Afim de se cumprir esta cerimónia com o
maior esplendor,
quer litúrgico quer mundano, mandou João V armar em madeira a basílica.
De tecto serviram velas de navio forradas interiormente com panos de
brim, cobertos de tafetás encarnados e amarelos.
Razes pendiam das paredes. As portas e janelas foram guarnecidas
com cortinas de damasco, de franjas e galões doirados. Mais tafetás
vermelhos decoravam a fachada.
Na capela-mor erguiam-se dois sitiais de preciosa
tela branca. O do
evangelho, sobre seis degraus e com dossel, destinava-se ao
rei; o da epístola, sobre três e sem dossel, era para o patriarca
D. Tomás de Almeida. O deste era ladeado por credências cobertas
de sumptuosos paramentos, destinados à missa de pontifical, e de
opulentas peças de prata. Noutra credência estavam a pedra que
devia ser benzida, de jaspe, marcada com cruzes, medindo 55 cms
de comprimento, e a portadora da inscrição comemorativa(1),
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além duma urna de mármore, na qual ficariam encerrados: um
cofre de prata dourada com os pergaminhos do voto régio e do
benzimento da 1.ª pedra e da cruz erecta na igreja, dois frascos
com os santos óleos, duas caixas de prata doirada com o Agnus Dei
de Inocêncio XI e o de Clemente XI e doze medalhas (quatro de oiro, quatro de prata e quatro de bronze). Das primeiras, uma
tinha os retratos do rei e da rainha, gravados a buril, no anverso
e no reverso a planta do templo; outra, no anverso St.º António
e o rei ajoelhado ante ele e no reverso a perspectiva de todo o edifício; outra, o retrato de Clemente XI e o seu
brasão; a última,
o do patriarca D. Tomás e o seu escudo. Em todas havia legendas.
Tanto as de prata como as de bronze eram iguais.
Para o monarca havia mais, junto à coluna do cruzeiro, uma
tribuna em forma de leito, com balaústres de ébano e cortinas de
brocado vermelho. Juncos e espadanas recobriam o chão, dos quais
serviam panos verdes de alcatifas.
Destinara-se o dia 19 de Outubro de 1717 para
realização de
tal cerimónia, mas, por não ser possível o concluir-se a tempo o
trabalho dos alicerces e da armação da basílica, teve de ser adiada
para 17 de Novembro. A escolha daquele dia derivava do facto
de ser consagrado a S. Pedro de Alcântara, o qual, por causa da
sua dura penitência, foi o elemento mais activo da reforma da província da Arrábida.
Aos 14 de Novembro partiu para Mafra D. João V, em coche
de estado e acompanhado por luzida tropa de cavalos. Antes de se
recolher ao palácio dos viscondes de Vila Nova de Cerveira, custosamente preparado para seu alojamento, passou revista
às obras e,
entusiasmado com o zelo manifesto pelos artífices, demais que
uma tempestade fizera cair a armação da igreja, gratificou os
oficiais das mesmas com moedas de oiro.
Às 8 1/2 da manhã do dia solene chegou o rei
ao terreiro do templo, seguido pela corte, todos a cavalo, cuja pompa
dos jaezes se equiparava à das galas dos cavaleiros. Acompanhavam-nos
lateralmente a real guarda alemã e atrás a cavalaria com seus clarins.
Logo se organizou a procissão para entrar na igreja. À frente
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marchava a comunidade dos 64 frades arrábidos; depois, sucessivamente, o
clero local, os músicos, capelães de sobrepelizes, acólitos patriarcais,
subdiáconos, capelães de capa magna com capelos de arminho e pluviais,
beneficiados, cónegos de pluviais de tela branca e mitras bordadas com
pedras preciosas (cada um precedido pelos seus criados nobres e seguido
por caudatários de sobrepelizes sobre os hábitos patriarcais), o
patriarca vestido com peças riquíssimas e coberto com mitra de pedras,
os protonotários patriarcais com raquetes e capas magnas, o rei, a corte,
o juiz e o corregedor, os vereadores e, por fim, o povo, à volta de 3.000
pessoas. Era, decididamente, um espectáculo grandioso.
Feita a bênção, cujo cerimonial o rei acompanhou com o ritual nas mãos,
dirigiu-se a procissão para o local em que a pedra devia ser colocada, o
do altar-mor, da qual foi portador o patriarca. Aí depostas, essa e a
da inscrição, e também a dita urna de mármore, na cova lançou o geral
de S. Bernardo, esmoler-mor,
doze moedas de cada espécie de dinheiro corrente no reino: doze de oiro,
de 4800 reis, doze meias moedas, doze quartinhos e assim do real e meio
de cobre.
Este acto executado, regressaram todos à igreja, na mesma forma
processional, para assistirem às restantes funções e à missa, da qual
disse D. Gabriel Chimbali, mestre de cerimónias da Patriarcal, que nunca
vira tanta magnificência em paramentos e
cópia de sacerdotes, tão pomposo rito, nas missas pontifícias. Só em
lugar de cardiais eram cónegos os celebrantes.
Acabada, finalmente, a função, quis o rei dar uma
prova pública do seu
amor à obra empreendida e da sua portentosa devoção. Num cesto dourado
estava uma pedra de palmo e meio.
Pegou nela o Senhor D. João V e, carregando com ela, foi
depositá-la
piedosamente junto da que fora benzida. Os fidalgos de sua corte,
estimulados por esse acto de pia humildade, agarraram noutras pedras
iguais, assentes em cestos prateados, e acompanharam o soberano, levando
a sua à cabeça o nobre visconde de Ponte de Lima. Não houve quem não
ficasse estarrecido com tão submissa piedade.
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No regresso ao palácio dos viscondes deu também sua majestade prova
pública da sua munificência, quer distribuindo moedas de oiro pela tropa
e pelos pobres quer mandando franquear a sua ucharia a todos que dela
quisessem aproveitar.
Ao erário custou tão faustoso dia a bagatela de 200.000 cruzados.(2)
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