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CENA X
BARÃO,
D. LEONOR
BARÃO —
(pensativo). Até amanhã! Devo eu cá voltar? Talvez não
devesse, mas é interesse da ciência... a minha palavra
empenhada... O pior de tudo é que a discípula é graciosa e
bonita. Nunca tive discípula, ignoro até que ponto é perigoso...
Ignoro? Talvez não... (Põe a não no peito) Que é isto...
(Resoluto) Não, sicambro! Não hás-de adorar o que
queimaste! Eia, volvamos às flores e deixemos esta casa para
sempre. (Entra D. LEONOR).
D. LEO. — (vendo o BARÃO). Ah!
BARÃO — Voltei há dois minutos; vim buscar
este livro. (Cumprimentando) Minha senhora!
D. LEO. — Senhor Barão!
BARÃO
— (vai até à porta, e volta). Creio que V. Exª não me
fica querendo mal?
D. LEO. — Certamente que não.
BARÃO (cumprimentando-a). Minha senhora!
D. LEO. — (idem). Senhor Barão!
BARÃO (vai até à porta, e volta). A senhora
D. Helena não lhe falou agora?
D. LEO. — Sobre quê?
BARÃO — Sobre umas de botânica...
D. LEO. — Não me falou em nada...
BARÃO (Cumprimentando). Minha senhora!
D. LEO. — (idem). Senhor barão! (O
BARÃO sai). Que esquisitão! Valia a pena cultivá-lo de
perto.
BARÃO —
(reaparecendo). Perdão...
D. LEO. — Ah! que manda?
BARÃO (aproxima-se). Completo a minha
pergunta. A sobrinha de V. Exª falou-me em receber algumas
lições de botânica. V. Exª consente? (Pausa) Há-de
parecer-lhe esquisito este pedido, depois do que tive a honra
de fazer-lhe há pouco...
D. LEO. — Sr. Barão, no meio de tantas
cópias e imitações humanas...
BARÃO — Eu acabo: sou original.
D. LEO. — Não ouso dizê-lo.
BARÃO — Sou; noto, entretanto, que a
observação de V. Exª não responde à minha pergunta.
D. LEO. — Bem sei; por isso mesmo é que a
fiz.
BARÃO — Nesse caso...
D. LEO. — Nesse caso, deixe-me reflectir.
BARÃO — Cinco minutos?
D. LEO. — Vinte e quatro horas.
BARÃO — Nada menos?
D. LEO. — Nada menos.
BARÃo (cumprimentando-a). Minha senhora!
D. LEO. — (idem). Senhor Barão! (Sai
o Barão).
CENA XI
D.
LEONOR, D. CECÍLIA
D. LEO. — Singular é ele, mas não menos
singular é a ideia de Helena. Para que quererá ela aprender
botânica?
D. CEC. — (entrando). Helena! (D.
LEONOR volta-se) Ah! é titia.
D. LEO. — Sou eu.
D. CEC. — Onde está Helena?
D. LEO. — Não sei, talvez lá em cima. (D.
CECÍLIA dirige-se para o fundo) Onde vais?...
D. LEO. — Vou...
D. LEO. — Acaba.
D. CEC. — Vou concertar o penteado.
D. LEO. — Vem cá; concerto eu. (D.
CECÍLIA aproxima-se de D. LEONOR) Não é preciso, está
excelente. Diz-me: estás muito triste?
D. CEC. — (muito triste). Não,
senhora; estou alegre.
D. LEO. — Mas, Helena disse-me que tu...
D. CEC. — Foi gracejo.
D. LEO. — Não creio; tens alguma causa que
te aflige; hás-de contar-me tudo.
D. CEC. — Não posso.
D. LEO. — Não tens confiança em mim?
D. CEC. — Oh! toda!
D. LEO. — Pois eu exijo... (Vendo HELENA,
que aparece à porta do fundo, esquerda). Ah! chegas a
propósito.
CENA XII
D.
LEONOR, D. CECÍLIA, D. HELENA
D. HEL. — Para quê?
D. LEO. — Explica-me que história é essa que
me contou a barão?
D. CEC. — (com curiosidade). O barão?
D. LEO. — Parece que estás disposta a
estudar botânica.
D. HEL. — Estou.
D. CEC. — (sorrindo). Com o barão?
D. HEL. — com o BARÃO —
D. LEO. — Sem o meu consentimento?
D. HEL. — Com o seu consentimento.
D. LEO. — Mas de que te serve saber botânica?
D. HEL. — Serve para conhecer as flores dos
meus bouquets, para não confundir jasmíneas com
rubiáceas, nem bromélias com umbelíferas.
D. LEO. — Com quê?
D. HEL. — Umbelíferas.
D. LEO. — Umbe...
D. HEL. — ...líferas. Umbelíferas.
D. LEO. — Virgem santa! E que ganhas tu com
esses nomes bárbaros?
D. HEL. — Muita coisa.
D. CEC. — (À parte). Boa Helena!
Compreendo tudo.
D. HEL. — O perianto, por exemplo; a senhora
talvez ignore a questão do perianto... a questão das gramíneas...
D. LEO. — E dou graças a Deus!
D. CEC. — (animada). Oh! deve ser uma
questão importantíssima!
D. LEO. — (espantada). Também tu!
D. CEC. — Só o nome! Perianto. É nome grego,
titia; um delicioso nome grego. (À parte) Estou morta
por saber do que se trata.
D. LEO. — Vocês fazem-me perder o juízo!
Aqui andam bruxas, decerto. Perianto de um lado, bromélias de
outro; uma língua de gentios, avessa à gente cristã. Que quer
dizer tudo isso?
D. CEC. — Quer dizer que a ciência é uma
grande coisa, e que não há remédio senão adorar a botânica.
D. LEO. — Que mais?
D. CEC. — Que mais? Quer dizer que a noite
de hoje há-de estar deliciosa, e podemos ir ao teatro lírico.
Vamos, sim? Amanhã é o baile do conselheiro, e sábado o
casamento da Júlia Marcondes. Três dias de festas! Prometo
divertir-me muito, muito, muito. Estou tão contente! Ria-se,
titia; ria-se e dê-me um beijo!
D. LEO. — Não dou, não, senhora. Minha
opinião é contra a botânica, e isto mesmo vou escrever ao
BARÃO —
D. HEL. — Reflicta primeiro; basta amanhã!
D. LEO. — Há-de ser hoje mesmo! Esta casa
está ficando muito sueca; voltemos a ser brasileiras. Vou
escrever ao urso. Acompanha-me, Cecília; hás-de contar-me o
que há. (Saem).
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