir, já, fazê-lo com nitidez. Depois de uma paralisação
quase total de mais de 30 anos, ei-la ressurgida, caminhando na
vanguarda da maioria das terras de província, em profundo movimento de
renovação que enche de alegria e orgulho quantos, pelo nascimento ou
sentimento, podem considerar-se aveirenses, como eu. Não é, pois, desse
transposto período de decadência que tenho saudades, não. E desses
grupos que já se não reúnem no salão do teatro, das pessoas que conheci,
dos rostos que me eram familiares e desapareceram para sempre, da
saborosa intimidade que encontrava por todos os lados, das pedras da
Costeira que conheciam os meus passos, das áleas do Jardim Público onde
passeei, vaidosa, os meus primeiros vestidos compridos, dos rapazes e
raparigas desse tempo, da mocidade que se foi e não volta mais.
A minha juventude
e primeira mocidade passaram-se em Aveiro. Aí desabrochei da
adolescência, aí me fiz mulher, aí aprendi a trabalhar, lutar, e
sofrer. Na rude escola da vida que era a convivência com meu Pai,
formei o espírito, e moldei o carácter. A Ele devo tudo o que sou, e
no seu exemplo de entranhado amor à terra em que nasceu, embora nem
sempre compreendido, frutificaram as raízes que me prendem a Aveiro
e me levam a responder Presente! — neste momento, como sempre, ao
apelo que me fazem, mesmo sem saber se correspondo ao que de mim se
espera. «Presente» agora, na festa da benemérita Associação
Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Aveiro a que desejaria
ainda prestar homenagem daqui a 25 anos, e «Presente» sempre que
Aveiro de mim necessite. |
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Pompeu de Melo Figueiredo
2º Secretário da Assembleia Geral |
Presente!
Lisboa, Janeiro de
1957
Carolina Homem Christo
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