Margarida Ribeiro
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Homem culto, versado em letras e de grandes
qualificações socioprofissionais e
culturais, este ilustre aveirense nasceu, em Ílhavo,
a 5 de Abril de 1813 e faleceu, a 19 de
Novembro de 1912, em Aveiro.
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Figura 1 – Retrato de José
Ferreira
da Cunha e Sousa (2) |
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Conceituado memorialista, a quem se devem muitos dos
contributos para a
compreensão das gentes de Aveiro e da Ria;
bibliófilo, e grande defensor de uma política
de descentralização dos equipamentos culturais e de
protecção dos valores patrimoniais,
da sua acção e obra destacam-se, a Memória sobre
Aveiro) no século XIX publicada na revista
do Arquivo do Distrito de Aveiro, no vol. VI, de
1943; a criação do primeiro Museu Público
no país – o Museu Distrital de Santarém (1876); o
conceito de Exposições Feiras do
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Distrito, de carácter permanente, nos Museus; uma
carreira política, ao serviço da Carta
Constitucional e à causa do partido cartista, o que
lhe valeu o Hábito de Cristo, pelos bons serviços
prestados ao país; o título honorífico de
Conselheiro, adquirido como reconhecimento pela
total disponibilidade que mostrou para servir a
causa pública e pelas reconhecidas qualidades
pessoais, engenho e carácter e o facto de ter sido
presidente e um dos grandes impulsionadores da Caixa
Económica de Aveiro - instituição de grande
relevância, para o desenvolvimento regional.
José Ferreira da Cunha e Sousa foi, sublinhe-se, uma
conceituada personalidade, defensora do Património
Histórico e precursora da Museologia Industrial em
Portugal que promoveu a constituição da primeira
Comissão Administrativa (1876-1880)(3) para a
instalação do Museu Distrital de Santarém – o de S.
João de Alporão.
Filho do aveirense Manuel Ferreira Cunha e Sousa e
de D. Rita Pinheiro Queirós, natural da cidade do
Porto, aprendeu as primeiras letras em Aveiro, na
casa do seu avô, na antiga Rua Larga, entre pontes,
junto ao término dos arcos do Côjo. O pai, liberal,
fora preso pelo regime absolutista, em 1828, após a
revolução, pelo que consequentemente se veio a
manifestar, contra a política miguelista.
Exemplarmente, dedicado, ao bem público, vem a
exercer na sua terra natal vários cargos, de
carácter administrativo e judicial: foi escrivão do
Publico Judicial e da Câmara; advogado de provisão;
comissário do concelho da vila de Ílhavo; Contador;
Distribuidor; Regedor da Paróquia de S. Salvador;
1.º Oficial (1840) e Secretário-Geral do Governo
Civil de Aveiro (1858); várias vezes Governador
Civil, em concelhos diversos como: Leiria
(1868-1869), Viseu (1868 e 1870), Coimbra
(1869-1870), Santarém (1871-1877), Portalegre
(1877-1878), Faro (1878-1879), Aveiro4 (1890) e
ainda foi juiz de direito desta comarca em regime de
substituição de Jaime Magalhães Lima, por nomeação
do presidente do Tribunal da Relação do Porto, em
1892.
As sucessivas nomeações para o cargo de Governador
Civil reflectem a instabilidade política, em que o
país estava mergulhado. Desde a primeira metade do
século XIX, que se vivia um período conturbado do
ponto de vista económico, político e social, a nível
nacional. O descontentamento era enorme, das
invasões francesas ao saque efectuado no país; à
saída da Corte para o Brasil e à consequente
governação britânica; e na década de 1890, ao Ultimato
Inglês; às repercussões da Revolta de 31 de Janeiro
de 1891 e à situação de bancarrota em que se
encontrava o país, ainda, predominantemente, rural.
Vivia-se, inclusive, um período de alterações
institucionais e legislativas resultantes da queda
do Antigo Regime e da ascensão da burguesia,
nomeadamente, a cargos públicos e de consolidação do
regime liberal. Esta nova classe valorizava
actividades como o comércio, a indústria e as
profissões liberais. A burguesia acreditava em
valores como o trabalho, a ordem, a poupança, a
instrução, a educação, o ócio e a filantropia como
pilares para o almejado crescimento e progresso
social e económico. Em Portugal, a Revolução liberal
de 1820 e a Revolução de 1838 fizeram emergir e
proliferar, a partir da década de 50 de oitocentos,
o associativismo que se expandiu na sequência do
fracasso
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da Revolta de 31 de Janeiro de 1891, com fins
formativos e de entretenimento (5), surgiram
Teatros, Óperas, Clubes, Cafés e Museus privados. O
direito à associação vinha já
consagrado na Constituição de 1838, no seu art.º.
14 (6). A nível internacional vivenciava-se a 2.ª
Revolução Científico-industrial e imperavam os
movimentos liberais e laicistas, de
carácter burguês, nacionalistas e independentistas,
inspirados na Revolução Americana
(1775-1783) e na Francesa (1789), e nos ideais
iluministas que as alicerçavam, que pretendiam unir
o povo sob a mesma identidade cultural, através do
sentimento de pertença a um país e a uma cultura.
Foi o período do surgimento de várias associações de
defesa dos direitos de classe; da consolidação de
conceitos como nação e cultura, requisitos exigíveis
para a concretização do conceito de liberdade e para
a construção da Democracia (7).
A partir de 1851, o movimento da Regeneração fomenta
o bem-estar individual e o desenvolvimento material
do país, aproveitando a estabilidade e a tolerância
política que reinava, estimulou os transportes e a
indústria, no sentido da busca da felicidade
tecnológica prometida pela Revolução
Científico-industrial e na obrigação de
contribuírem para o desenvolvimento da comunidade
local. Assim sendo, Santarém acolhe a linha de
caminho de ferro que une Carregado a Santarém
(1861); a primeira ponte sobre o Tejo (1876-1881) e
uma empresa de viação (1882). O ócio era visto, pela
nova classe
em ascensão, como um direito e investir nas artes e
nas letras um prestígio, assim como,
ser visto em ambiência associativa (8), ou em Salões de
Festas, Passeios Públicos, Clubes, Cafés e Teatros,
uma oportunidade de ostentarem a riqueza e o sucesso
do seu modo de
vida. Era na esfera pública que afirmavam os seus
valores e as suas ideias.
Numa reacção ao constitucionalismo, progrediam as
ideias republicanas, de Henrique Felix Nogueira,
Lopes de Mendonça e de Sousa Brandão que viriam a
influenciar a Geração de 70, como Antero de Quental
e José Fontana e os precursores do Partido
Republicano Português como, Sebastião de Magalhães
Lima, António de Oliveira Marreca e Teófilo Braga.
Esta geração ao progresso material acrescentou a
procura da identidade cultural comum. Preocupava-se
com princípios como a liberdade, a ordem, a
igualdade e a fraternidade; o fomento das artes; da
música; do teatro e das letras, enquanto fonte de
educação e de desenvolvimento de um povo, que
segundo ela, permitirá a este, ascender à plena
cidadania; com o conhecimento da história e dos usos
e costumes do país; com o incentivo à criação de
associações fortes, porque "são o núcleo de
resistência do individualismo contra o Estado"; com
a necessidade de desenvolver o municipalismo "como
um poder derivado directamente do povo"(9), porque são
estes os fundamentos da coesão e progresso da
Pátria. O movimento republicano tornou-se
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popular nos últimos anos da monarquia
constitucional, e cresceu muito, sobretudo após as
comemorações Camonianas (1880) e com as do
Centenário da morte do Marquês de Pombal (1882).
Em Santarém, liberais como Passos Manuel
(1805-1862); Marquês de Sá da Bandeira (1795-1876);
António Oliveira Marreca (1805-1889); Alexandre
Herculano (1810-1877) e Almeida Garrett (1799-1854)
e a designada Geração de 70 empenharam-se, ao longo
do século XIX (10), no desenvolvimento e na definição
das linhas de crescimento da urbe; em melhoramentos
tecnológicos e no incentivo à criação de associações
culturais. Alexandre Herculano pregava
inclusivamente, à época, na "Voz do Profeta", as
novas realidades culturais, defendendo uma política
de descentralização cultural e o património, a
história local e o municipalismo, como caminho
natural, para o progresso do país e para a
construção da História Nacional.
O Museu Distrital de Santarém (1876), fundado nesta
ambiência sob o impulso de José Ferreira da Cunha e
Sousa, tinha por missão primordial evitar a perda ou
a saída para o Museu do Carmo, em Lisboa, de
objectos considerados dignos de apreço e mérito
artístico. Visava conservá-los e salvaguardá-los,
para que os vindouros, desses documentos
históricos, pudessem tirar ensinamentos para o
provir. Espaço museológico
onde se contemplavam, essencialmente, peças
arqueológicas, o Museu era simultaneamente, um espaço onde ocorriam de forma permanente e
também temporária, Exposições-Feiras, do Distrito,
com produtos, onde "o passado e o presente se devem
associar para conduzir ao melhoramento do futuro",
isto é, tinha também por missão fazer a promoção e a
divulgação nacional e internacional dos mais
diversos produtos e potencialidades ribatejanas,
desde as agrícolas aos industriais, ao minério local
e à cultura. Como exemplo disso, tivemos a 1.ª
Exposição Agrícola Distrital, em 1880, na data em
que a gestão do Museu passou para a responsabilidade
da Comissão Executiva da Junta Geral do Distrito.
Criado no último quartel do século XIX, o Museu
Distrital de Santarém, foi uma iniciativa de grande
alcance nacional e regional, face à realidade
museológica portuguesa contemporânea. Tendo como
modelo teórico o Museu dos Monumentos Franceses de
Alexandre Lenoir (1790-96); o ideário
Saint-Simoniano de organização do trabalho e o
exemplo prático do Museu Arqueológico do Carmo
(1866), da iniciativa da Associação dos Arquitectos
Civis e Arqueólogos Portugueses, o Museu Industrial
de S. João de Alporão, assumiu um papel interventor
e esclarecido em relação às tendências da
modernização da cidade, na linhagem do ideário
herculaniano e pós-herculano de protecção aos
valores patrimoniais. A perspectiva não era apenas
local e regional mas nacional, europeia e mundial,
querendo tornar-se garantes da divulgação dos bens
distritais que lhe eram confiados. Este espaço
museológico pretendia promover o Distrito por meio
de exposições permanentes da actividade agrícola,
manufactureira, mineira e fabril tanto no que se
refere às matérias-primas como às máquinas, como
ainda aos produtos transformados. Não excluindo
concursos e exposições temporárias, sobre as
potencialidades
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115 / I do distrito – Exposições-Feiras do Distrito. O
Museu Distrital de Santarém era composto pelas seguintes valências: a científico-artística, a agrícola e a fabril.
À época a quantidade e a variedade dos espólios
das demolições ia ao encontro da tendência da museologia contemporânea teorizada
por Lenoir, que transformava o , museu oitocentista
numa espécie de museu dos monumentos, isto é, da
memória do
património demolido na voragem das alterações
urbanas, sociais e políticas. Em França, o Museu de
Cluny tornou-se o exemplo desta concepção. Em
Portugal, o Museu privado do Carmo fora o pioneiro,
influenciando o de Santarém. A relação entre espólio
protegido dos monumentos demolidos (no fundo bens
móveis) e a salvaguarda e conservação dos
monumentos estabeleceu-se implicitamente. As
diferentes comissões administrativas do Museu dos
finais do séc. XIX tinham essa relação presente,
porque fazia parte das ideias iniciais e dos
regulamentos aprovados. Todavia os responsáveis do
Museu do primeiro quartel do século XX, colocaram,
acima da protecção dos bens móveis, a salvação
patrimonial dos edifícios, os próprios imóveis in
situo Desenvolveram uma política de pressão sobre as
autoridades com vista à classificação e protecção
dos Monumentos de Santarém, chegando o Museu a
integrar-se no 1.º Conselho de Arte e Arqueologia
criado pela legislação republicana de 1911.
Esta inversão de perspectiva e a sensibilização da
opinião pública por parte do Museu permitiu evitar a
demolição de muitos monumentos da cidade.
A igreja de S. João de Alporão onde estava
inicialmente albergado o Museu Distrital de Santarém
era um espaço exíguo que abarcava uma multiplicidade
de espólios resultantes de ofertas, achados e
demolições diversas. A ideia inicial do museu,
prevista no regulamento de 1878, era a de um Museu
dos monumentos.
A Igreja de São João de Alporão acolheu o primeiro
museu público do país – o Museu Distrital de
Santarém. Este espaço museológico situado próximo da
Torre das Cabaças, em pleno centro histórico da
cidade de Santarém, constitui um dos monumentos mais
emblemáticos do Distrito. É um belo exemplar de arte
românica,
datado do século XII, cuja fundação se deve à Ordem
dos Hospitalários (11). Templo profanado no século XIX,
após a extinção das Ordens Religiosas (1834), foi
sede de uma sociedade particular de teatro
(1849-1876) (12) e Museu Distrital criado por alvará de
16 de Fevereiro (1876) após obras de remodelação que
ocorreram entre 1877 e 1889. Constituído por uma
grande diversidade de colecções, destas destacam-se
as peças arqueológicas provenientes dos templos e
conventos profanados ou destruídos na antiga
vila como: várias lápides sepulcrais e mausoléus
quinhentistas, nomeadamente, o túmulo de D. Duarte
de Menezes, proveniente do Convento de São
Francisco; os túmulos de João e Martim de Ocem,
oriundos do já desaparecido Convento de São Domingos
e a arca tumular, de Martim Cachorro, filho bastardo
de D. Afonso III transferida do Convento de Santa
Clara. O espólio deste museu inclui ainda capitéis
árabes, fragmentos cerâmicos, portais e fragmentos
de janelas, bem como diversas pedras brasonadas.
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Igreja de S. João de Alporão
– Santarém
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O Museu Distrital foi criado, pela iniciativa do
então Governador Civil de Santarém, José Ferreira da
Cunha e Sousa, abriu ao público no ano de 1889, na
Igreja de S. João de Alporão, tendo por base, o
Regulamento de 8 de Maio de 1885, passando para a
alçada municipal a 24 de Dezembro de 1892.(14)
Actualmente, a igreja de S. João de Alporão alberga
o núcleo de arqueologia do Museu Municipal de
Santarém. Este documento histórico encontra-se
classificado como Monumento Nacional, desde 1910.
___________________________________
Fontes
Alvará do Museu Distrital de Santarém, datado de 16
de Fevereiro de 1876;
Barbosa, Luísa, Cidadania e Cultura / O Movimento
Associativo, do Liberalismo ao Republicanismo,
Círculo Cultural Scalabitano – 50 anos de actividade
cultural;
Cadernos de Sociomuseologia nº 8, 1996;
"Campeão das Províncias", n.º 6220, datado de 14 de
Dezembro de 1912;
Enciclopédia Luso-Brasileira, vol. XXIX;
Gomes, Marques, Monumentos, Retratos, Paysagens, p.
83-84;
Gomes, Marques, Subsídios para a História de Aveiro,
p. 230;
Monumentos e Lendas de Santarém, p. 474-475;
Livro de Baptismos, fl. 139 v;
Neves, Amaro, Conselheiro José Ferreira da Cunha e
Sousa (1813-1912) / Insigne Aveirense, Homem de Bem,
Aveiro, 2011.
Revista Occidente – Revista Illustrada de Portugal e
do Extrangeiro [1878-1914];
NOTAS
(1) – Comunicação apresentada às Jornadas de História Local
– Património Documental Aveiro 2011, Biblioteca
Municipal de Aveiro, 25 de Novembro de 2011.
* Técnica Superior da CMA / Museu da Cidade. Membro da
Direcção da ADERAV
(2) – Neves, Amaro, Conselheiro José Ferreira da Cunha e
Sousa (1813-1912) / Insigne Aveirense, Homem de
Bem, Aveiro, 2011, pp. 69 e 90.
(3) – Custódio, Jorge (Coord.),
S. João de Alporão, na
História, Arte e Museologia, Santarém, Câmara
Municipal de Santarém, 1994, pp. 45-57.
(4) – Relação dos Governadores Civis do Distrito de
Aveiro...", A.D.A., vol. lI, p. 75.
(5) – Vd. O Associativismo, antes e depois do 25 de
Abril – Conferência inaugural proferida pelo
Professor
Doutor António Reis, no colóquio "Cidadania e
Cultura, Cinquenta Anos de Intervenção Cultural",
Santarém, Círculo Cultural Scalabitano, 27 de
Novembro de 2004.
(6) – Em 1791, o direito à reunião estava previsto, na
lei de Le Chapelier, de 17 de Março. Cf. Santos,
Fernando Piteira, "Direito de Associação" in Joel
Serrão (Dir.), Dicionário de História de Portugal, vol. I, Porto, livraria Figueirinhas, 1989,
pp.236-238.
(7) – Cf. Ramos, Rui, História de Portugal,
... de José Mattoso, vol. VI, Lisboa.
(8) – Alves, Ana Búzio e outros,
O Teatro Clube Ribeirense, Santarém, ESES, 2005, texto policopiado,
p.3.
(9) – Círculo de Leitores, 1994, pp. 565-569.
(10) – Cf. Alves, Maria João Búzio, A Casa das Freiras,
Trabalho final da licenciatura em Artes Decorativas,
Design de Interiores, Fundação Ricardo Espírito
Santo Silva, Lisboa, 2002 (texto policopiado) e
Custódio,
Jorge (Coord.), Santarém, Cidade do Mundo, vol. I,
Santarém, C. M. de Santarém, 1977, pp. 91-94.
(11) – Designada por Ordem de Malta a partir de 1530.
(12) – Até à constituição
da 1.ª Comissão Administrativa
(1876), para instalação do Museu Distrital de
Santarém.
(13) –
http://www.museu-santarem.org
(14) – Decreto no. 295, de 28 de Dezembro de 1892. |