Delfim Bismarck
Ferreira
*
INTRODUÇÃO
Até à segunda
metade do século XVIII, altura em que ocorreu a
primeira reforma do ensino em Portugal durante o
reinado de D. José, o ensino primário (ler, escrever
e contar) era ministrado por “mestres”,
essencialmente por clérigos. Dos territórios que
actualmente compõem o concelho de
Albergaria-a-Velha, apenas Angeja passou então a ter
um “Mestre de ler, escrever e contar”, bem como as
vizinhas vilas de Serém e Bemposta.
Com D. Maria I,
Angeja passou a ter Mestre Régio para ler e
escrever, João da Silva de Almeida, na Bemposta
Joaquim Domingues de São Bento, em Paus Manuel Lopes
Igreja, e em Serém alguns religiosos do Convento de
Santo António. No mesmo reinado, para aprender
gramática latina, outro mestre leccionava em Angeja,
Manuel de Araújo Ribeiro, e na Bemposta Manuel de
Sequeira.
Os albergarienses
mais abastados recorriam à Casa de Aula e ao
Mestre-Escola (professor de primeiras letras)
existente no Convento de Santo António de Serém ou,
em alternativa, serviam-se de um ou outro
eclesiástico que particularmente poderia dar umas
aulas que lhes fornecesse uma instrução elementar.
Esta segunda hipótese era também à qual recorriam as
famílias que quisessem que as suas filhas lessem,
escrevessem e contassem.
A primeira escola e existir em
Albergaria-a-Velha, começou a funcionar apenas na
década de 10 do século XIX, com o primeiro Mestre
Régio de ensino primário, o professor Joaquim
Álvares Pereira.
A escola de então era no primeiro andar de um
edifício, situado no final da Rua do Hospital com o
Largo do Chafariz.
Aí se manteve algumas décadas apenas com aulas para
meninos, uma vez que as meninas só mais tarde, julgo
que na década de 60 do mesmo século, passaram a ter
a sua professora, D. Filomena Augusta Cabral Pessoa.
Por esta altura, e
durante as décadas de 40 a 60 do século XIX, os
poucos alunos albergarienses estudavam as primeiras
letras com o Padre João Fortunato José de Almeida,
da Estalagem dos Padres, na Rua de Santo António, e
com um ou outro eclesiástico,
/ pág. 80 / ou gramática latina
com o professor particular Joaquim Gomes Correia de
Oliveira e Melo, do Ameal de Alquerubim. Outros
ainda, mais abastados, iam estudar latim e francês
para Oliveira de Azeméis, com um ou outro
eclesiástico, aí se destacando o padre João Patrício
Nunes da Silva.
A PRIMEIRA ESCOLA PRIMÁRIA CONSTRUÍDA
DE RAIZ
A primeira escola primária a ser construída de raiz,
em Albergaria-a-Velha, foi a Escola Conde de
Ferreira. Era umas das cento e vinte escolas
primárias localizadas em sedes de concelho um pouco
por todo o país, patrocinadas pelo benemérito Conde
de Ferreira, Joaquim Ferreira dos Santos.
Foi construída em 1869, junto edifício dos Paços do
Concelho, onde funcionava o Tribunal da Comarca, dai
ser popularmente designada por “Escola do Tribunal”.
Custou então a sua construção 988$000 reis,
possuía duas salas de aula e uma residência para
professores, aí leccionando os professores Manuel
Henriques de Almeida, natural de Valongo e D.
Guilhermina Augusta Fernandes de Almeida, natural de
Eixo, sendo o primeiro docente dos alunos do sexo
masculino e a segunda do sexo feminino.
Na viragem do século, o concelho de
Albergaria assistia a um aumento do número de alunos
e consequente diminuição dos níveis de
analfabetismo, semelhante ao acontecia a nível
nacional. Na primeira década do século XX, o
analfabetismo no concelho de Albergaria-a-Velha
reduziu 4%, apesar de algumas freguesias terem
evoluído em sentido contrário.
QUADRO
PERCENTAGEM DE ANALFABETOS NO CONCELHO DE
ALBERGARIA-A-VELHA |
|
1900 |
1911 |
Albergaria-a-Velha |
73,5 |
68,8 |
Alquerubim |
62,5 |
71,2 |
Angeja |
83,2 |
78,9 |
Branca |
80,4 |
81,7 |
Frossos |
87,9 |
79,2 |
Ribeira de Fráguas |
83,2 |
76,8 |
São João de Loure |
74,1 |
71,8 |
Valmaior |
86,4 |
74,5 |
TOTAL do Concelho |
78,6 |
74,6 |
PORTUGAL |
78,6 |
75,1 |
/ pág. 81 /
O
analfabetismo fazia-se sentir sobretudo nas
mulheres, o que não causa espanto numa sociedade
cujos valores dominantes reservavam para as mulheres
a esfera privada e a vida doméstica.
De facto, apenas cerca de 14% das mulheres conheciam
os rudimentos da leitura e da escrita.
Com um estabelecimento de ensino primário
subdimensionado e com uma população escolar cada vez
maior, era premente na viragem do século a
construção de uma escola de maiores dimensões para o
sexo masculino na sede do concelho.
Ciente disso, o
governo ordena a construção de 184 novas escolas
primárias, um pouco por todo o país, inseridas num
plano escolar a que destinou a quantia de
400.000$000 reis, com projectos diferentes de acordo
com as capacidades de cada tipologia de
estabelecimento de ensino, sendo as de menores
dimensões para escolas que albergassem 50 alunos.
Responsável pela elaboração desses projectos ficaria
o arquitecto Adães Bermudes, que desde 1899 era
adjunto na Direcção-Geral de Instrução Pública e que
a partir de 1901 foi o director das Construções
Escolares da Direcção-Geral do Ministério do Reino.
A ESCOLA ADÃES BERMUDES
Devido ao nome do autor do projecto, esta escola
ficaria inicialmente conhecida por Escola Adães
Bermudes, e popularmente conhecida por Escola da Rua
de Cima e mais tarde por “Escola do Pinheiro”,
designações que esta artéria tomava na zona onde se
encontrava edificada, num trecho da Estrada Real n.º
10.
Edificada sob a orientação do mestre-de-obras José
Vidal, a escola primária Adães Bermudes foi
construída nas Eiras,
na Rua de Cima, em Albergaria-a-Velha, aí
leccionando o professor Joaquim António Ferreira.
Esta escola primária, era destinada aos alunos do
sexo masculino e desde cedo ficaria envolta em
polémica, devido a diversas razões que tentaremos
explicar, tendo por base o que a imprensa local à
época informava.
|
Envelope enviado por Adães Bermudes, Director as
Construções Escolares, para o Administrador do
Concelho de Albergaria-a-Velha, Patrício Theodoro
Álvares Ferreira |
|
|
Pormenor da planta seguinte, com a pré-existência e
o projectado |
|
|
Planta da zona envolvente à escola primária a
construir, bem como da área a expropriar, assinada
pelo arquitecto A. R. Adães Bermudes |
|
|
Ofício do Ministério do Reino – Direcção de
Construções Escolares, datado de 5 de Fevereiro de
1901, enviado pelo arquitecto director, A. R. Adães
Bermudes, ao administrador do concelho de
Albergaria-a-Velha, Patrício Theodoro Álvares
Ferreira |
|
|
Ofício de 13 de Maio de 1901, enviado por Adães
Bermudes ao Administrador do Concelho de
Albergaria-a-Velha, Patrício Theodoro Álvares
Ferreira, solicitando o envio urgente da minuta do
contrato de expropriação amigável |
Pretendia então o
governo mandar edificar em Albergaria-a-Velha uma
escola primária com capacidade para apenas 50
alunos. No entanto, de acordo com a imprensa local,
a frequência regular da escola do sexo masculino na
vila de Albergaria-a-Velha era então de 70 a 80
alunos, havendo dias em que excedia esse número.
Quinta-feira, dia 7 de Fevereiro
de 1901, pelas 12.00 horas, Adães Bermudes chega a
Albergaria-a-Velha, a fim de tratar da expropriação
do terreno para a construção da escola, onde se faz
acompanhar pelo Administrador do Concelho Patrício
Theodoro Álvares Ferreira.
/ pág. 86 /
Detectada a insuficiência de
capacidade do novo edifício a construir, uma vez que
o governo pretendia edificar uma escola de acordo
com a tipologia de menores dimensões, rapidamente a
Junta de Paróquia de Albergaria-a-Velha ofereceu uma
quantia para auxiliar a despesa a fazer, para além
do serviço pessoal de dois anos, para que fosse
modificada a planta primeiramente executada,
procurando dar ao edifício uma capacidade para 80
alunos. A escola então existente, já carecia de
mobília e de utensílios de ensino indispensáveis
para o aproveitamento regular das crianças, sendo
frequentemente supridas a expensas do professor
Joaquim António Ferreira.
O administrador do
Concelho declarou que o início das obras de
construção da escola primária não poderiam ter
início antes de efectuado o pagamento pela
expropriação do terreno para a mesma, e Adães
Bermudes solicita-lhe o envio da minuta do contrato
de expropriação amigável.
Em 22 de Maio de
1901, o Administrador do Concelho de
Albergaria-a-Velha, Patrício Theodoro Álvares
Ferreira, remetia cópia da minuta a Adães Bermudes,
com o teor seguinte:
Termo de compra
de 389,10 m2 de terreno feita
amigavelmente para a construcção d’um edifício
destinado a eschola primaria e respectiva servidão,
na Villa d’Albergaria a Velha.
Aos … dias do
mez de … do anno de … n’esta Villa d’Albergaria a
Velha e secretaria d’administração do concelho,
estando presente o administrador do mesmo, cidadão
Patricio Theodoro Alvares Ferreira, comigo Manoel da
Maia Mendonça, escrivão do seu cargo, ahi compareceu
o architecto Exm.º Snr. A. R. Adães Bermudes,
Director das construcções escholares, e por elle foi
dito que para a construcção da eschola primaria
mandada fazer pelo governo de Sua Magestade na Villa
d’Albergaria a Velha, havia justo e contractado, em
nome da fazenda nacional com Maria Roza, viuva de
Jose Ferreira dos Santos, d’esta Villa, a venda
amigavel d’uma parcella de terreno na superfície de
389,10 m2, parte a eira, parte a
lavradio, pertencente á sua propriedade sita na Rua
de Cima, d’esta mesma Villa, propriedade que
confronta do norte com Jose d’Oliveira, cazado,
proprietario, e outro, sul e nascente com D. Maria
Carlota da Serra Chuquere, e outros, e do poente com
a estrada real n.º 10, pela quantia de 254:550 rs. E
sendo presente a este acto a supracitada vendedora
Maria Roza, por ella foi dito que effectivamente
tinha justo e contratado com o referido architecto
Exm.º Snr. A. R. Adães Bermudes, Director das
construcções escholares, a mencionada parcella de
terreno com 389,10 m2 incluindo uma
servidão para o quintal da mesma eschola e pelo lado
norte d’esta, com 2 m. de largura e 11 de comprido,
tudo pela quantia de 254:550 rs; e á fazenda
nacional transferia todo o domínio, posse, direito e
acção d’essa parcella de terreno da sua já descripta
propriedade, para o fim acima designado. E ainda por
a vendedora foi declarado que por escriptura publica
de … lavrada nas nótas do Tabellião T.º … d’esta
Comarca, havia vendido ao Exm.º Snr. João Patricio
Alvares Ferreira, cazado, proprietário, d’esta Villa,
o direito d’explorar aguas por meio de poços,
clara-boias e minas subterrâneas em todo o prédio
atraz descripto e confrontado; e achando-se tambem
aqui presente o dito Exm.º Snr. João Patricio
Alvares Ferreira, confirmou a declaração feita pela
vendedora apresentando n’este acto o respectivo
documento para ser examinado pelo dito Exm.º Snr.
Director das construcções escholares, o que este fez
e declarou ficar do seu contheudo bem sciente, e
pelo mesmo Exm.º Snr. João Patrício Alvares Ferreira
foi ainda dito que em attenção ao fim a que se
destinava a presente compra, se obrigava a não abrir
qualquer poço ou clara-boia no terreno vendido para
a eschola, mas protestava por que fosse mantido o
seu direito para a exploração d’aguas no mesmo
terreno: E logo pelo architecto Exm.º Snr. A. R.
/ pág. 87 /
Adães Bermudes foi dito que aceitava a presente
venda com todas estas condições, em nome do governo
de Sua Magestade, obrigando-se por este a respeitar
o direito d’exploração d’aguas do mesmo Exm.º snr.
João Patricio Alvares Ferreira, pois ratificava o
contracto que com este fez a vendedora, e a não
explorar aguas no terreno e servidão comprados para
a alludida eschola. Mais declarou ainda que logo que
o Exm.º Snr. Ministro dos Negocios do Reino se digne
approvar o presente contracto será satisfeito á
vendedora o preço estipulado da venda. Do que para
constar mandou elle Administrador do Concelho lavrar
este termo com força d’escriptura publica, que vae
assignar com o Exm.º Snr. Architecto Director,
vendedora, e Exm.º Snr. João Patricio Alvares
Ferreira, sendo a tudo testemunhas presentes F.º e
F.º, os quaes vão assignar depois de lido por mim
Manoel da Maia Mendonça, Escrivão, que escrevi e
tambem assigno.
Chegados a Maio de 1901, persistiam as dificuldades
em alterar o primitivo projecto da nova escola, de
forma a torná-la mais ampla, com capacidade para 80
ou 100 alunos. Procurando resolver este impasse o
Dr. Francisco António de Miranda, o Padre Júlio
Pires Álvares Mourão e António Marques Pereira,
representando a Junta de Paróquia de
Albergaria-a-Velha, deslocaram-se ao Porto, a fim de
resolverem com o arquitecto Adães Bermudes as
dúvidas “que levantaram na aceitação, por parte
d’esse cavalheiro, do auxílio extraordinário que a
Junta oferece de forma a servir para agora e para o
futuro”.
No mês seguinte, a 3 de Junho de
1901, compareceram no Notário do 2.º ofício de
Albergaria-a-Velha, Fernando Dias de Araújo Leite,
Maria Rosa, viúva de José Ferreira dos Santos,
proprietária, constituindo seu procurador Patrício
Theodoro Álvares Ferreira, proprietário e
administrador do concelho de Albergaria-a-Velha,
para a representar na escritura da venda do terreno
para a construção da nova escola.
E no mesmo mês já a imprensa
afirmava que o edifício iria em breve construir-se,
e que não ficaria acanhado “como o primitivo
projecto indicava, mas, mantendo a mesma forma, terá
uma ampla sala, com capacidade para 100 alumnos. Com
esta alteração no projecto obrigou-se a nossa Junta
de Parochia, ao que nos informam, a dispender mais
de 400:000 rs. além dos 500 logo de principio
oferecidos”.
Deram então início às obras de
construção do edifício escolar, durante o verão de
1901, sob a orientação do mestre-de-obras José
Vidal, mas passado pouco tempo persistiam as
críticas, desta vez motivadas pelo facto da
habitação para o professor apenas ter três ou quatro
compartimentos de pequenas dimensões.
Todas as dificuldades em ampliar
a escola, as dificuldades com o arranque das obras,
a subdimensão da casa destina ao professor, entre
outros assuntos, foram criando uma clara clivagem
entre o autor da obra e a opinião pública
albergariense durante todo o período de tempo em que
decorreram as obras. Por esse motivo, a notícia da
expulsão de Adães Bermudes da Sociedade de Geografia
de Lisboa, uma resolução sem precedentes, foi
noticiada na imprensa local com algum destaque em
Março de 1902
/ pág. 88 /
|
Envelope que serviu para a troca de correspondência
entre o director das Construções Escolares da
Direcção-Geral do Ministério do Reino, Adães
Bermudes, e o Administrador do Concelho de
Albergaria-a-Velha, Patrício Theodoro Álvares
Ferreira, datado de 6 de Junho de 1901 |
No início do ano
lectivo de 1902/1903, ainda a nova escola se
encontrava em construção. No entanto, a escola que
ainda funcionava tinha matriculados 140 alunos, 115
dos quais de frequência regular. O edifício não
tinha capacidade para uma tão larga frequência, nem
a um só docente conseguia leccionar convenientemente
tantos alunos. No entanto, o novo edifício havia
sido destinado para 80 alunos, sendo impossível
conter 120.
A imprensa local chama uma vez
mais a atenção, desta vez para o facto “da instrução
elementar estar a cargo de um só professor, com
prejuízo para a sua saúde, e para o aproveitamento
dos alunos. Não vemos outro meio senão o de se crear
uma outra escola do sexo masculino”.
Até ao final do ano de 1902
ficaram concluídas as obras de construção da nova
escola primária, ficando entretanto fechada e sem
utilização.
O tempo foi passando e obra concluída continuava
encerrada. Mais um ano lectivo terminara sem que
nova escola tivesse qualquer uso, voltando a
imprensa a insistir, dizendo que o “edificio já se
acha concluído há bastantes mezes, e para o qual a
nossa junta de parochia teve de dispender uma
quantia superior a 600$500 reis. (…) Parece-nos que
o motivo porque o sr.
/
pág. 89 / professor ainda não tomou
posse da nova escola é faltar-lhe a mobília, cuja
aquisição está a cargo da camara”.
Iniciou-se o ano lectivo de
1903/1904 e a escola permanecia encerrada. A
imprensa local não desarmava, ora criticando o
governo, ora o arquitecto, ora a câmara municipal,
esta última por causa da inexistência de mobiliário
na nova escola. “Há um anno que se concluiu nesta
vila o novo edifício para a escola do sexo
masculino, e desde então se conserva fechado, sem
que ninguém saiba até quando o estará. (…) Como
ainda o governo não fez a entrega d’elle à camara
municipal, e esta só depois desse facto é que
tractará da feitura da mobília apropriada, temos
deante de nós talvez um outro anno primeiro que o sr.
professor o utilize”.
FOTO do Prof.
Joaquim António
Ferreira
Finalmente, em meados de Novembro
de 1903 foi entregue o novo edifício escolar,
completamente despido de mobília, ao professor
responsável por ele, Joaquim António Ferreira, que
teve “de remediar-se com a velha e pobríssima que
existe na
/ pág. 90 /
antiga casa, e com umas taboas pregadas em
cepos a servirem de bancos”.
No entanto, a pobreza do mobiliário permanecia e a
imprensa chamava a atenção, uma vez mais para esta
situação: “uma pobreza de mobiliário que envergonha
a terra. É certo que a nossa camara abriu
arrematação para o fornecimento de 25 carteiras, mas
as condições eram taes, e tão baixo o preço fixado
que ninguem se arriscou a oferecer coisa alguma”.
|
Alçado principal da Escola Adães Bermudes |
/ pág. 91 / |
|
Alçado posterior da Escola Adães Bermudes |
Alguns meses mais tarde, já em
Março de 1904, abriu antes das férias um curso
nocturno gratuito, por iniciativa do professor
Joaquim António Ferreira, que foi bastante
concorrido. No entanto, ainda não fora “adquirida a
mobília para a escola, nem a camara voltou mais a
pensar nisso”.
E no final de 1904 continuava a
carência de carteiras escolares, continuando a
imprensa com a sua campanha pró escola nova,
alertando para que era “necessário que se cuide a
serio mobiliar a escola (…). Houve há tempos uma
arrematação para 50 carteiras, mas as condições eram
tais (…)”. A câmara municipal aguardava que fosse o
governo a pagar tal despesa.
/ pág. 92 / |
|
A Escola Adães Bermudes, em Albergaria-a-Velha (na
actualidade, desactivada) |
O ARQUITECTO ADÃES BERMUDES
Arnaldo Redondo
Adães Bermudes, nasceu a 1 de Outubro de 1864 em
Santo Ildefonso, no Porto, filho de Félix Redondo
Adães Bermudes e de sua mulher D. Cesina Romana
Bermudes, galegos residentes no Porto.
Frequentou a
Academia Portuense de Belas Artes (1880-1886),
acabando por concluir o curso na Escola de
Belas-Artes de Lisboa. Em 1888 obteve uma bolsa que
lhe permitiu aperfeiçoar os estudos em França com o
mestre Pierre Blondel.
Regressou a
Portugal (1894), iniciando carreira de arquitecto.
Nesse ano perdeu o concurso para o monumento ao
Infante D. Henrique, no Porto, mas a sua qualidade
ficou patente na obtenção da 2.ª Medalha na
Exposição do Grémio Artístico de Lisboa.
Durante a sua
carreira exerceu diversos cargos na Função Pública.
Foi adjunto na Direcção-Geral de Instrução Pública
(1899), responsável por projectos de construção de
estabelecimentos escolares, director das Construções
Escolares da Direcção-Geral do
/ pág. 93 / Ministério do Reino
(1901-1906), secretário da Comissão de Estudo das
Construções nas Regiões Sísmicas (1909), vogal do
Conselho de Arte e Arqueologia (1911), vogal do
Conselho Superior de Instrução Pública (1911),
secretário da Comissão dos Monumentos Nacionais
(1911), chefe da 3.ª Repartição da Direcção-Geral de
Belas-Artes do Ministério da Instrução Pública
(1926) e director dos Monumentos Nacionais, no
Ministério do Comércio e Comunicações (1929-1933).
Entre 1917 e 1933,
a par das actividades artísticas e da actividade na
função pública, leccionou na Escola de Belas-Artes
de Lisboa as cadeiras de Construção e Resistência
dos Materiais, de Geometria Descritiva e
Perspectiva; participou na vida política da capital,
chegando a presidente interino da Câmara Municipal
de Lisboa e senador independente (1918-1919);
colaborou em publicações periódicas de áreas da sua
especialidade, como o “Anuário da Sociedade dos
Arquitectos Portugueses”, “A Construção”, “Boletim
da Real Associação dos Arquitectos Civis e
Arqueólogos Portugueses” e “Arquitectura
Portuguesa”; participou em congressos e comissões em
representação dos arquitectos portugueses (nos VI,
VII, VIII e IX congressos internacionais de
arquitectos - em Madrid (1904), Londres (1906),
Viena (1908) e Roma (1911) - e foi membro da Real
Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos
Portugueses, da Sociedade dos Arquitectos
Portugueses, da Sociedade Nacional de Belas-Artes,
do Royal Institut of Brithish Architects, da
Associação dos Engenheiros Civis Portugueses, bem
como da Sociedade dos Arquitectos da Argentina e do
Uruguai.
Na sua eclética
obra arquitectónica, na qual se misturam referências
aos estilos manuelino e barroco, à Arte Nova e ao
Design Moderno, podem destacar-se: o projecto-modelo
para a construção de 184 escolas (1902-1912); a
Escola Central Primária de Santa Cruz, em Coimbra
(1905-1907); o Instituto Superior de Agronomia de
Lisboa, na Tapada da Ajuda (1910); a Escola Normal
de Lisboa, em Benfica (1913), actual Escola Superior
de Educação de Lisboa; os hospitais da Covilhã e de
Oleiros; as agências do Banco de Portugal, em
Coimbra, Bragança, Viseu, Faro, Évora e Vila Real;
as cadeias de Anadia e de Sintra; as igrejas de
Espinho e de Amorim; o Hotel Astória, em Coimbra; o
Cemitério do Alto de S. João e o palacete do Conde
de Agrolongo, em Lisboa.
Adães Bermudes
participou, também, em projectos de restauro e
conservação de emblemáticos monumentos nacionais,
como os palácios de Mafra, de Sintra e de Queluz, a
igreja do Mosteiro dos Jerónimos e o Museu Nacional
de Arte Antiga, em Lisboa. Foi autor do projecto
vencedor do concurso para o Monumento o Marquês de
Pombal em Lisboa, em parceria com António C. Abreu e
o escultor Francisco dos Santos.
Foi premiado na
Exposição Universal de Paris (1900), ganhou o Prémio
Valmor e Municipal de Arquitectura (1908), pela
primeira vez atribuído a um edifício de rendimento,
que faz gaveto na Avenida Almirante Reis, e uma
Menção Honrosa (1909), no mesmo concurso, com o
Palacete na Rua do Sacramento, do Conde de Agrolongo.
Casou com Albertina Bermudes de quem teve o filho
Jorge, que seguiu a profissão do pai.
Adães Bermudes, arquitecto, homem
de cultura, republicano e maçon, faleceu a 18 de
Fevereiro de 1948, em Paiões, Sintra.
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Adães Bermudes |
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Assinatura de Adães Bermudes |
/ pág. 94 /
BIBLIOGRAFIA
Manuscrita
ACA – Arquivo da
“Casa do Agro”, Albergaria-a-Velha. Col. do autor:
Apontamentos de
Patrício Theodoro Álvares Ferreira, séculos XIX e XX
ADA – Arquivo
Distrital de Aveiro:
Fundo do Governo
Civil, Registo de Professores, Regedores e outros
funcionários de nomeação régia (1864-1877)
Livro Paroquial de
Albergaria-a-Velha, n.º 79, Óbitos
AMA – Arquivo
Municipal de Albergaria-a-Velha:
CMAAV, Divisão de Obras Municipais, Obras por
empreitada, Processo de
Obras da Escola Primária da Rua do Pinheiro, n.º 74
(1988-1991)
Impressa
Periódicos
Correio
D’Albergaria,
diversos números (1900-1910)
Estudos
AAVV,
Censo da População do Reino de Portugal no 1.º de
Dezembro de 1900,
Lisboa, Imprensa Nacional, Vol. I, 1905.
AAVV, Censo da População de Portugal no 1.º de
Dezembro de 1911, Lisboa, Imprensa Nacional,
Parte 1, 1913.
FERREIRA, Delfim
Bismarck, “O Benemérito Conde de Ferreira”,
Jornal de Albergaria, n.º 341, Ano XV, 2.ª
Série, de 25 de Setembro de 2007.
_____ , “As
primeiras escolas primárias em Albergaria-a-Velha”,
Jornal de Albergaria, n.º …….., Ano …., 2.ª
Série, de …………………..
FERREIRA, Delfim
Bismarck; VIGÁRIO, Rafael Marques,
Albergaria-a-Velha 1910 – da Monarquia à República,
Aveiro, Associação para o Estudo e Defesa do
Património Natural e Cultural da Região de Aveiro,
2010.
PINHO, António
Homem de Albuquerque, “Efemérides do Concelho”,
Jornal de Albergaria, n.º 106, Ano V, 2.ª Série,
de 30 de Setembro de 1997.
Internet
www.sigarra.up.pt
* Historiador e conservador de museu.
Faleceu solteiro em 1 de Julho de 1854, em
Albergaria-a-Velha, sendo sepultado na
capela-mor da igreja (ADA, Livro Paroquial de
Albergaria-a-Velha, n.º 79, Óbitos, fl. 19v.).
FERREIRA, D. B., “As primeiras escolas primárias
em Albergaria-a-Velha”, Jornal de Albergaria,
n.º ……..
Nomeada por três anos para professora da cadeira
primária da escola de sexo feminino de
Albergaria-a-Velha, por Despacho de 31 de Agosto
de 1866 (ADA, Fundo do Governo Civil, Registo de
Professores, Regedores e outros funcionários de
nomeação régia (1864-1877), fl. 72).
FERREIRA, D. B., 2007, p. 2.
FERREIRA, D. B.; VIGÁRIO, R. M., 2010, p. 55.
FERREIRA, D. B.; VIGÁRIO, R. M., 2010, p. 55.
A população escolar era globalmente muito
reduzida, segundo dados de 1906 e de alguma
forma em sentido contrário do que os valores do
analfabetismo poderiam indiciar, a população
escolar em 20 de Setembro de 1906 era, em
Albergaria-a-Velha: escola masculina 156, escola
feminina 180 (PINHO, A. H. A., 1997).
A zona designada por Eiras, compreendia o local
onde foi edificada a escola mas também a zona em
frente do outro lado da Rua de Cima (Estrada
Real n.º 10).
Natural de Serém, Macinhata do Vouga, foi
promovido a professor de 1.ª classe em 1910 (Correio
D’Albergaria, n.º 476, Anno X, de 9 de Junho
de 1910).
Planta à escala 1/1000, da implantação da
escola, área a expropriar e zona envolvente, da
autoria de Adães Bermudes, datada de Junho de
1900. ACA, col. do autor.
ACA, apontamentos de Patrício Theodoro Álvares
Ferreira. Col. do autor.
Correio D’Albergaria, n.º 2 (124), Anno
1.º (3.º), de 21 de Março de 1901.
Minuta manuscrita pelo escrivão Manuel da Maia
Mendonça (ACA, col. do autor).
Correio D’Albergaria, n.º 11 (133), Anno
1.ª (3.º), de 23 de Maio de 1901.
Procuração geral, datada de 3 de Junho de 1901 (ACA,
col. do autor).
Correio D’Albergaria, n.º 13 (135), Anno
1.º (3.º), de 6 de Junho de 1901.
Correio D’Albergaria, n.º 35 (157), Anno
1.º (4.º), de 7 de Novembro de 1901.
Correio D’Albergaria, n.º 51 (173), Anno
1.º (4.º), de 6 de Março de 1902.
Correio D’Albergaria, n.º 85 (207), Anno
2.º (5.º), de 30 de Outubro de 1902.
Correio D’Albergaria, n.º 101 (223), Anno
2.º (6.º), de 19 de Fevereiro de 1903.
Correio D’Albergaria, n.º 127 (249), Anno
3.º (5.º), de 27 de Agosto de 1903.
Correio D’Albergaria, n.º 133 (255), Anno
3.º (5.º), de 8 de Outubro de 1903.
Correio D’Albergaria, n.º 140 (262), Anno
3.º (5.º), de 26 de Novembro de 1903.
Correio D’Albergaria, n.º 147 (269), Anno
3.º (5.º), de 21 de Janeiro de 1904.
AMA, Processo de Obras da Escola Primária da Rua
do Pinheiro, n.º 74 (1988-1991).
Correio D’Albergaria, n.º 158 (280), Anno
4.º (6.º), de 7 de Abril de 1904.
Correio D’Albergaria, n.º 166 (288), Anno
4.º (6.º), de 2 de Junho de 1904.
Delfim Bismarck Ferreira |