Depois de ignorada ou secundarizada, a figuração recuperou, no domínio
da arte, uma importância que foi, tradicionalmente, sua. Isto é,
voltou a estar entre os interesses principais dos artistas, sobretudo
dos pintores. E, voltou a interessar os apreciadores, mesmo os mais
esclarecidos. Certamente que as figurações recentes não são o regresso
aos modelos dos períodos anteriores. Certamente que não são modos
desatentos do entretanto acontecido no âmbito das formulações
plásticas nem aparecem informados de nenhum propósito revivalista.
Mesmo quando estas figurações cultivam a paisagem, verifica-se que
lhes está imanente uma razão outra. As homogeneidade e unidade
espaciais são postas em causa, subtrai-se à organização lumínica
focal, recusa o tonalismo cromático e advoga uma prática tímbrica da
cor. Entre outros aspectos cuja menção se evita mas de que a
importância não é menor. E com mais ou menos radicalidade. E global
ou sectorialmente.
Joaquim Filipe é um artista cujo estar na arte ocorre através do
aproveitamento de motivos paisagísticos, motivos contudo sempre
entendidos, e penso que acertadamente, como pretexto para os seus
enunciados inequivocamente plásticos. Plasticidade que é, no seu caso,
sinónimo de, eminentemente, desenho. Desenho onde se combinam alguns
teores próximos da tradição e outros de carácter inovador. Ressalta
imediatamente que os motivos aproveitados são de ordem arquitectónica,
ou urbana, e também motivos naturais. Enfatizados num caso estes,
enfatizados naquele os outros. Ou surgindo combinados em fusões bem
resolvidas.
Mas
as exigências que se evidenciam em qualquer situação são sempre
exigências técnicas ou formais, artísticas e estéticas. Isto é de
enunciação e de enunciado.
O
que se nota no extremo cuidado posto no traçar e no colorir. Um
cuidado que denota o acusado sentido do prazer de fazer e de que é
consequência uma textualização imagética onde o acabamento é um valor
nuclear. Valor outro, também essencial, é o que vem proporcionado pela
organização do espaço. Organização plena de uma sugestiva ambiguidade
e que se resolve quer em estritas observâncias da planimetria do
suporte quer em estritas observâncias da planimetria do suporte quer
em perspectivações muito subtis que dão origem a um espaço virtual
rico, como aliás acontece na outra solução, de impressões poéticas.
Poéticas porque imbuídas de um grande lirismo e onde perpassa um
sentimento de serena nostalgia. Nostalgia reafirmada pelos
dispositivos de teor decorativo em que são bem nítidas algumas
redundâncias que vêm confirmar o que antes se referiu como sendo uma
razão plástica, formal, a que alicerça esta obra.
Cumpre ainda chamar a atenção para um recente enriquecimento que a
obra de Joaquim Filipe manifesta no domínio da organização do espaço.
Refiro-me agora aos hiatos que estabelece na unidade desse mesmo
espaço através de fracturas irregulares mas com grande força visual,
mesmo se a sua energia é uma energia comedida, dada a sua capacidade
de vibração indiscutível. Aliás este mecanismo traz consigo um outro,
de índole técnica, que não pode ser silenciado. É o recurso à colagem
de que a discrição é, contudo, enorme.