António Virgílio
Marques da Silva
(5.º ano)
VÊS
aqui, sobre esta mesa
Este monte de papéis?...
Se fosse d'ouro a riqueza
Já nos tinha feito Reis.
Assim!... não têm valor:
São a incerteza
A falar-nos do Amor
E da Beleza.
Que não chegam a ser
Seja o que for:
Que são tristeza
Pobreza
E dor.
Neste monte de papéis
Quanta loucura!
Quanta obediência às leis
Da sorte dura.
Nunca eu tivesse sentido
O mundo em mim.
E o mundo teria sido,
Não o que tenho exprimido,
Em verso, grave, dorido,
«Esfomeado e ferido»
Mas, aquele Éden perdido
Pelo homem pervertido
Convencido
E iludido
Que mal vislumbrava o fim.
O homem era,
Árvore agarrada
Ao nada:
Inanimada!
Feliz e imaculada.
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Sem fruto
E sem flor
Ou talvez fera!
Em suma:
Um bruto
Sem consciência nenhuma.
O bom e o belo
São frutos do amor
E quantas e quantas vezes
O amor cria o pecado
Ou é por ele criado.
Eu velo
A dor
E os revezes!
E não sei
Qual é melhor
Se obedecer à lei
Se pecar louco d' amor
Monte de papeis – Ideias,
Que vão e vêm sem descanso:
Palavras cheias
Do que anseio e não alcanço.
Pudesse eu de vós fugir
Cruéis Sereias!...
Pudesse eu de vós fugir!
Árvore Imaculada
Descuidada
E conformada:
Pelos ventos açoitada
Pelo Raio mutilada
E pelo homem ingrato
E insensato
Derribada;
Que não vives no Presente,
Que não tiveste, passado
Nem receias o porvir;
Que dás pão a toda a gente
Que abrigas do Sol danado
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E da chuva inclemente:
Até morta
Tua presença conforta.
Não pensas, não vês, não sentes,
Nem ouves do encrespado
Mar,
Ganancioso, irado
E desbragado,
A negra voz,
A uivar
Dentro de nós
A uivar dentro de nós!
Quisera ser como tu!
Nem amoroso nem cru!
Existir simplesmente
Ingenuamente...
Fazer o bem
E não ser ninguém. |