O processo empregado pelos franciscanos arrábidos para se defenderem dos
raios era o do tangimento do sino de Santa Bárbara, geral na época.
Crentes na virtude milagrenta do mesmo, com ele, precisamente,
facilitavam os perigos de que procuravam defender-se.
Quanto era irreal essa virtude experimentaram-no
eles com a queda de
quatro raios, no período de 1717 a 65. Caiu o 1.º em 1717 e o 2.º, em
1731, ambos sem estragos. Em certa noite de 1740 trovejava. Nas torres 8
donatos ocupavam-se piamente em fazer dobrar os sinos grandes para
afugentar os raios. De repente, sobre a do sul passou uma nuvem electrizada e explodiu sobre ela com estampido e clarão horríveis. Os
donatos, envoltos em chamas, fugiram espavoridamente. Um, porém, ficou
assombrado, sem mais dano. A torre ficou indemne.
O de 18-02-1765 foi o pior. Caiu no zimbório e
tão violentamente que
fez tombar pessoas que passavam no largo. O lanternim ficou muito
prejudicado. Pedras de arrobas, dele arrancadas, foram projectadas a
grande distância e as lascas na igreja caídas chegaram para carregar 20
carros. Caso singular: nada sofreram a
cruz, os ornatos e a pedra-chave do zimbório. Os reparos fizeram-nos,
depois, os cónegos.
Em 4-XII-1772 caiu na torre do norte o 5.º,
já o convento
/ 90 /
estava na posse dos cónegos. Tinham eles proibido o toque dos
sinos em ocasiões de trovoada, o que desagradou ao povo. Trovejou certo
dia e dois homens subiram à torre e puseram-se a
badalar o sino de Santa Bárbara. Caiu um raio, mas os sineiros
escaparam sem dano.
Notável foi o 6.º pelos estragos causados na
igreja e nas
pessoas, caído em 19-III-1786. Era dia festivo e a igreja estava
cheia. Dobravam e repicavam os sinos, apesar de trovejar. Entraram dois raios na torre do sul, desceram à
igreja e ao vestíbulo, com
grandes estragos. Ficaram feridas muitas pessoas. Na capela-mor dois cónegos, revestidos de pluviais de seda, sofreram muitas
queimaduras.
Neste mesmo ano preservaram os cónegos o convento com
uma instalação de pára-raios, havida a licença régia, sendo encarregado da mesma D. Joaquim da Assunção Velho, sócio da Real Academia de
Ciências de Lisboa e cónego do convento. Foram
estes os 1.os pára-raios colocados em Portugal.
Duma barca espanhola naufragada em Peniche se aproveitou o metal para sua feitura. Eram 17, distribuídos pelo zimbório,
pelas torres, pelos torreões e corpos do edifício.
Todavia, uma trovoada de 1844 foi tão violenta que certa
descarga, no zimbório, inutilizou o cabo condutor. Com outra, em
1855, o pára-raios rebentou.
Feita a instalação, em dia de trovoada subiu aos terraços
D. Joaquim Velho com um frade leigo. Tremia este apavoradamente a cada ribombo. As explicações das leis
físicas que lhe
propinava o cónego, segundo as quais um raio devia forçosamente
cair nalgum dos aparelhos, não o sossegavam. Num dado momento,
para justificar o seu manifesto temor, obtemperou-Ihe: Creio
tudo e não tenho medo, mas receio que venha um raio estúpido, que não saiba as leis da
física, e, caindo sobre nós, nos
despedace.
Saberia o leigo o que acontecera ao célebre Richmann?
Se não sabia, certo é que o frade era homem prudente
e de bom humor.
|