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farol n.º 10 - mil novecentos e sessenta e três ♦ sessenta e quatro, pág. 7.

Uma noite...

         como as outras!...

A. Vieira da Silva


ZÉ FERNANDO entrara triste em casa. A mulher olhara-o numa interrogação muda. «Nada!...» disse ele. E era tudo... Um silêncio caiu na humilde choupana. Lá fora o mar soluçava, contando aos ventos e aos céus as suas mágoas. A noite estava negra como breu. Nem uma só estrela brilhava lá nos altos...

«Mais uma noite de Natal» disse Fernando. «E nem sequer um pão para o nosso Tóino». A mulher continuou muda. Olhou com duas lágrimas nos olhos o filhito que serenamente, alheio a tudo, dormia... quem sabe se sonhando... (Se é que um pobre pode ter sonhos!...)

Humilde pescador, desde muito moço o mar o acolhera em seus braços... Vida de constante luta para ganhar umas migalhas! – De inverno, porém, o tempo piorava... o mar rugia, a miséria aumentava...

... Absorto nestes pensamentos, levantou-se de repente, como se estranha mola o impelisse e deixou a mulher e filho... Em breve se perdia na escuridão do noite.

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Zé Fernando, ofegante, peito oprimido, olhou os céus «Cristo, porque não nasceste – para todos? Porquê? Porquê?...» O mar soluçou dolentemente... E Zé Fernando como um louco, avançou para ele, para esse mar que amava desde menino e refugiou-se tragicamente na imensidão das suas águas.

 

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08-06-2018