Mensagem: uma obra lírica, épica e simbólica

 

O autor da Mensagem singulariza-se como um épico sui generis, introvertido, cantor, sem tuba ruidosa, de miríficas irrealidades. Escreveu o seu livro "à beira-mágoa", de olhos humedecidos, para expandir a "febre de Além" que atribui ao infante D. Fernando, para condensar em verbo poético o sonho de uma Índia que não há, por isso melhor. Ao Império português do século XVI não chamou ele "obscuro e carnal antearremedo"? O idealismo estreme, ocultista ou platónico, de alguns dos seus poemas líricos reduz o mundo visível a cópia grosseira do mundo invisível. Aqui sobre a terra "tudo é nocturno e confuso", tudo são projecções, sombras, fumo de um lume escondido; no outro mundo é que vivemos como almas. A Mensagem reafirma a cada passo a mesma repugnância pelo carnal, pelo que o sonho ou a loucura não redimem.

J. P. Coelho

A Mensagem poderá ser vista como uma epopeia, porque parte de um núcleo histórico, mas a sua formulação, sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá a continuidade. Aqui, a acção dos heróis só adquire pleno significado dentro de uma referência mitológica. Aqui, serão só eleitos, terão só direito à imortalidade, aqueles homens e feitos que manifestam em si esses mitos significativos. Assim, sua estrutura será dada pelo que, noutra linguagem, se poderá chamar os esquemas ideológicos, ou as ideias-força desse povo: regresso ao paraíso, realização do impossível, espera do Messias… Raízes do desenvolvimento dessa entidade colectiva.


Miguel Yeco, O Teatro Íntimo do Ser, 1896.

Assim, a estrutura da Mensagem, sendo a de um mito, numa teoria cíclica, a das Idades, transfigura e repete a história de uma pátria como o mito de um nascimento, vida e morte de um mundo; morte que será seguida de um renascimento. Desenvolvendo-a como uma idade completa, de sentido cósmico e dando-lhe a forma simbólica tripartida - Brasão, Mar Português, O Encoberto. Que se poderá traduzir como: os fundadores , ou o nascimento; a realização, ou a vida; o fim das energias latentes, ou a morte: essa que conterá já em si, como gérmen, a próxima ressurreição, o novo ciclo que se anuncia - o Quinto Império. Assim, a terceira parte é toda ela um fim, uma desintegração; mas também toda ela cheia de avisos, prenhe de pressentimentos, de forças latentes prestes a virem à Luz: depois da Noite, e Tormenta, vem a Calma e a Antemanhã; estes são os Tempos.

Que mutação houve e que auscultou o poeta, na alma do seu povo? À era dos heróis, daqueles que percorrendo, sozinhos e únicos, o caminho da realização pessoal e colectiva, levando-a até ao fim através de perigos sem conta, se teria sucedido uma era de desistência e anulação pessoal, em que a esperança e a obra de realização, de salvamento, se transfere e projecta num super-eu nacional - o Desejado. É ele que trará a regeneração do povo; que pela sua aparição instaurará o tempo novo.

 

Depois da degenerescência do tempo antigo, Alcácer Quibir contará o fim de um ciclo de uma pátria, tal como o de um mundo, por um dilúvio, pela sua força renovadora e purificadora.

A vinda do Encoberto marcará o fim da história. Os cinco impérios são irreversíveis. Alcácer-Quibir é um acontecimento de valor religioso. E aí a morte de D. Sebastião assumirá o sentido da morte redentora de um deus.

Essa intrinseca identificação do poeta com a nação toma aqui no profetismo a forma do que assume em si, na sua pessoa, única e mortal, o destino de um ser colectivo, em todo o transcurso da sua existência.

Dalila L. P. da Costa


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