| SESSÃO DE 23 DE MAIO
                          DE 1862
                          
                            
                          
                           O cansaço obrigou-me
                          naturalmente a contrair-me, pedindo por isso vénia à
                          câmara para continuar no curso das minhas ideias, que
                          não pude expor todas ontem, atendendo ao abatimento
                          das minhas forças.
                          
                           Ouvimos que o artigo 2.º
                          do projecto, sem necessidade e com estranheza, repete
                          o preceito de que ao corpo legislativo pertence
                          conceder autorização para serem admitidas no país
                          as ordens religiosas. 
                          Era necessário para obviar as dúvidas que se
                          tinham apresentado sobre este assunto.
                          
                           Disse-se: «Foram
                          admitidas ordens religiosas neste país por alvarás e
                          sem dependência de lei. Daqui é que vêm estas pendências;
                          esta é a origem de todas as inquietações. E para de
                          uma vez lhes pormos cobro, declaramos o direito que
                          aliás estava declarado; mas com boa intenção, com o
                          desejo de o estabelecer é que se inseriu este artigo
                          para acabar com todas essas razões de dúvidas, para
                          estabelecer o preceito legal, para pôr termo a todos
                          os embaraços e a todas as questões, e ficar por uma
                          vez assente a legislação de 1833, para que essa
                          legislação seja revalidada, confirmada e declarada
                          por um modo explícito e terminante.»
                          
                           É o que faz o projecto
                          do governo. E portanto o projecto do governo está
                          sustentado pelos argumentos com que a comissão
                          sustentou o artigo 2.º.
                          
                           Se havia necessidade de
                          clareza para escrever o artigo 2.º, essa mesma
                          necessidade de clareza havia-a para o governo
                          apresentar o projecto e, sobretudo, o artigo 1.º. E
                          essa necessidade devia levar os ilustres deputados a
                          adoptarem o artigo 1.º, porque ele era indispensável,
                          porque ele corta as dúvidas, aquieta as consciências,
                          desembaraça os governos, deixado-os marchar
                          desafogadamente, e livra a administração do país,
                          permita-se-me a frase, deste trambolho. (Riso.)
                          
                           Mas no projecto da
                          comissão  há  um artigo estranho, incongruente e inesperado: é o artigo
                          que declara incompetentes para ensinar nos
                          estabelecimentos do Estado os membros das ordens
                          religiosas. Digo que é incongruente, estranho e
                          inesperado, depois dos encómios, depois das recordações
                          históricas, depois das inculcas que se fizeram da
                          proficiência dessas ordens. É estranho que os seus
                          membros se deixem soltos e livres no ensino
                          particular, e sejam exceptuados, sejam expulsos, do
                          ensino oficial; porque é uma excepção que ataca e
                          fere os princípios da liberdade, tão invocada pelos
                          membros da maioria da comissão.
                          
                           O Sr. relator da comissão
                          achou-se em gravíssimo apuro. E é estranha e
                          inaudita a folestria lógica com que ele saiu
                          deste apuro, sustentando uma doutrina absurda na
                          jurisprudência civil e na jurisprudência canónica,
                          cometendo um atentado contra todas as doutrinas
                          liberais, só para não deixar sair da sua boca
                          ortodoxa, e contemporizadora com as opiniões suas
                          amigas e afectas, uma só frase que as ofendesse, um só
                          estigma de incapacidade para as corporações
                          religiosas.
                           O natural era dizer: «Pois
                          porque não hão de ensinar os membros das corporações
                          religiosas nos estabelecimentos do governo? Não podia
                          ser senão por um só motivo - o de suspeição.» (Apoiados.)
                          Mas a boca do ilustre deputado estava fechada para
                          pronunciar esta palavra! Ele não podia pronunciá-la,
                          e sobretudo estava inspirado por este santo princípio
                          da transacção, que era preciso manter. E por
                          isso disse: «Ensinem só nos estabelecimentos
                          particulares!»
                           Isto, Sr. relator da
                          comissão, é inaudito, é revoltante em doutrina, e
                          sobretudo em referência à sua pessoa, porque é um
                          contracenso. E eu vou reclamar em nome dessas pobres
                          ordens religiosas, em nome do decoro deste país, em
                          nome da liberdade e da boa razão.
                          
                           O Sr. relator da comissão
                          declarou-nos que um português que pertencesse a uma
                          ordem religiosa, sujeita a prelado estrangeiro, ficava
                          por isso privado dos seus direitos de português, da
                          mesma maneira que um capitalista, que pertencesse a
                          uma companhia que tivesse a direcção estrangeira,
                          ficava privado dos seus direitos. Isto é incrível! O
                          ilustre deputado desnacionaliza os membros das ordens
                          religiosas para não poderem ensinar nos institutos do
                          governo: mas, se os achamos desnacionalizados para os
                          institutos do governo, também não os podemos
                          nacionalizar para ensinarem nos estabelecimentos
                          particulares. São bons, são excelentes; mas estão
                          desnacionalizados, não são portugueses. E o ilustre
                          deputado fez este raciocínio. Em França, os
                          estrangeiros são excluídos de ensinar, mas são os
                          estrangeiros, os que não são franceses; logo os
                          portugueses que pertencem a uma congregação
                          religiosa estrangeira, por esse facto ficam
                          estrangeiros, e portanto são excluídos de ensinar.
                          Era melhor dizer outra qualquer coisa. Que respeito à
                          consciência! Que respeito às opiniões religiosas!
                          Que respeito à liberdade! Desnacionalizar um homem
                          que, no foro da sua consciência, e segundo os princípios
                          do seu culto, julga que pode satisfazer os seus
                          deveres de cidadão, e contudo obedecer
                          espiritualmente ao chefe da sua congregação! E não 
                          há invasão
                          na liberdade de consciência! Isto é flagrante,
                          flagrantíssimo, e é-o sobretudo pelo espírito de
                          vastidão que o Sr. relator lhe dá para acudir a si,
                          para se livrar de um embaraço. (Apoiados.) As
                          irmãs da caridade saltaram por cima do instituto; o
                          Sr. Casal Ribeiro saltou por cima da lógica, por cima
                          do bom senso, da tradição, da razão, de tudo. (Apoiados.)
                          
                           Eu leio isto trinta
                          vezes, e não o posso crer.
                           Sou obrigado a recorrer
                          à nossa jurisprudência antiga contra esta barbaríssima
                          sentença. Vou a 1600 buscar, com orgulho e com
                          satisfação, argumentos aos homens doutos, aos
                          jurisconsultos, aos reinícolas desta terra, contra
                          essa absurda doutrina, que vem agora apresentar-se
                          aqui com aparências da última expressão da
                          liberdade. (Apoiados.)
                          
                           Nada mais, nada menos,
                          é um caso semelhante, semelhantíssimo, e julgado no
                          desembargo do paço.
                          
                           Se as opiniões
                          liberais não servem por serem modernas; se a minha
                          boca, por ser suspeita de ímpia, não pode ter
                          autoridade em semelhante assunto, venham os homens
                          tementes a Deus, piedosos e zelosos do real serviço,
                          a cujo voto o Sr. relator da comissão se socorreu
                          para nos dar uma bula de sanação pelo acto atroz e
                          anti-religioso, que 
                          há  vinte
                          anos tínhamos praticado, proscrevendo as ordens
                          religiosas que obedecessem a prelado estrangeiro.
                          
                           É o parecer do
                          procurador da coroa contra a pretensão do bispo da
                          Guarda, para serem desnacionalizados alguns padres que
                          se ordenaram fora do reino.
                           O bispo da Guarda
                          requereu que se desnacionalizassem alguns padres seus
                          diocesanos, que tinham ido ordenar-se a Espanha,
                          obedecendo assim a prelado estrangeiro, porque para
                          tomar ordens no estrangeiro era preciso obedecer a
                          prelado estrangeiro. Já se vê que a questão não é
                          dessemelhante, o bispo pediu a desnacionalização
                          desses padres, e o desembargo do paço negou-a, pelo
                          parecer que vou ler. Se o Sr. Casal Ribeiro fosse
                          desembargo do paço, estava concedida. (Riso.)
                          
                            
                          
                           Parecer do procurador
                          da coroa sobre uma petição do
                          bispo do Guarda, poro serem desnaturalizados
                          os que se ordenarem fora do reino.
                          Se bem se advertir nas
                          leis do reino, em que aos eclesiásticos se põe pena
                          de desnaturalização, se achará que não é mais que
                          um de dois casos. Primeiro, quando eles ofendem alguma
                          constituição civil, ordenada pelo príncipe secular
                          para bom governo do seu reino e sossego público de
                          seus vassalos, a qual não tenha penas de direito canónico,
                          e por isso não possa ser castigado pelos ministros da
                          igreja. Segundo, quando as pessoas eclesiásticas, que
                          atrozmente e com escândalo público delinquiram, não
                          foram pelos ditos ministros condignamente punidos, em
                          cujos termos entra então o poder político e económico
                          dos principais, para purgarem a república dos
                          delinquentes que a ofendem e escandalizam. Fora destes
                          casos não sei que se possa proceder a pena de
                          desnaturalização, a qual é gravíssima, e se
                          tem por igual à antiga deportação, e por isso não
                          se podem defender as leis que a impõem contra pessoas
                          do foro eclesiástico, senão no concurso das
                          referidas circunstâncias.
                           Intenta agora o bispo
                          da Guarda que esta se imponha aos seus súbditos, que
                          se foram ordenar fora daquele bispado, e já pelo que
                          referi se mostra que não se lhe deve deferir, porque
                          se eles levarem reverendas não podem incorrer em pena
                          alguma; e sem elas, ou com falsidade, se ordenarem, é
                          crime meramente eclesiástico, contra o qual o direito
                          canónico, santos concílios e as constituições
                          sinodais têm constituído penas, que aos pontífices,
                          aos padres e aos prelados pareceram correspondentes à
                          culpa, e destas mesmas é o bispo executor em seu
                          bispado. E se todavia em Deus e em sua consciência
                          entender que as pode acrescentar, lá se avenha, que
                          eu me persuado que sem escrúpulo da de sua majestade,
                          não pode o dito senhor entrar nesta matéria; pelo
                          menos que deve usar da espada do desnaturalizamento, a
                          qual para defensão somente de regalia, e não para
                          castigo dos crimes eclesiásticos, se deve
                          desembainhar.
                          
                          
                           Lisboa, 29 de março de
                          1689. - O secretário, Manuel Lopes de Oliveira.
                          
                          
                           À margem deste parecer
                          está a seguinte cota:
                          
                           Em consulta do
                          desembargo do paço se conformou sua majestade com
                          este parecer, pela resolução de 10 de Setembro de
                          1685.»
                          
                           Aqui temos que a espada
                          da desnaturalização não se podia desembainhar senão
                          em casos desta ordem; o Sr. Casal Ribeiro
                          desembainha-a arbitrariamente em defesa da sua ordem!
                          Não pode ser.
                          
                           «Mas na questão de
                          que se trata, a desnaturalização é só para o
                          ensino público.» O princípio é o mesmo. Ou vá-se
                          embora o princípio, ou não se invoque. E não se
                          deve invocar; eu acho absurdo também que não se
                          sustente em todas as suas aplicações. Eu não o
                          aproveito, mas o Sr. Casal Ribeiro há de permitir que
                          seja aproveitado, declarando-se que os padres
                          desnacionalizados para o ensino público estão também
                          desnaturalizados para o ensino particular.
                          
                           O Sr. José Luciano de
                          Castro tinha tocado este assunto, mas eu entendi que não
                          estavam tiradas todas as consequências.
                          
                           Esta garantia - se
                          obedece a prelado estrangeiro, ou se não obedece a
                          prelado estrangeiro, - é uma garantia mesquinha e
                          humilhante. Neste caso as medidas decisivas não são
                          as mais profícuas, são as mais honestas. Como se 
                          há  de
                          adquirir a certeza civil, a certeza política, a
                          certeza governativa de que um indivíduo pertence ou não
                          pertence a qualquer congregação estrangeira? 
                          Há de
                          inquirir-se a sua consciência obrigando-o a
                          juramentos, obrigando-o a revelar o sigilo,
                          obrigando-o também, para não resistir aos interesses
                          temporais, ou mesmo para melhor servir os interesses
                          da religião, a admitir talvez, e a aceder a uma
                          composição política a que todas as leis devem por
                          cobro? (Apoiados.)
                          
                           Mesmo depois da revogação
                          do edicto de Nantes, a que se referiu o Sr. Fontes, nós
                          sabemos e conhecemos perfeitamente o que aconteceu, e
                          qual foi o procedimento que houve muitas vezes para os
                          conversos à força, a quem se não concediam certos
                          direitos, porque os não mereciam, e a quem se
                          obrigava na hora suprema (e isto no interesse da própria
                          religião, mas no que se cometia ou praticava um
                          grande sacrilégio) a quem se obrigava, digo, a dar um
                          testemunho de reverência, embora em forma externa, à
                          religião do Estado, não obstante eles declararem que
                          não estavam convertidos à fé católica. E este
                          testemunho assim dado por um acto externo, em oposição
                          com o foro inumo do converso, recebia-se e fazia-se
                          acreditar no interesse dessa religião. Este princípio
                          está formigando no projecto da comissão, projecto
                          que tem liberdades imensas, mas tem também a
                          liberdade da hipocrisia. (Apoiados repetidos.)
                          
                           Cá está o mesmo princípio
                          no relatório. Aqui não havia desnacionalização
                          para fugir ao rigor lógico. Cá estão no relatório
                          os mesmos ataques à dignidade e à consciência
                          humana, as mesmas provas piedosas, a mesma fraude e o
                          mesmo desejo de impor os actos externos. (Apoiados.)
                          
                           No parecer lêem-se as
                          seguintes palavras:
                          
                           «Congratulemo-nos
                          antes de que os reaccionários sejam obrigados a
                          invocar a liberdade, a acolher-se ao nosso templo político,
                          prostrar-se ante o nosso altar e confessar a santidade
                          do nosso dogma. Se o culto que prestam não vem do
                          coração, os actos externos que praticam são sempre
                          uma eloquente homenagem à verdade; a conversão
                          completa será obra do tempo.»
                          
                           Eu não quero tal
                          liberdade; renego-a e detesto-a! (Apoiados.) E
                          não é em nome da religião, nem em nome do
                          catolicismo, que vem apresentar-se semelhante fraude
                          piedosa e semelhantes arremedos de liberdade, que são
                          absurdos. (Apoiados.)
                          
                           Se eu tiver tempo,
                          direi porque discordo do parecer da maioria da comissão.
                          E visto que se trata de conciliação, eu também
                          quero estar conciliado. Tomem na mão uma balança,
                          pesem a oiro e fio todas as liberdades - a da religião,
                          a do ensino, a de escrever, a de prestar culto a Deus
                          como entenderem, pesem a oiro e fio todas estas
                          liberdades, façam uma lei pondo um preceito conforme
                          o que der esta balança, e dêem-me o resultado desta
                          operação, que eu estou conciliado. Façam uma lei
                          para todos e para tudo, até ao ponto de se conservar
                          a ordem pública aí estou eu.
                          
                           Laçam-na, e teremos
                          muita glória se a fizermos primeiro que outros países
                          da Europa, que têm de a fazer se quiserem paz,
                          sinceridade e ordem, sinceridade nos actos internos, e
                          ordem nos actos externos; se quiserem ter cidadãos e
                          religião. (Apoiados.)
                          
                           A liberdade de
                          ensino... Cabe aqui uma citação de Sr. Guizot. Em
                          1836 dizia ele o seguinte:
                          
                           Nas nossas vicissitudes
                          políticas os partidos têm-se esforçado por mais de
                          uma vez para invadir a instrução pública, dominá-la
                          e afeiçoá-la a seu gosto. Eles exploram a liberdade
                          do ensino com o mesmo desígnio. Apenas a tiverem
                          conquistado, vereis as opiniões as mais contrarias,
                          umas fanáticas e anti-racionais, outras irreligiosas
                          e anti-sociais, competirem em actividade para se
                          apoderarem das gerações nascentes. Apelarão para
                          todos os preconceitos, para todas as pretensões, para
                          todas as cegueiras, para todas as quimeras. Invocarão
                          agora o espírito de inovação, logo o espírito de
                          imobilidade. A magnificência das promessas, a
                          novidade dos métodos, a prontidão dos resultados, o
                          abatimento dos preços, serão incessantemente
                          alegados. Lisonjearão umas vezes a ambição, outras
                          a economia dos pais. O charlatanismo mercantil e a
                          paixão política porão em obsessão as famílias, e
                          nem todas terão as luzes e a prudência necessárias
                          para resistirem a estas solicitações.»
                          
                           Se a hora estivesse
                          mais adiantada, se eu pudesse subtrair-me ao desejo
                          que tenho de exprimir as minhas ideais, sentava-me,
                          deixando os ilustres deputados em contestação com
                          Mr. Guizot. (Apoiados.)
                          
                           Pergunto ao Sr. relator
                          da comissão: quer ele a liberdade do ensino com todas
                          estas consequências? Acha-se homem forte e robusto,
                          para com o poder clerical na mão por em ordem todos
                          estes elementos? Oferece-se a conter todas estas
                          liberdades dentro da ordem? Responde por todas as
                          consequências lógicas destas ideais? Não creio
                          isso. Já o meu amigo, o profeta Sr. Marques, fez um
                          discurso no Terreiro do Paço, e só por isso os
                          poderes do Estado julgaram que a ordem estava
                          perturbada, e esta câmara assim o julgou também...
                          Ora, de constituição tão fraca e tão débil, que
                          estremece de tão pouco, não creio que se possam
                          conseguir os resultados que nos são indicados.
                          
                           Permita-me a comissão
                          que lhe diga que ela não dividiu bem os assuntos do
                          ensino: não dividiu o ensino por províncias literárias,
                          religiosas, administrativas e civis, dando a cada uma
                          das entidades respectivas o direito de educar, vigiar
                          e dirigir as províncias que lhe pertencem. Têm-se
                          suprindo no campo do ensino todas as estremas; ficou
                          assim o campo todo aberto sem ninguém determinar que
                          se especializassem os terrenos de que se compunha este
                          grande tracto de terra. Em vez de dizer ao Estado: «Ensina
                          as disciplinas civis» à ciência: «Ensina a ciência»;
                          ao pai: «Ensina a moralidade da família, conforme as
                          crenças religiosas de cada uma», - a comissão não
                          disse nada disso, não dividiu o ensino pelas suas
                          especialidades, como devera dividir. (Apoiados.)
                          Disse unicamente ao Estado e à religião: «Vamos
                          ensinar; ensinem tudo que é ensinável.» Mas que
                          havemos nós de ensinar? Assim como o clero não pode
                          admitir que o secular ensine a teologia divina, também
                          o Estado não pode admitir que o clero esteja
                          exclusivamente a ensinar a teologia política, o nosso
                          dogma, a nossa crença Deus, pátria e liberdade. Não
                          queremos que este dogma seja ensinado fora das inspirações
                          da religião, nem da essência dela; porque pátria e
                          Deus não são a mesma coisa; mas confundem-se no coração
                          do homem, sem ofensa à lei divina. Queremos que o
                          ensino civil do padre seja dado fora da influência
                          religiosa; mas não que lhe seja atribuída ou por
                          vontade da lei, ou contra vontade dela, por abuso
                          manifesto, reconhecido e já anunciado.
                          
                           Nós não tratamos das
                          leis preventivas, porque as leis preventivas são para
                          os casos que não estão determinados. E estes estão
                          previstos. Logo o que  há  a fazer são
                          leis proibitivas: é proibir o legislar-se sobre o
                          ensino, que sistematicamente e desde séculos tem tido
                          uma certa direcção, um certo um, e que se confessa
                          agora que se quer nacionalizar para o mesmo fim. (Apoiados.)
                          Então não poderemos vigiar e prevenir? Creio que
                          sim, e a polícia preventiva vai, e vigia para que se
                          não perturbe a ordem pública. Se um homem disser: «Venho
                          aqui para matar o Sr. Fulano, ou para o roubar»,
                          creio que se tornam medidas sobre cada um destes casos
                          mas faz-se mais do que prevenir, reprime-se, visto que 
                          há  uma
                          intenção declarada de faltar às leis e às conveniências
                          do Estado. É a tentativa dum acto criminoso, que o
                          governo deve reprimir, depois que se declara que se
                          vai praticar esse acto. A solução lógica, social e
                          religiosa da questão da instrução pública, é
                          tomar as entidades, umas que Deus criou, e outras que
                          a lei fez, umas em virtude da lei natural, outras em
                          virtude da lei escrita, e encarregá-las, debaixo da
                          superintendência e acção legítimas, de educar as
                          gerações, transmitir a boa doutrina de umas para
                          outras, e fazer das gerações grémios de homens
                          civilizados, que pratiquem as virtudes cívicas e
                          mantenham a liberdade.
                          
                           O projecto da comissão,
                          sem ofensa das suas piedosas intenções, não é mais
                          do que um leilão de almas. Vemos um ajuntamento de
                          crianças, transluzindo em todas elas a imagem da inocência,
                          que é também a imagem de Deus; mas ouvimos em volta
                          deste grupo respeitável a voz de empresas religiosas,
                          tratando afanosamente da caridade em proveito dos seus
                          próprios interesses. (Apoiados.) De um lado
                          quer-se que se vigie com todo o cuidado a praça numa
                          arrematação normal, num lanço de dinheiro, para que
                          não haja conluios, para que a lei se observe
                          religiosamente, e de outro estabelecem-se empresas
                          religiosas, companhias de exploração, para que a praça
                          seja vedada ao pai, ao Estado, à religião
                          verdadeira. (Vozes: - Muito bem.) Busca-se que
                          sejam arrematadas as almas em benefício da caridade.
                          ou do zelo dos especuladores, quando a verdadeira
                          caridade só se pode expandir fora de semelhantes leilões.
                          
                           Em nome de que virtude
                          a criança nos seus mais tenros anos, e cercada dos
                          mais insondáveis mistérios da existência, há de
                          ser entregue a estranhos? (Apoiados.) Querem
                          isto? O pai já não existe, está anulada a família,
                          desconhecida a natureza, porque a companhia empresaria
                          já tem consubstanciado em si interesses e direitos,
                          que eram prerrogativas do pai e da família!
                          
                           Isto envergonha! Mas não
                          fui eu, graças a Deus, não fui eu quem trouxe esta
                          comparação tão material para uma questão das mais
                          altas e mais transcendentes. O exemplo, porém, é
                          contagioso. Se eu ouvi da boca de um sacerdote a
                          declaração de que o ensino devia ser livre nos
                          estabelecimentos particulares, porque era uma indústria
                          como outra qualquer que o mestre era por consequência
                          um obreiro, e que o empresário do colégio de educação
                          tinha direito de ir buscar o melhor obreiro de
                          doutrina, como uma empresa industrial o melhor
                          pedreiro, o melhor serralheiro ou o melhor
                          carpinteiro! Isto disse-se, e disse-se pela falta de
                          sentimentos em questões desta ordem!
                          
                           Sr. presidente, se não
                          fosse a inoportunidade e o inconveniente destas
                          comparações mal trazidas, quem poderia obrigar o
                          homem bem educado, cavaleiro, civil, atencioso,
                          elegante, a vir aqui dizer: «Vós não quereis as irmãs
                          da caridade francesas, e injuriais mesmo as senhoras
                          portuguesas, porque temeis a concorrência.» Fora
                          concorrência! Fora indústria! Fora todos estes símiles,
                          que desnaturam a questão!
                          
                           Se não bastassem todas
                          estas declarações e todo o meu ânimo inofensivo,
                          acumularia ainda palavras sobre palavras a respeito de
                          um certo zelo e dedicação que não vejo. Não quero
                          considerar nenhum interesse mundano; considero as
                          instituições e as ideais; mas para os homens que se
                          colocam em posição um tanto critica, que forrageiam
                          em todos os campos, que combatem só com o pretexto de
                          que se vai ofender um princípio que todos acatam, e
                          que estão em risco de um mau resultado - todos os
                          meus argumentos são inúteis.
                          
                           Mas o ateísmo! Oh! o
                          ateísmo, é preciso acudir-lhe; e preparar o ensino
                          da religião é matar o ateísmo. O parecer da comissão
                          é um reforço indispensável para os sentimentos
                          religiosos.» E que seria de Deus e da religião sem o
                          parecer da comissão? (Riso.) O ateísmo! Isto
                          é um tema velho e ridículo. Era um tema das
                          academias antigas, saber se poderia haver uma
                          sociedade de ateus, e como se poderia viver nela, o
                          que era o mesmo que discutir se podia haver sociedade
                          sem homens.
                          
                           Deus formou o homem com
                          todos os instintos benévolos, e vinculou os
                          sentimentos generosos ao seu coração, de modo que a
                          verdade santa não fosse a fraude e a mentira. O
                          sentimento religioso não se analisa; não se lhe faz
                          síntese, nem análise; conhece-se e respeita-se. (Apoiados.)
                          E portanto não se pode chamar ímpio a ninguém;
                          chamar ímpio a alguém, é dizer: «Vi a tua consciência,
                          entrei nela, estive com ela, e conversei com ela.» Se
                          isso fosse possível, era para emudecer a boca e só
                          sentir o coração, porque, se os segredos de homem
                          para homem se não podem dizer, os segredos de consciência
                          para consciência estão selados com a honra. Herege e
                          ímpio! É herege e ímpio o homem que, na sua ambição
                          intelectual de conhecer tudo, pergunta a si mesmo
                          porque vive, porque 
                          há  de
                          morrer, quem é que o faz estremecer de horror, quem o
                          faz expandir de contentamento, quem modera os seus ímpetos,
                          quem sofreria os seus desejos? É ímpio quando,
                          elevando a sua imaginação às maravilhas que o
                          cercam, aos fenómenos da natureza que o deslumbram,
                          e, desgraçado mortal! querendo erguer-se ate à
                          imensidade, pára, não podendo mais, para depois,
                          conhecedor da sua pequenez, da sua ignorância, descer
                          à terra, humilhado e confundido diante da grandeza de
                          Deus?! (Vozes. - Muito bem.)
                          
                           Nesse momento,
                          prostrado de cansaço, abatido por não poder devassar
                          os recônditos segredos da natureza; nesse momento,
                          vem um raio de infinita graça iluminar a sua alma, -
                          e essa luz é a luz da religião. Nesse instante ele
                          crê e espera; nesse instante prostra-se, como nós
                          todos, diante das maravilhas de Deus.
                          
                           Sr. presidente, eu sou
                          religioso, católico, apostólico, romano. O homem
                          vive da faculdade de pensar e de sentir. Não o
                          estorvemos a cada passo, não o caluniemos, não o
                          suponhamos tão indigno que não possa elevar-se nas
                          azas do seu espírito, e librando-se na imensidade
                          procurar por eflúvios místicos e inexplicáveis as
                          relações que existem entre ele e a divindade.
                          
                           Qual é o sábio, ou o
                          filósofo, ou o governo, que pode ter nas mãos o
                          facho da religião, da crença e da verdade, como cada
                          um o entende?
                          
                           Sr. presidente, eu sou
                          católico, repito, segundo os princípios em que fui
                          educado; creio em Deus, e ele me deixa crer e esperar
                          também que este seja o melhor de todos os cultos,
                          porque satisfaz as necessidades do meu espírito, os
                          desejos do meu coração, e não diz à minha razão
                          nada que repugne às minhas aspirações.
                          
                           Gosto do catolicismo
                          puro, e não gosto deste catolicismo filosofado,
                          destes enxertos de filosofia; gosto da doutrina pura
                          dos bons doutores; gosto da fé viva, da virtude sã,
                          de mais moral e menos formas. Não quero portanto o
                          catolicismo filosofado (sempre assim fui), nem o
                          catolicismo almiscarado; (riso) quero o
                          catolicismo puro, puríssimo, em todas as suas
                          manifestações; quero-o em toda a parte, fora da
                          igreja, como na igreja, sem distinção de lugar; numa
                          palavra, gosto do catolicismo que generaliza a ideia
                          religiosa, manifestada em todas as formas, quer
                          doutrinais quer morais. Agora não sei se sou ímpio...
                          Para o ilustre deputado (voltando-se para o Sr.
                          Pinto Coelho) parece-me que o sou. Mas, enfim,
                          seja o que quiserem, ímpio ou não ímpio, é isto o
                          que eu sou.
                          
                           Estamos em tais
                          circunstâncias, cegámos a tal Estado, que nem a
                          Carta nos serve, nem os serviços de D. Pedro, nem o
                          sangue derramado, - nada absolutamente. Desembargo do
                          paço, acudi-nos! Monarquia antiga, valei-nos, que
                          estamos perdidos!
                          
                           No entretanto sabem
                          todos que  há  uma universidade em Portugal, onde se ensina direito canónico
                          e civil, e onde  há 
                          um livro de um jurisconsulto chamado Pascoal
                          José de Melo, cujas obras, creio eu, estão no índice
                          expurgatório. Pois neste livro, por onde eu e o Sr.
                          Pinto Coelho estudamos,  há  esta rubrica
                          sacrílega: De jure imperanti circa sacra: do
                          direito do imperante acerca das coisas sagradas. Não
                          são clericais nem religiosas são sagradas - sacra,
                          porque a língua latina pode compreender num adjectivo
                          todos estes casos.
                          
                           Nesta terra tudo é
                          liberdade, e a grande preguiça política, que 
                          há  no
                          nosso país, favorece esta chuva de liberdade. Se se
                          trata de ensino, diz-se - liberdade de ensino; se se
                          trata de comércio, diz-se - liberdade de comércio;
                          se se trata de discutir, diz-se - liberdade de discussão;
                          se se trata de religião, diz-se - liberdade de religião.
                          
                           Disse eu que Napoleão,
                          que o imperador Napoleão, que o grande estadista
                          francês, (porque suponho que ele se gloria mais deste
                          nome, que se refere às suas qualidades pessoais, do
                          que daquele que lhe designa a sua posição) disse eu
                          que o imperador era histórico. É histórico na sua
                          maneira de reger. É histórico em sustentar com
                          coragem decidida, posto que com prudência os direitos
                          do poder civil, e em fazer barreira às invasões
                          clericais. É histórico, porque a sua política tem
                          sido a política tradicional da França, e a única do
                          chefe da sua dinastia, levantada gloriosamente pela
                          espada, e sustentada em parte por um grande tacto político.
                          
                           Este tacto político
                          tem consistido em se não deixar cegar pela grandeza
                          da sua fortuna, pondo a sua posição acima do seu século:
                          tem consistido em conhecer o tempo em que nasceu, em
                          saber distinguir, entre as ideias que germinam na
                          sociedade, aquelas que podem dar paz, ordem e
                          prosperidade aos povos.
                          
                           Debaixo deste ponto de
                          vista o imperador Napoleão tem feito serviços
                          relevantíssimos, não só à França, não só à
                          Europa, mas ao mundo inteiro, porque, se tem sido
                          liberal  há 
                          sua política interna, - na externa, sendo
                          chefe de uma nação entusiasta pela gloria das armas
                          e da conquista, podendo aproveitar o espírito
                          guerreiro dessa nação, e levar a guerra a toda a
                          parte, mergulhando a Europa em sangue, e intervindo na
                          sua forma de governo, tem-se abstido de o fazer.
                          
                           Em 7 de Maio deste ano,
                          na sessão do senado francês, dizia: Mr. Billault  «Considerando entretanto que os sentimentos religiosos são
                          a base da ordem social, o Estado favorece o seu
                          desenvolvimento, e todas as vezes que os membros do
                          clero se aplicam a acalmar as paixões, a formar as
                          populações para o bem. podem contar com o apoio do
                          governo. Mas quando se dão circunstâncias em que
                          eles não intervêm senão para perturbar o poder no
                          exercício de seus direitos e para excitar a agitação
                          nos espíritos, o dever do governo é por a mão por
                          cima desta agitação para a sufocar.»
                          
                           Tanto não peço eu nem
                          nós temos poder para isso. Mas para fazer reconhecer
                          o direito comum, e circunscrevê-lo aos seus
                          verdadeiros limites, quem o nega?
                          
                           Já se comparou aqui o
                          direito de ensinar ao direito de escrever, mostrando
                          que, se um é amplo, o outro não pode ser restrito.
                          
                           Diz-se: «As lições são
                          os artigos de fundo, os redactores do jornal os
                          mestres, o redactor principal o director do colégio,
                          e o administrador o ecónomo.»
                          
                           Estas comparações,
                          quanto ao fim, são procedentes; mas a ideia é
                          diversa, e estabelece a diferença entre as minhas
                          teorias e as dos ilustres deputados.
                          
                           Na imprensa,
                          discute-se; no ensino, evangeliza-se. Na imprensa,
                          fala-se a adultos; no ensino, a crianças. Na
                          imprensa,  há 
                          contradição, 
                          há  luta
                          entre os adversários, 
                          há  divergência
                          entre ideias e doutrinas; no ensino, não a pode
                          haver. A imprensa tem como correctivo a razão pública;
                          o ensino não pode ter como correctivo a razão da
                          criança, que se está a formar. A imprensa tem,
                          finalmente, como moderador dos seus efeitos, como
                          censura universal, a consciência pública, que
                          assiste a todos os debates e os julga, separando o
                          joio do trigo; e, no ensino, a consciência da criança
                          não é crivo por onde se faça esta operação. (Repetidos
                          apoiados.)
                          
                           Eu estou cansado. Tinha
                          que considerar o projecto debaixo de muitos outros
                          aspectos, mas não posso.
                          
                           Vamos à questão. Não
                          pode haver liberdade de ensino sem liberdade de
                          cultos;   proposição
                          demonstrada.
                          
                           A Carta não permite a
                          liberdade de religião, e o código penal traz artigos
                          horrorosos a este respeito, que nós votamos sem saber
                          o que votávamos!
                          
                           Não pode haver, pois,
                          essa liberdade. E logo não pode haver também hipótese
                          política e moral em que esta lei caiba.
                          
                           Pedem-nos a liberdade
                          de cultos. Nós dizemos que não podemos, porque nos
                          dizem que as nações grandes vivem da justiça, e as
                          nações pequenas vivem da justiça das grandes, e
                          devem respeitar a sua iniciativa. Nós, povo pequeno,
                          não podemos empreender uma revolução desta ordem, e
                          portanto não fazemos semelhante proposta; mas, como não
                          nos cumpre inovar, acomodamos as leis ao que está. (Muitos
                          apoiados.)
                          
                           Vejam, no entretanto, a
                          posição em que se colocam. Reconhecem que a
                          liberdade de cultos é indispensável para a liberdade
                          de ensino, e não propõem a liberdade de cultos! Não
                          compreendo. Aqui não 
                          há  senão
                          uma religião, e ninguém quer outra, nem reclama
                          contra ela; ainda bem. Aqui não 
                          há  protestantes;
                          ainda bem que não existe uma lei que deixe exercer o
                          seu culto completamente. Mas quem é que requer essa
                          lei? Nós não havemos de dar a liberdade a quem não
                          a quer! Isto é uma teoria de tal maneira pequena,
                          anti-histórica, anti-liberal, que é uma miséria
                          pronunciá-la. (Apoiados.) Esta teoria,
                          aplicada em rigor, dava a escravidão universal;
                          condenava todo o pensamento iniciador, todas as ideias
                          grandiosas, todos os espíritos arrojados. Esta teoria
                          de liberdade condenava a liberdade.
                          
                           Se houvesse um
                          cataclismo universal em que se perdessem todas as
                          ideias da estrutura do mundo, e aparecessem, no meio
                          desse cataclismo, vestígios que pudessem suscitar a
                          ideia do homem, ainda então seria reconhecido, visto
                          e sentido por quem examinasse esses vestígios, que a
                          liberdade não é uma indústria, mas uma filha das
                          nossas condições naturais!
                          
                           Aborreço as comparações
                          industriais para assuntos desta ordem, mas já que me
                          fizeram uma, forneceram-me os meios de a tornar
                          saliente.
                          
                           Falou-se na liberdade e
                          no monopólio do contracto do tabaco; os contratadores
                          têm um grande numero de máquinas, têm um grande número
                          de pessoas que sabem manipular este produto, e a
                          liberdade para eles é o monopólio criado em virtude
                          de leis anteriores. É o mesmo que vos digo a respeito
                          do ensino. Vós ides decretar a liberdade do ensino;
                          mas, antes disso, tínheis criado o monopólio em
                          benefício de certas e determinadas opiniões. (Muitos
                          apoiados.)
                          
                           Eu vou concluir. Eu
                          considero o projecto da comissão como uma jangada,
                          uma verdadeira jangada feita à pressa, para a qual
                          cada um dos navegadores ou empresários deu uma peça
                          de madeira; mas, passando deste para aquele lado do
                          rio, desmancharam a jangada, e entregaram a cada um a
                          madeira com que havia concorrido, e que lhe serviria
                          de arma de guerra para se defender dos outros. (Apoiados.)
                          
                           Este projecto na minha
                          opinião não tem alcance algum; é um risco arquitectónico
                          arranjado pela oposição para certos fins; é um
                          expediente político, e não é mais nada. (Apoiados.)
                          E felizmente que é isso, porque se fosse outra coisa,
                          seria uma desgraça.
                          
                           Sr. presidente, estas
                          leis de 1833, que defendemos e por que propugnamos, não
                          foram arrancadas aos poderes do Estado à custa de
                          cenas tumultuosas, ou à vista de sangue e debaixo do
                          terror; não foram argúcias políticas para debilitar
                          as forças do inimigo em uma guerra fratricida; não
                          foram meios de enganar a consciência de ninguém, nem
                          de levantar partidários debaixo de falsas promessas;
                          foram medidas tomadas por um príncipe, que era mais
                          que príncipe, que era um guerreiro distinto (apoiados),
                          por um príncipe liberal (apoiados), que era um
                          homem que jogou a sua vida com a valentia e resignação
                          com que o soldado raso pode jogar a sua em defesa do
                          posto que lhe foi confiado! (Apoiados.) Estas
                          leis foram todas sancionadas e proclamadas no remanso
                          da paz (apoiados) pelos poderes do Estado,
                          juntos e reunidos, tratando de resolver os problemas
                          económicos e políticos que a fortuna das armas lhes
                          pusera nas mãos. Foi assim que se proclamaram. Estas
                          leis são leis honradas pela sua origem, pelo modo
                          como foram promulgadas, pelas firmas com que foram
                          seladas; estão livres de toda a poeira e de todo o
                          sangue revolucionário; são leis de que devem ser
                          primeiros zeladores os que se chamam partido
                          conservador. E se não querem conservar isto, não têm
                          nada que. conservar! (Apoiados. - Vozes: - Muito
                          bem.)
                          
                           Eu voto por estas leis,
                          e voto por elas como conservador, porque o ser
                          conservador não é o contrário de ser progressista.
                          Eu sou progressista, porque quero que se conservem
                          estas leis e estorvo a destruição delas; sou
                          progressista, porque conservo.
                          
                           Voto, portanto, pelo
                          projecto do governo com exclusão do parecer da
                          maioria da comissão, porque o projecto da maioria da
                          comissão e o do governo são heterogéneos; um exclui
                          o outro, as suas tendências são diversas; um é uma
                          lei clara, terminante e corajosa: outro é uma lei
                          cheia de portas falsas, de incertezas, só com uma
                          porta larga, de grandes batentes, que é o artigo 4.º,
                          para entrarem por ali, não irmãs da caridade
                          portuguesas, mas irmãs de todas as caridades: (riso)
                          para o ensino ser assumido pelos representantes de
                          todas as seitas religiosas; para se entregar a instrução
                          pública à anarquia e à desordem, levantando-se
                          agora uma obra que tem forçosamente de ser destruída
                          pelas próprias mãos daqueles que a erigiram; (apoiados)
                          e que se a não destruírem, porque se pejem de o
                          fazer, hão de erguer as mãos ao céu, fazendo preces
                          a Deus para que alguém a deite abaixo. 
                          
                           Voto por consequência
                          pelo parecer do governo, com exclusão absoluta do
                          parecer da maioria da comissão. (Apoiados. -
                          Vozes: - Muito bem, muito bem. O orador foi
                          cumprimentado por grande número de Srs. deputados.)
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