Ezequiel Arteiro, Palavras que eu canto,  1ª ed., Aveiro, O Nosso Jornal - Portucel, 1984, 96 pp.

Baixo Vouga - Retalhos

 

Ai se eu pudesse — garanto! —
Cortava um retalho à Ria
E dele fazia um manto
p'rá Virgem Santa Maria.

 

Canelas segue Jesus
Mesmo na morte sagrada
Por isso tem uma cruz
Erigida ao pé da estrada...

 

Canelas, terra encantada
Aos olhos de toda a gente: —
Quem vai na linha ou na estrada,
Curva-se na sua frente.

 

Canelas não foi a terra
Dos meus tempos de bebé,
Mas tenho um amor profundo
À terra de S. Tomé.

 

Será cantar de feliz?...
Será gemer duma mágoa?...
Quem sabe o que o Vouga diz,
No seu murmurar de água?!...

 

Na Banda e nas melodias,
Canelas tem como timbre,
O rasto das poesias
Do grande poeta Bingre.

 

Campo da Cruz é lugar
Que Canelas traz no seio!
Parece mesmo um altar
Com a Cruz de Cristo ao meio.

 

Quando Deus criou a Ria
Deu-lhe uma graça tamanha
Que é ela a grande alegria
Das belas terras que banha.

 

Estarreja e seu bom povo
De muita coisa é capaz
Já ergueu um quartel novo
Aos seus «Soldados da Paz».

 

Se no dia quinze eu for
À feira de Santo Amaro,
Comprar-te-ei, meu Amor,
Um presente, mesmo caro.

 

Quando sopra o norte, a Ria
Mostra o aspecto do Manto
Da Virgem Santa Maria,
Azul e bordado a branco.

 

Para o Céu, talvez irão
Os de Pardilhó primeiro,
Porque lhes dará a mão
São Pedro, seu padroeiro...

 

Salreu irá na peugada
Do patrono S. Martinho
Que cortou a capa à espada!
Deu metade ao pobrezinho.

 

Nossa Senhora do Monte
És de Salreu um tesouro!
Mas ó que belo horizonte,
Se vê do teu miradouro.

 

S. Tomé acreditou
Vendo as chagas de Jesus.
Viu Canelas e ficou
Porque Canelas seduz.

 

Ouvi Avanca cantar
Trovas à Santa Marinha;
Não me aguentei sem chorar
lembrando o Marques Sardinha.

 

Quando há vendaval no mar,
Os pescadores, coitadinhos,
Ajoelham-se a rezar
No convés dos seus barquinhos.

 

O Vouga, suavemente,
Depois de beijar Cacia,
Vai desmaiar, docemente,
Nos lindos braços da Ria.

 

E leva de lá as mágoas
E as alegrias também,
E tudo esconde nas águas
Sem mostrar nada a ninguém.

 

Quantos beijinhos se dão
Nas margens que o Vouga tem!...
— Ó Vouga, não digas, não,
Essas coisas a ninguém.

 

Faz sempre assim, Vouga amigo!
Tudo vês, mas nada dizes...
Guarda p'ra sempre contigo
Esses momentos felizes!...

 

Ó Vouga, os salgueiros
Das tuas margens fresquinhas,
São os berços dos pardais
E das outras avezinhas.

 

São palcos dos rouxinóis
Onde a sua melodia,
Os classifica d'heróis
Das belezas de Cacia!...

 

Quando à voz dum timoneiro
Um barco sente o comando,
São os Galitos de Aveiro
Heroicamente remando!...

 

Em noites de lua cheia,
Aveiro põe-se a escutar
A linda voz da sereia
Quando à Ria vem cantar!...

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