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BOLETIM CULTURAL E RECREATIVO - SECUNDÁRIA JOSÉ ESTÊVÃO - AVEIRO


 

As raízes da arte abstracta 1910 a 1920


Por ordem cronológica, encontramos movimentos importantes conducentes à pintura abstracta, no seu contexto histórico-cultural.

A ideia de pintura como projecção do mundo real, no início do século XX, é afastada pelos artistas que entram em rotura com a ideia de pintura como coisa reconhecível, chegando à abstracção através da simplificação ou redução da linguagem visual.

Qualquer obra abstracta, não tendo qualquer ligação com a realidade exterior, tem a sua própria realidade.

 

Atribui-se ao pintor Kandinsky a criação dos primeiros quadros abstractos. Kandinsky, russo de nascimento, nasceu em 1866. Licenciou-se em Direito, mas com trinta anos, em 1896, recusa ser professor na Universidade de Dorpat, na Estónia, e dedica-se inteiramente à pintura, depois de se ter apaixonado pelo quadro de Monet, Montes de Feno, exposto em Moscovo numa exposição dos impressionistas franceses, em 1895. Muda-se para Munique onde organiza exposições de artistas e associações. A primeira associação que fundou foi o Grupo Phalanx, em 1901. Em 1911, cria com Franz Marc o grupo Der Blaue Reiter – O Cavaleiro Azul.

Fig. 1: Quadro “Sem título” de Kandinsky - 1912  

Para Kandinsky as cores e as formas exprimiam verdades que existiam para além das aparências e que dificilmente se descrevem com palavras. Em 1912 produz o quadro “Sem Título”, (figura 1), com formas que parecem flutuar, que se aproximam dum ponto central, lembrando figuras em dissolução, vestígios de uma pintura figurativa de que o pintor se afastava. Pelo convívio que tinha com o compositor Arnold Schonberg, que tinha como hobby a pintura, Kandinsky entendia haver semelhanças entre a pintura e a música e, em 1914, definiu as suas teorias sobre a cor dizendo que: “A cor é o teclado, os olhos são os martelos e a alma é o piano, com as suas inúmeras cordas. O artista é a mão que toca o piano, emitindo esta ou aquela nota para provocar vibrações na alma”.

   
  Fig. 2: Quadro “Composição IV” de Kandinsky  

Muitos dos quadros de Kandinsky podem ser entendidos como improvisações ou composições, por analogia com a música. No quadro “Composição IV” (figura 2), há um processo de abstracção, tendo os motivos sido reduzidos a formas de problemático reconhecimento, como as figuras no centro do quadro, acabando por afastar qualquer resquício do real, adoptando a linha e formas geométricas como novos meios de expressão.

Kandinsky não foi o único pintor a comparar a pintura com a música. Georges Braque, pintor francês, não tendo escolhido o caminho da abstracção total, desenvolvendo uma pintura cubista, fez uma série de quadros sob um tema musical. É desta série o quadro “Homem com viola”, de 1911 (figura 3). Picasso, seguindo o mesmo caminho, pinta, também em 1911,” O Acordeonista”, numa altura em que era amigo íntimo de Braque. Picasso estava empenhado, nessa altura, num afastamento das representações e tradições, sem entrar, no entanto, na abstracção total (figura 4).

     
 

Fig. 3: “Homem com viola” da autoria de Georges Braque (1911).

 

Fig. 4: “O acordeonista”, quadro de Picasso (1911).

 

Robert Delaunay, como pintor cubista, utilizou contrastes simultâneos para criar movimento e ritmo. O quadro, “Janelas Abertas”, que Delaunay pinta em 1912, e de que se reproduz parte, (figura 5), insinua uma estrutura de organização urbana. O colorido da pintura e o movimento levam também à analogia entre a música e a pintura, sendo os elementos criados pelo artista novas estruturas sem elementos tirados do visível.

 

   
  Fig. 5: “Janelas abertas”, quadro pintado em 1912 por Delaunay.  

 

Um mundo em constante e veloz alteração influencia a pintura cheia de movimento e dinamismo dos futuristas Giacomo Balla e Gino Severini.

 

Em 1910, os futuristas afirmaram no manifesto de pintura, que publicaram em Paris, que: “o movimento da luz destrói a materialidade dos corpos” e que “…querem colocar o espectador no centro do quadro”. De 1913 é o quadro de Balla “O carro passou” (figura 6) do qual resulta uma impressão de velocidade.

 

 

Fig. 6: “O carro passou” é um quadro de Balla, pintado em 1913, no qual se procura reproduzir a sensação da velocidade.

     
     

De 1915, já no período da I Guerra Mundial (1914 a 1918), é o quadro de Severini “O Comboio Suburbano Chegando a Paris” (figura 7), que descreve um mundo moderno caracterizado pela mudança e pelo desnorteamento.


 

 

 

Fig. 7: “Comboio suburbano a chegar a Paris” é um quadro de Severini, pintado em 1915.

 

 

Pouco depois da I Guerra Mundial, assiste-se ao nascer de uma arte abstracta a que Piet Mondrian e Theo Van Doesburg, pintores holandeses, chamaram de neoplasticismo. Estes pintores utilizaram as linhas, os planos e as cores como elementos plásticos. Nas suas obras não há qualquer referência ao mundo real, tornando-se símbolos da arte moderna. Confronte-se o quadro “Composição”, de Doesburg, de1920 (figura 8), com o quadro “Grande Composição A”, de Mondrian, de 1920 (figura 9).

O quadro” composição” de Doesburg é um conjunto de planos enlaçados que sugerem movimento de blocos, planos geométricos e de cores, onde predominam o vermelho, o verde, o azul e o amarelo, características do neoplasticismo.

 

Fig. 8: Quadro de Doesburg, intitulado “Compo-sição” (1920).

  Fig. 9: “Grande composição A”, quadro pintado em 1920 por Mondrian.

A “Grande Composição A” de Mondrian, onde aparecem as três cores primárias, vermelho, amarelo e azul, com traços a preto intenso, na vertical e na horizontal, acentuam a separação entre os planos e ao mesmo tempo dão unidade à composição.

O neoplasticismo, rejeitando a descrição, tenta ser veículo de valores universais. Para Mondrian, a quem Doesburg deu a possibilidade de publicar o seu primeiro trabalho teórico na revista “De Stijl” (O Estilo), editada pela primeira vez em 1917, a imagem é a relação equilibrada, um meio através do qual «a unidade, a harmonia, o universal são mostrados de forma expressiva na sua diversidade, na sua multiplicidade, no seu individualismo».

Doesburg e Mondrian entendem que a arte, após a I Guerra Mundial, teve um papel fundamental no renovar da civilização ocidental. Mondrian escreve, em 1917: «Se a arte deve ser uma realidade viva para o homem moderno, ela tem de ser uma expressão pura da nova consciência da época».

Claudette Albino


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