Laura Paula Dias
(7.º ano)
ANTES de começar a escrever, pensei e meditei durante longo tempo
sobre o que poderia escrever e como me deveria expressar. Antes de
me decidir por este pequenino conto perguntei a mim mesma o que
seria mais oportuno. Como verificareis, achei que, saindo o «Farol»
em Dezembro, nada mais a propósito seria do que falar do Natal. E mais do que as
festas –
conquanto sagradas – da família, e mais do que os bailes e diversões, achei por bom falar do Natal em si mesmo, que é mais do que
tudo isso e de que tão pouca gente apreende o significado.
Há quase 2.000 anos que Ele, o Deus imortal, veio ao Mundo, em
Missão divina de Paz e de Amor. Desceu do seu pedestal e misturou-Se
entre nós, e fez-Se um de nós. Há quase 20 séculos que Ele, Deus, Se
humilhou fazendo-Se Homem, por amor dos homens. No seu tempo não foi
conhecido, nem compreendido. Como poderia ter sido amado? Passados que são 20 séculos
– de luta, de investidas, de conquistas – os homens continuam surdos
aos seus apelos, cegos à sua vinda, mudos aos seus pedidos!...
Nasceu Ele, outrora, em um humilde presépio, tendo por leito umas
palhas e por vestido uns paninhos. Ah! Que se Ele nascera hoje não
seria melhor recebido! Os homens continuam
egoístas, apesar d' Ele – o grande Generoso – se ter sacrificado.
Os homens persistem na sua maldade
– e Ele, o todo amor, foi
crucificado. Não! Os homens não O compreendem ainda, e o
Natal permanece assim em suas memórias como um dia divertido – ou
aborrecido; agradável – ou desagradável; enfim uma bela recordação
ou um dia igual a muitos outros, se não pior ainda.
E nada mais, nada
mais!...
Que o teu Natal não seja
assim!
Que o teu coração não fique frio, nem surdo, nem mudo
em frente d' Ele, do Menino.
Coragem, pois! E sobretudo, sê generoso com Ele. O
Menino, que conhece o teu e o meu coração, sabê-los-á recompensar.
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18 /
Era na véspera de Natal!...
No seu quartinho de damasco cor-de-pérola, a rapariguinha
ficara sentada na poltrona de veludo vermelho, absorta em estranhas
meditações. Um sorriso de infantil alegria animava-lhe por vezes as
bochechinhas rosadas e o cabelo, de um negro azulado, caindo-lhe em
caprichosas ondas encobria-lhe parte do pescoço alvo e delicado.
Naquela véspera de Natal a menina estava contente! Percebia-se
isso, já pelo jeito dos lábios de desenho fino e leve colorido, já
por um certo brilho dos profundos olhos azuis, que se afundavam
agora na contemplação de qualquer coisa longínqua e misteriosa...
Lá fora, a luz ia rareando mais e mais, até que cessou por completo.
Veio então a noite – noite calma e fria – e com ela as trevas e o
silêncio. Por toda a parte se estendeu um manto negro e logo o vento
parou de abanar docemente as folhas mortas das árvores, e o
ribeirito calou a voz fortalecido por longos períodos de chuva, e o
surdo murmúrio dos seres que respiram
parou, de súbito. Não foi mais que um segundo de repouso, de calma
absoluta. Depois tudo voltou à normalidade: zumbiu o vento, cantou o
ribeiro, sussurrou a terra...
A menina continuava sentada (ou melhor, recostada!, alheia
a tudo e como que esquecida do mundo e das gentes. Tinham-lhe dito
um dia – cerca de um mês antes – que nascera outrora um Menino,
rosado e lindo como o são todas as crianças do mundo,
e que Ele fora predestinado por seu Pai para ser o salvador dos
homens. Fora Elisa, a sua jovem professora que lho contara, numa
tarde em que a chuva rufava infatigavelmente nos vidros das janelas. O Menino
– contara-lhe ela – transformara-se num homem – o
melhor e mais justo dos homens. Mas outros, que eram maus, haviam-no
feito crucificar só porque Ele amava a Humanidade.
Mas Ele recompensava quem O seguia dando-lhes como prémio
o Paraíso...
E a menina, que tinha alma de poeta, chorou nesse dia a
morte do Homem bom. As lágrimas corriam-lhe pelas faces um pouco
pálidas de comoção e a voz, essa voz meiga e carinhosa que era o
enlevo de todos os que a conheciam, tremia ao perguntar: «E Ele
perdoou?» A resposta fora afirmativa. E ela sentira que o coração se dilatava sob uma onda de suave calor.
Era
(soube-o mais tarde) o reviver da Esperança. Fora nesse dia memorável
que prometera a si própria ir à igrejinha da aldeia na
noite de Natal. Nunca lá tinha ido por essa altura. A casa estava
tão quentinha! Havia um bom lume, uma ceia magnífica, presentes e
pessoas amáveis e lindas que a mimavam e lhe davam beijos. Nesse
ano, porém, iria ver o Menino! Iria com Elisa, a sua nova amiga, e
ninguém daria por nada. Escusar-se-ia à mesa com
uma constipação ou gripe.
/ 17 /
Era nisto que pensava sentada em frente da janela. Umas
pancadinhas discretas vieram lembrar-lhes as horas. Sem barulho
nem demoras, calçou as botas de calfe vermelho, alisou os cabelos e
vestiu o casaco de pele branca e fofa. Cá fora o frio obrigou-a a pôr o capucho e a agarrar-se
ao casaco da amiga. Passos apressados e leves soaram atrás delas... Gente que como elas ia
à Missa do Galo. Mais cem metros e chegariam. De um
tufo de abetos emergia a igreja pequena e esguia, com o telhado
pontiagudo e vermelho. As paredes brancas sobressaíam estranhamente da escuridão da noite. Chegaram, enfim. No interior do
templo respirava-se uma destas atmosferas sacras e puras que dão
paz aos inquietos e fazem corar de pejo aos medíocres. A menina
– Isabel se chamava ele – ajoelhou e deixou-se penetrar por aquela
paz que era Amor. Ajoelhada ficou e no seu olhar uma luz divina
se acendeu. Na igreja nua e fria um cântico de Natal vibrou alegremente. Os sinos repicavam! Pareciam dizer.
«É Natal! É Natal!
Nasceu o Salvador!...» E continuavam a repicar, sempre e sempre, cada vez com mais força. A Santa Missa foi também uma
revelação para ela. Sentiu-se de súbito arrebatada por uma força
desconhecida, e orou então com verdadeira fé, prostrada no banco de
madeira, o rosto escondido nas mãos e uma alegria doce e triste a um
tempo no coração. Acabara a Missa!
Tinha acabado a Missa, mas o ar estava ainda impregnado do cheiro do
incenso e o cântico suave não se calara de todo. A melodia grave do
órgão enchia o Templo e as pessoas iam-se levantando sucessivamente
e encaminhavam-se para o presépio, montado num dos ângulos
superiores da igreja. A Isabel foi também, agarrada ao braço da amiga. Na manjedoura estava deitado
o Menino, um menino de pedra, é certo, mas que a olhava docemente.
Sentiu-se estremecer e ficou-se a olhar a pobreza do
presépio. Ao lado dela uma vozita elevou-se: «Ai que lindo Menino!» Voltando a cabeça deparou com a dona da voz, uma
miúda de rosto pálido de fome com grandes olhos espantados. Ela
juntava as mãos e olhava agora para Isabel toda rosada no seu casaco
de pele. Ela olhava também e olhou o Menino deitado nas palhas. Pareceu-lhe que os olhos deste pediam e que as
mãozinhas se erguiam numa súplica. Ela compreendeu esse olhar
todo Amor. A neve caía quando saíram as três rumo ao castelo da
igreja. A noite estava agora branca, de neve e de luar, e no
silêncio santo da noite Santo os sinos continuavam a lançar a sua
mensagem: É Natal!
É o tempo do AMOR!... |