Francisco da Silva Gomes dos Santos
(4.° Ano)
O
assunto que vou abordar, – assunto, aliás, que tem sido ultimamente
motivo de grande discussão – não tem um fim combativo, não tem
intenção de campanha ou de reprovação. Falarei dele
indiferentemente, sem intenções
de qualquer ordem. Concluindo, será apenas um modesto comentário,
dentro de uma humilde opinião pessoal.
Todos nós conhecemos que a história da Prosa e do Verso tem fases
distintas, produto lógico de várias inovações e evoluções. Assim, houve primeiramente a Escola Provençal, ou seja a
da Idade Média (dos trovadores). Depois veio a Escola Clássica ou
Renascença. Mais tarde apareceu a Escola Romântica e depois, a
Realista.
Estamos agora em presença de mais alguma escola ou evolução?
Certamente. E ela a Escola Modernista.
(Mas, abramos aqui um breve parênteses).
– Se é certo que a Prosa e o Verso têm sofrido várias
inovações,
várias fases, não é menos certo que essas mesmas inovações, foram
sempre motivo de controvérsia, foram sempre acolhidas, por uns, com aplausos e
adesão; por outros, com protestos e com indiferença.
Para já, eu não pretendo ser neste humilde comentário, nem
um fanático reprovador desta nova fase da Poesia, nem seu apologista.
A evolução está a dar-se, e eu, talvez porque desde muito pequeno
esteja habituado à leitura da poesia Clássica e Romântica,
talvez porque sinta verdadeiramente a pureza e a sublimidade
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15 / da poesia, da verdadeira poesia, o que é certo é que
não
posso concordar com certos exageros dos poetas (ou poetastros)
modernistas. Na verdade o culto da Beleza está a atravessar uma
crise, uma crise que afinal tem a origem num sentido estético
invertido, influência, porventura, da vida moderna, agitada, e cheia
de planos diabólicos, sobre-humanos; do cinema e da televisão;
agentes desorientadores dos cérebros; do futebol, o oco que «enche»
as almas idólatras dum couro esférico, que vai e vem, impulsionado,
não pelas mãos, – como seria aceitável – mas pelos pés...
Serão só estas as causas do desvario exagerado de algumas páginas de
certos poetastros? Há muitas e mais causas, que parecendo
abstractas à cultura das letras, imperam afinal na mente dos
poetas, e na poesia que pretende ser uma nova evolução, a nova
evolução Modernista.
É certo que a intenção dos introdutores da poesia modernista é boa,
é mesmo louvável, porque realmente os leitores do Classicismo e os
literatos precisam de descongestionar um pouco, de arejar, e sair da
«bela monotonia» desse referido estilo. É boa, como disse, mas é
preciso saber introduzi-la, de maneira que enquadre verdadeiramente
no conceito e na detenção daquilo a que se chama ARTE.
E há quem saiba introduzir essa essência verdadeira, e há
quem a introduza com beleza, com genuíno espírito poético? Há,
felizmente e infelizmente. Digo felizmente, porque é uma felicidade
existir uma meia dúzia de verdadeiros poetas modernistas, uma meia
dúzia de introdutores duma nova escola poética. Digo infelizmente,
porque o resto dos poetas modernistas, não vem
introduzir nenhuma inovação, nenhum novo estilo proveitoso e belo,
mas sim um estilo que condiz perfeitamente com as ideias
desnorteadas e desvairadas dos homens do nosso século, vem
imprimir nas páginas – sem pejo algum – uma poesia divagante,
charra, incompreensível, – e para cúmulo! com a ausência de ritmo.
Ora esta poesia complexa, charra, sem métrica, não é poesia, e, de
maneira alguma pode ser apreciada por quem tenha uma breve e
elementar noção do Verso, por quem sinta com o coração a poesia e a
sua beleza.
*
– Estará o meu comentário terminado? Não. Tudo o que eu
tenho a comentar sobre a Poesia Modernista, seus erros e suas
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16 /
virtudes, talvez não ficasse terminado ao cabo de cem páginas!...
Suspendo por aqui, para não maçar, e
a terminar, para que não digam
que falei a esmo, infundadamente, eu vou citar, literalmente e sem
comentários, a própria voz da falsa poesia e dos verdadeiros poetas
modernistas.
Os comentários, fazei-os vós, leitores.
– Eis pois:
Dum lado:
Loucura, Alucinação –:
Se eu ao menos enlouquecesse deveras!
Mas não: é este estar entre.
Este quase
Este pode ser que....
Isto.
FERNANDO PESSOA
A vida...
Branco ou tinto é o mesmo: é para vomitar.
FERNANDO PESSOA
Mazoquismo exagerado
–:
Quilhas partidas, navios ao fundo, sangue nos mares,
Conveses cheios
de sangue, fragmentos de corpos!
Dedos decepados sobre amuradas!
Cabeças de crianças, aqui, acolá!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. .
Rujo como um leão faminto por tudo isto.
FERNANDO PESSOA
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17 /
Erros Gramaticais Imperdoáveis
–:
Isto pensado, me de a mente absorve
Todos os mais pensamentos...
FERNANDO PESSOA
...Agora
Que já só o silêncio já demora?
J. RÉGIO
Mediocridades
–:
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés...
FERNANDO PESSOA
Paradoxos –:
E abro de repente os olhos que não tinha fechado
FERNANDO PESSOA
Uma poesia –:
(MADRUGADA)
Os gatos passam
Eis tudo.
Morre alguém...
E não é nada.
Dr. P. HOMEM DE MELLO
Religiosidades –:
(Referindo-se a Deus)
– Todo peludo e tosco, exemplar digno de se ver,
– O belo monstro! – ei-lo exposto
Ao gládio e pasmo de quem quer
Que tenha gosto.
J. RÉGIO
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18 /
Do outro lado:
Versos de amor, búzios do coração.
Ressoam – mas a onda que passou,
Sons de recordação,
Eternizam apenas a emoção
Que a Musa ciumenta estrangulou.
MIGUEL TORGA
Andorinha lá fora está dizendo:
– «Passei o dia à toa, à toa!»
Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!
Passei a vida à toa, à toa...
MANUEL BANDEIRA
(poeta Brasileiro)
Arte
– Que é Arte?
– Se não me engano,
E com o que seja atino,
Eu num só traço a
defino:
– A Arte é um impulso humano,
A imitar o que é divino.
INSPECTOR GOMES DOS SANTOS |