No
fim de semana seguinte tinham programado um passeio e os três
puseram-se a caminho da cidade do Lobito; partiram no sábado
bem cedinho com intenção de regressarem na segunda de manhã
pois nesse dia apenas iriam ter aulas da parte da tarde.
Já
que estavam em férias e até eram férias remuneradas,
escolheram um bom hotel para ficarem, o Hotel Restinga. Eram
umas quatro da tarde quando saíram para darem um passeio pela
cidade após o qual tencionavam jantar num restaurante que fosse
bem do seu agrado e que iriam procurar.
Como
nada conheciam na cidade, ao chegar a hora do jantar resolveram
perguntar a um taxista se lhes indicava um restaurante regional
de boa comida. O bom do homem, não se sabe com que fim,
indicou-lhes o Flamingo não se cansando de tecer elogios à boa
cozinha, ao preço e mesmo ao serviço impecável. Satisfeitos
por terem batido à porta certa na recolha de informações
seguiram no seu Fiat Millecento à procura do Flamingo. A filhita
dormitava no banco de trás. Ao fim de uns dois quilómetros
encontraram um reclame em néon que indicava o restaurante. O prédio
era já antigo. Foram informados à entrada que no final do jantar
haveria variedades.
—
Óptimo, disse a Matilde para o marido, como vês é
sempre bom perguntar aos taxistas, eles conhecem tudo muito bem.
—
Claro, admitiu João, este até era mesmo muito simpático
e olha que umas variedades vêem mesmo a calhar, não podia ser
melhor.
Entraram,
o restaurante era constituído por um salão bastante grande,
com muitas mesas espalhadas tendo de um dos lados umas escadas
em madeira as quais davam acesso a uma pequena galeria também
com mesas. Ao fundo situava-se um palco.
—
Subimos? - lá em cima ficamos mais à vontade com a
menina, disse Matilde.
—
Subimos, concordou João.
Escolheram
um prato de bacalhau, uma especialidade da casa.
O
serviço era lento, mas também não tinham pressa, iriam
até ficar para as variedades que só começavam lá para as dez
da noite e eram apenas oito e meia.
O
jantar foi servido à luz da vela, a Clarita pouco comeu,
era difícil fazê-la comer fosse o que fosse, nunca tinha
apetite mas o que lhe faltava em vontade de comer sobrava-lhe em
energia; brincou, brincou correu toda a galeria, sentou-se a
todas as mesas, falou com toda a gente, até que caiu exausta
num sono profundo num cadeirão almofadado que ficava no canto
junto da mesa onde estavam. Uma vez adormecida nada a acordava,
dormia como uma pedra.
A
sala foi-se enchendo, primeiro com pessoas que vieram jantar,
depois com outras que vinham beber uns copos. O ambiente que a
princípio parecia recatado foi-se modificando lentamente à
medida que o tempo avançava. Os clientes que iam chegando agora
tinham pouco a ver com os primeiros a entrar para jantar muitos
dos quais já tinham saído. Porém só à distancia no tempo se
descodificaram estas mudanças. João e a mulher na altura nem
deram por nada, queriam era ficar para ver o show!
O
vozerio enchia a sala onde um piano que acompanhara o jantar
com seus acordes quase já nem se ouvia. Matilde comentou com o
marido que os trajes das mulheres que iam entrando e circulavam
entre as mesas lhe pareciam demasiado extravagantes. Observando
os pares que chegavam a cada momento tudo se lhe afigurava
desajustado, é certo que não era frequentadora habitual destes
espaços, mas, pareceu-lhe no mínimo estranho tudo aquilo.
Aproximavam-se
as dez e não se viam indícios de começar o espectáculo.
Chamaram
o empregado que informou ser habitual um certo atraso. A menina
como continuava a dormir profundamente no cadeirão que tinha
ao lado um reposteiro, ninguém dava por ela.
Finalmente
abre-se o pano ao som de música e dum forte bater de palmas e
um cavalheiro anuncia que irá começar o show de strip-tease Só
então caíram em si e se certificaram do caricato da situação:
estavam num cabaré; ela grávida com um enorme barrigão até
á boca e a seu lado
a filha, uma
criancinha de dois anos que dormia serenamente. Assistir ao
espectáculo, embora esses lugares na época fossem
apenas frequentados por pessoas de porte duvidoso, não os
molestaria muito pois nem eram conhecidos no meio, e além do
mais estavam escondidos num local onde o pessoal nem circulava não
dando nas vistas. Deixaram pois correr o tempo e viram o que
nenhum dos dois nunca tinha visto já que lhes estava vedado
pela decência assistir a espectáculos daquela índole.
Sair
no final do show é que foi o diabo!
Lá
pelas duas da manhã houve que ganhar coragem e pôr pés ao
caminho por mais que lhes custasse. João pegou ao colo na
menina, que continuava a dormir, e acompanhado da mulher grávida
que procurava em vão encolher a barriga, esgueiram-se por entre
a multidão das columbinas e arlequins que enchiam o salão onde
a música e a bebida faziam subir os ânimos.
À
saída, nem de propósito, um fotógrafo apontava a sua
objectiva para uma actriz de cabaré famosa que ainda nessa
noite se iria exibir. O insólito da presença dos três
despertou de imediato a sua atenção e num repente disparou a
sua máquina sobre o jovem casal com a mulher grávida e a filha
adormecida no colo do pai.
O
fotógrafo era repórter dum diário e João teve de se impor
para que a sua foto com a família não fosse publicada no
jornal da manhã seguinte.
—
Bons tempos aqueles, em que se podia andar à-vontade por essa
Angola fora. Como esta terra cresceu desde
sessenta e um para cá!... disse João para a esposa, e
continuou, quanta gente vimos chegar carregada de esperança!
Parece que ainda estou a ver: o António Alves e a mulher, o
Pereira com a Rosa e os filhos, os pais do Abreu e tantos
outros...
—
E a Zulmira? Recordas-te quando ela chegou da Metrópole
com os filhos, João?