Por ordem cronológica, encontramos movimentos importantes conducentes
à pintura abstracta, no seu contexto histórico-cultural.
A ideia de pintura como projecção do mundo real,
no início do século XX, é afastada pelos artistas que entram em rotura
com a ideia de pintura como coisa reconhecível, chegando à abstracção
através da simplificação ou redução da linguagem visual.
Qualquer obra abstracta, não tendo qualquer
ligação com a realidade exterior, tem a sua própria realidade.
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Atribui-se ao pintor Kandinsky a criação dos primeiros quadros
abstractos. Kandinsky, russo de nascimento, nasceu em 1866.
Licenciou-se em Direito, mas com trinta anos, em 1896, recusa ser
professor na Universidade de Dorpat, na Estónia, e dedica-se
inteiramente à pintura, depois de se ter apaixonado pelo quadro de
Monet, Montes de Feno, exposto em Moscovo numa exposição dos
impressionistas franceses, em 1895. Muda-se para Munique onde
organiza exposições de artistas e associações. A primeira associação
que fundou foi o Grupo Phalanx, em 1901. Em 1911, cria com Franz
Marc o grupo Der Blaue Reiter – O Cavaleiro Azul. |
Fig. 1: Quadro “Sem
título” de Kandinsky - 1912 |
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Para Kandinsky as cores e as formas exprimiam
verdades que existiam para além das aparências e que dificilmente se
descrevem com palavras. Em 1912 produz o quadro “Sem Título”, (figura
1), com formas que parecem flutuar, que se aproximam dum ponto central,
lembrando figuras em dissolução, vestígios de uma pintura figurativa de
que o pintor se afastava. Pelo convívio que tinha com o compositor
Arnold Schonberg, que tinha como hobby a pintura, Kandinsky
entendia haver semelhanças entre a pintura e a música e, em 1914,
definiu as suas teorias sobre a cor dizendo que: “A cor é o teclado, os
olhos são os martelos e a alma é o piano, com as suas inúmeras cordas. O
artista é a mão que toca o piano, emitindo esta ou aquela nota para
provocar vibrações na alma”.
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Fig. 2: Quadro
“Composição IV” de Kandinsky |
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Muitos dos quadros de Kandinsky podem ser
entendidos como improvisações ou composições, por analogia com a música.
No quadro “Composição IV” (figura 2), há um processo de abstracção,
tendo os motivos sido reduzidos a formas de problemático reconhecimento,
como as figuras no centro do quadro, acabando por afastar qualquer
resquício do real, adoptando a linha e formas geométricas como novos
meios de expressão.
Kandinsky não foi o único pintor a comparar a
pintura com a música. Georges Braque, pintor francês, não tendo
escolhido o caminho da abstracção total, desenvolvendo uma pintura
cubista, fez uma série de quadros sob um tema musical. É desta série o
quadro “Homem com viola”, de 1911 (figura 3). Picasso, seguindo o mesmo
caminho, pinta, também em 1911,” O Acordeonista”, numa altura em que era
amigo íntimo de Braque. Picasso estava empenhado, nessa altura, num
afastamento das representações e tradições, sem entrar, no entanto, na
abstracção total (figura 4).
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Fig. 3: “Homem com viola” da autoria de Georges
Braque (1911). |
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Fig. 4: “O acordeonista”, quadro de Picasso
(1911). |
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Robert Delaunay, como pintor cubista, utilizou
contrastes simultâneos para criar movimento e ritmo. O quadro, “Janelas
Abertas”, que Delaunay pinta em 1912, e de que se reproduz parte,
(figura 5), insinua uma estrutura de organização urbana. O colorido da
pintura e o movimento levam também à analogia entre a música e a
pintura, sendo os elementos criados pelo artista novas estruturas sem
elementos tirados do visível.
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Fig. 5: “Janelas
abertas”, quadro pintado em 1912 por Delaunay. |
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Um mundo em constante e veloz alteração influencia
a pintura cheia de movimento e dinamismo dos futuristas Giacomo Balla e
Gino Severini.
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Em 1910, os futuristas afirmaram no manifesto de pintura, que
publicaram em Paris, que: “o movimento da luz destrói a
materialidade dos corpos” e que “…querem colocar o espectador no
centro do quadro”. De 1913 é o quadro de Balla “O carro passou”
(figura 6) do qual resulta uma impressão de velocidade.
Fig. 6: “O
carro passou” é um quadro de Balla, pintado em 1913, no qual se
procura reproduzir a sensação da velocidade. |
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De 1915, já no período da I
Guerra Mundial (1914 a 1918), é o quadro de Severini “O Comboio
Suburbano Chegando a Paris” (figura 7), que descreve um mundo moderno
caracterizado pela mudança e pelo desnorteamento.
Fig. 7: “Comboio suburbano a chegar a Paris” é um
quadro de Severini, pintado em 1915. |
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Pouco depois da I Guerra Mundial, assiste-se ao
nascer de uma arte abstracta a que Piet Mondrian e Theo Van Doesburg,
pintores holandeses, chamaram de neoplasticismo. Estes pintores
utilizaram as linhas, os planos e as cores como elementos plásticos. Nas
suas obras não há qualquer referência ao mundo real, tornando-se
símbolos da arte moderna. Confronte-se o quadro “Composição”, de
Doesburg, de1920 (figura 8), com o quadro “Grande Composição A”, de
Mondrian, de 1920 (figura 9).
O quadro” composição” de Doesburg é um conjunto de
planos enlaçados que sugerem movimento de blocos, planos geométricos e
de cores, onde predominam o vermelho, o verde, o azul e o amarelo,
características do neoplasticismo.
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Fig. 8: Quadro de Doesburg, intitulado
“Compo-sição” (1920). |
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Fig. 9:
“Grande composição A”, quadro pintado em 1920 por Mondrian. |
A “Grande Composição A” de Mondrian, onde aparecem
as três cores primárias, vermelho, amarelo e azul, com traços a preto
intenso, na vertical e na horizontal, acentuam a separação entre os
planos e ao mesmo tempo dão unidade à composição.
O neoplasticismo, rejeitando a descrição, tenta
ser veículo de valores universais. Para Mondrian, a quem Doesburg deu a
possibilidade de publicar o seu primeiro trabalho teórico na revista “De
Stijl” (O Estilo), editada pela primeira vez em 1917, a imagem é a
relação equilibrada, um meio através do qual «a unidade, a harmonia, o
universal são mostrados de forma expressiva na sua diversidade, na sua
multiplicidade, no seu individualismo».
Doesburg e Mondrian entendem que a arte, após a I
Guerra Mundial, teve um papel fundamental no renovar da civilização
ocidental. Mondrian escreve, em 1917: «Se a arte deve ser uma realidade
viva para o homem moderno, ela tem de ser uma expressão pura da nova
consciência da época».
Claudette Albino